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Incursões

Instância de Retemperação.

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homem ao mar 24

d'oliveira, 07.05.21

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Liberdade vigiada 3

O brilharete da Sr.ª Ministra

mcr, 7 de Maio

 

A Sr.ª Ministra da Modernização Administrativa veio anunciar com o espavento que é habitual a criação de uma residência pra estudantes folhos de funcionários públicos. Como o tema é sensível, dada a enorme falta de residências para estudantes, a Sr.ª Ministra teve o cuidado, o ingénuo cuidado, de avisar que tal benefício se aplicava apenas a estudantes com residência habitual a mais de cem quilómetros de Lisboa e apenas aos provenientes de agregados familiares abaixo de um certo patamar.

As associações de estudantes foram unânimes em criticar a medida e muito boa gente de variados quadrantes partidários fez o mesmo. Pelos vistos, e bem, acharam que ser filho de funcionário público não é critério de escolha. Mesmo se o dito funcionário pertence aos quadros mais baixos da AP e vive longe de Lisboa.

De facto, a coisa não tem pés nem cabeça e poderia ter terminado aí a história.

Porém, pelos vistos, a Sr.ª Ministra da (alegada) modernização Administrativa, é mulher combativa. E veio a terreiro explicar um par de coisas que, francamente, não parecem saídas do que se espera ser a cabecinha pensadora, duma pessoa com atribuições ministeriais.

Em primeiro lugar, S.ª Ex.ª confessou-se surpreendida pela reacção das AA EE.  Nunca lhe tinha passado pela cabeça (sic) que uma sua proposta tão cândida, tão progressista, tão simpática, fosse desencadear  o coro de críticas que se ouviu.

Depois, sempre naquele melífluo tom pedagógico que usa, veio revelar que a casa destinada a albergar a residência estudantil pertencia a uns serviços sociais de um qualquer ministério o que, sempre segundo a sua bizarra óptica, tornava impensável o seu uso por criaturas fora do privilegiado universo da Administração Pública. A casa é nossa e fazemos dela o que nos der na gana tanto mais que não pode sair da órbita dos serviços sociais.

Esta ideia é, além do mais, curiosa: havia uma casa, e muitas seguramente existirão, pertença do Estado através de uns “serviços sociais” que estava (há anos...) vaga e sem uso. A Sr.ª Ministra nem pensou que, eventualmente, a poderia desafectar e juntá-la à propagandeada rede de casas, também do Estado, que estarão (?) a ser preparadas para a tão falada rede de residências universitárias. Pelos vistos, até há quartéis e instalações hospitalares que poderão integrar, depois de obras, tal rede. Qual é a especial protecção que uma casa sem uso de uns serviços sociais para não poder ser reconvertida em residência de estudantes.

Eu desconheço, e provavelmente, a Sr.ª Ministra também, que critérios se irão considerar para admitir estudantes nas tais futuras residências. Presume-se que o primeiro critério será o de os familiares do candidato não residiram na cidade universitária nem nos seus arredores. Depois, as coisas complicam-se: dever-se-á antepor o “mérito” traduzido nas classificações obtidas pelo candidato durante o seu percurso académico ou a situação económica do agregado. . Mesmo que a escolha recaia no segundo critério, julgo que o mérito de um estudante terá de ser recompensado (por bolsa de estudos por exemplo, e bolsa decente, já agora) Ou então haverá critério misto, enfim qualquer coisa. Qualquer coisa excepto o emprego paterno ou materno, sobretudo o facto de pertencer à função pública.

Não vou dizer que a FP é altamente privilegiada e paga. Não é. Todavia, o simples facto de um funcionário público estar praticamente blindado contra o desemprego, já é um factor importante e determinante para alguém escolher seguir a carreira de funcionário público. Além disso, mesmo se os salários não são especialmente famosos, a verdade é que, no privado, as coisas são ainda menos interessantes para a grande maioria dos assalariados.

Desde há muito que a ambição de muito português de fracos recursos é arranjar um emprego no Estado. Para ele ou para os filhos. A reduzida classe média deste país constituiu-se  a partir da função pública. E não foi apenas cá. Em muitos países da Europa o funcionariato foi o elevador social possível. Provavelmente ainda o será, em boa medida.

Foi isto que “esqueceu” à Sr.ª Ministra. É isto que convém dizer-lhe uma e outra vez, até ela perceber.

E já agora, que está com a mão na massa, talvez fosse bom reflectir no que representa hoje a existência de “serviços sociais” (que são gratuitos)  e se isso não representa mais um pequeno mas significativo factor de desigualdade entre o sector público e o universo privado.