Há dias e dias 1
Há dias e dias 1
3.Jul.18
mcr
Éramos pouco mais de um quarteirão no enterro da Fernanda da Bernarda. Alguns não puderam vir por questões de saúde: nenhum de nós está a ir para novo. Muitos não souberam ou souberam tarde de mais para ir de longada até Setúbal. Todavia, lá estávamos, um punhado de relíquias ou de sobreviventes, como queiram descrever-nos. Mais cabelos brancos, ou nem isso que as calvas não eram poucas. Como de costume, as mulheres (as raparigas do nosso tempo...Ah! Como isso vai longe...) mostravam-se mais bem conservadas. Elas defendem-se melhor dos infortúnios da idade, sabem fintar o tempo e a solidão bem melhor do que os homens. No meio do desgosto, mesmo se isto era uma morte anunciada e, porque não dizê-lo, de certo modo desejada (uma esclerose múltipla rebenta com o melhor e o mais corajoso e não é boa de ver para as testemunhas compadecidas e impotentes), foi bom rever velhos, velhíssimos amigos e camaradas de outros tempos, quiçá de outro lugar tais as mudanças a que assistimos nestes bons cinquenta anos que nos separam da nossa “juventud, divino tesoro” (Ruben Dario, leiam-no por favor que ele é um dos maiores, dos melhores, dos mais modernos poetas latino americanos –que digo? – universais).
Há um par de semanas, encontrei uma velha conhecida (bem mais nova do que eu, aliás) que depois de um par de beijos repenicados, várias perguntas e outras tantas respostas, me disse “estamos vivos”. Lá estar estamos mas já aproximamo-nos do tempo de viver por empréstimo, já há quem nos olhe de soslaio, somos um peso no Orçamento da CGA ou da Segurança Social. As criaturas idosos são caras em termos de saúde, ocupam demasiado espaço nos hospitais quando não se tornam um custo insuportável por lá terem sido abandonadas.
O jornal de hoje menciona um livro de Steibeck (prémio Nobel nos inícios de 60) em que ele descreve uma viajem pela Rússia na companhia de Robert Capa, extraordinário fotografo. Comprei-o há dias mas ainda não o abri. Prometi a mim mesmo começar ainda este mês. Steinbeck venceu o Nobel depois do júri se ter dividido entre Lawrence Durrel (o autor do “Quarteto de Alexandria”, do “Quinteto de Avignon” e de mais uma série de belos livros onde não faltam dois ou três bem humorados sobre s suas aventuras como diplomata) e Graham Greene, o grande escritor “católico” (porque raio se apõe sempre a religião no caso dos católicos? Já Bernanos, outro grande, sofreu a mesma “capitis diminutio...) que deixou meia dúzia de grandes romances com destaque para “O terceiro Homem”, “O fim da Aventura, “O Poder e a Glória” ou “O nosso agente em Havana”.
Steinbeck foi, posteriormente, muito injustiçado pela crítica pretensiosa que achava que era preciso diminuí-lo para exaltar Hemingway ou Faulkner como se não bastassem a estes dois últimos a enorme qualidade que tinham. Eu, comecei Steinbeck muito cedo, era autor lá de casa e muito adolescente já tinha “aviado” “A leste do Paraíso” e “As vinhas da Ira”. Um pouco mais tarde foi a vez do emocionantes “Noite sem lua” e “Batalha duvidosa”. Mais tarde ainda li divertidíssimo “Tortilla Flat” e “Cannery Row” e o belo “Viagem com o Charley” e devo ter visto três ou quatro diferentes encenações de “Ratos e Homens”, uma peça que não pode falhar num repertório teatral digno desse nome.
Será que Steinbeck vai ressuscitar em Portugl como já acontece com Somerset Maugham, outro injustiçado?
À selecção nacional sucedeu o que há muito se previa. Arrastou-se, deprimente e deprimida, pelos relvados do Mundial, sem nunca ter dado um ar da sua graça. O eficiente Uruguai exectou-a sem piedade. Os jornais juram que no campo teve mais domínio de bola, mais isto e mais aquilo. Mas o Uruguai teve os dois golos. Por mero acaso, o treinador português, Fernando Santos, sempre disse que num jogo a única coisa que vale é vencer. Bonito ou feio, artístico ou peado, o que vale á a vitória. Bom seria que os órfãos da selecção do “melhor do mundo e mais dez” se lembrassem disso e do que isso significa em termos de espectáculo desportivo. Ter sido campão da Europa (aliás um bambúrrio...) tem tanta importância como “os sinos da velha Goa e os canhões de Diu” expressão muito em voga no tempo da glórias e desventuras coloniais.
O senhor Primeiro Ministro e mais alguns ajudantes foi prometer iniciar as obras de requalificação do IP 3 (Coimbra Viseu). A ver vamos.
Entretanto, o que se viu foi a imagem das bordas da via atafulhadas de mato. Perguntado por isso, por esse convite ao fogo, o senhor presidente das Estradas de Portugal, escafedeu-se sem vergonha sem dizer água vai. Não percebo como é que ao menos um jornalista não o tenha perseguido sem descanso até a criatura reagir. Fica-nos da televisão a sua postura patética e pateta. Este cavalheiro é pago com os nossos impostos. Tem obrigatoriamente de responder.
A Dívida Pública (com letra grande e tudo) aumentou. É a mais alta de sempre. Aumentou tanto ou mais do que os protestos dos senhores professores, dos corpos constituídos da funçanata pública, dos avisos do BE e do PCP que mesmo perante esta evidência teimam em exigir mais dinheiro e para já, ao mesmo tempo que, inconstitucionalmente (repito, inconstitucionalmente) votam sobre o imposto sobre combustíveis sem perceberem que isso, aliás as consequências disso, é ”diminuir a receita do Estado” consagrada no Orçamento. É para isto que aquela gentinha se reúne no Parlamento?
* a gravura: máscara Fang tipo "jano"