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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

homem ao mar 25

d'oliveira, 08.05.21

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Liberdade vigiada 4

O elefante no meio da sala

mcr, 8 de Maio

 

Eu não sei a que santo me votar. Será que pedir bom senso a um ministro é pedir muito? Pelos vistos, e no caso do sr. dr. Eduardo Cabrita, a pergunta, mais do que legítima, acaba por ser retórica. Aqui está um cavalheiro com sessenta anos de idade que parece ter ultrapassado o prazo de validade! 

Eu não vou questionar o amor desenfreado do Ministro pelos emigrantes. Já o tinha provado abundantemente no caso do ucraniano assassinado nas instalações do SEF. A dor de S.ª Ex.ª foi, nesse caso,  de tal modo intensa que ele nem conseguia bulir. Paralisado! Toda a gente, ou muita, pelo menos, a gritar e a pobre criatura, fechada como uma ostra  e calada com uma pescada congelada! Tal comovente atitude foi mal recebida pelos familiares do morto que, pura e simplesmente, recusaram receber a carta de pêsames que, ao fim de largos meses, S.ª Ex.ª penosamente escreveu. Ingratos! Mal educados! 

Num país, mediamente civilizado, por exemplo o Bangladesh (construção indiana contra o Paquistão), esta ausência ministerial teria sido punida com a imediata demissão do ministro mesmo se, como se suspeita, ele apenas estivesse alheado, confundido,  atordoado, pelo caso. 

Em Portugal, país de brandos costumes, o homem continuou ao leme da governação, felizmente livre de quaisquer acusações de inoperância gritante e culposa. 

Desta feita, e sempre com emigrantes (já é azar!) eis que S.ª Ex.ª enche o peito, engrossa a voz e promete varrer tudo a marmeleiro. Como o Joãozinho das Perdizes, feliz criação de Júlio Dinis... Ai querem guerra? Aqui vai disto, Evaristo! 

Primeiro, e pelos vistos, S.ª Ex.ª desconhecia que havia gente miseravelmente instalada em Odemira. Se é que sabia que lá havia alguém. Aliás, se é que sabia que há um concelho no sudoeste alentejano chamado Odemira. 

Ai uma terra com o nome de um trio de música popular? Ai que giro! 

As criaturas vindas dos confins do mundo para trabalhar nas estufas, estavam infamemente alojadas? Pis requisite-se uma coisa chamada Zmar e meta-se lá a malta. Requisite-se tudo e depois logo se vê. 

Desgraçadamente, o Zmar além de uma hotel ou algo de mesmo teor, falido, é também um conjunto de segundas habitações de classe média alta. E esses edifícios são propriedade privada! Eu sei que é difícil distinguir entre algo que está falido e se pode perfeitamente ver e um grupo de casas desmontáveis de madeira que, pelos vistos até tinham gente dentro. E gente que conhece os seus direitos e que ficou notoriamente inquieta perante a ameaça clara e pública de requisição. 

Requisição essa desnecessária pois as pessoas a alojar (pelos vistos cerca de meia centena) cabiam todos no edificado falido que, aliás, permitiria alojar muitas mais. 

Os proprietários das casas (mas não do terreno onde estas estão implantadas -uma originalidade herdada de mais uma aventura dos tempos de Sócrates, convém dizê-lo...- não não foram ouvidos ((como é costume)) mas nem sequer alguém lhes explicou que os seus direitos não estavam ameaçados ((como também é hábito)). 

Vai daí interpuseram uma providência cautelar que já foi aceite pelo Tribunal, prova que a coisa tal como se estava a passar não tinha perninhas para andar desembaraçadamente. 

Mas há mais, mais estúpido, para não dizer mais ameaçador para as famosas liberdades de que um Ministro da Administração deveria ser garante.

A chegada dos emigrantes desenrolou-se de madrugada (que é que isto me faz lembrar, mcr, alguma vez soubeste de acções policiais a essa insólita hora? Pois, já que perguntas, sempre te direi que no ano seguinte ao do nascimento do cidadão Cabrita, no mesmo mês de Maio e quase no mesmo dia, fui com mais trinta e oito estouvados rapazolas, metido num autocarro e à mesma hora destes eventos actuais transportado para Caxias, sempre o litoral!, entre polícias de choque armados até aos mal tratados dentes. E uma vez chegado a essa remansosa mansão lá nos instalaram numas casamatas infames. Não éramos estrangeiros, não éramos emigrantes mas apenas miudagem estudante de Coimbra, a dos doces e lavados ares. Ou seja, ele há hábitos de evitar a crua luz do dia que se mantém. Em boa verdade se calhar os que por aí uivam “fascismo nunca mais”, significando com isso que o perigo existe, poderão ter razão. Pelos menos quanto aos meios!) 

Portanto à fraca luz das estrelinhas que o guiem, eis que entre hostes policiais, cães treinados para atacar quem desobedeça ou simplesmente levante a grimpa, homens fortemente armados, conduziram, manu militari, quarenta e tal aflitos emigrantes, crianças e mulheres incluídas, para as instalações do ZMar. 

Disto, desta trapalhada que envergonha qualquer um, houve claro está um par de testemunhas que de telemóvel em riste filmaram tudo.

Pois nem mesmo assim, com o escândalo a engrossar, o Ministro teve um momento de lucidez. Fez novamente peito que, neste momento, terá encolhido, para justificar o injustificável e desafiar a opinião pública ou parte dela. 

Agora, outra vez, pela calada da noite, os desgraçados emigrantes irão novamente ser removidos para parte incerta. Desta vez, S.ª Ex.ª pode ter a certeza que estará lá uma multidão de jornalista, fotógrafos, curiosos. Eu nem sequer vou pensar no que pensarão os tristes que nisto tudo servem de joguetes.

Nem vou pensar no que, para estes trabalhadores humildes, que não falam português que eventualmente apenas arranham o inglês, isto significa. Longe dos sítios que conhecem, longe do local de trabalho quem é que lhes paga a miserável jorna? 

Ora aqui está como uma cimeira europeia se deslustra noticiada a meias com um amontoado de parvoejadas, de iniquidades, de desrespeito pela lei.

Claro que o Ministro irá continuar a sua brilhante carreira. Em equipa que ganha não se toca! 

Mesmo se alguém, pelo facto simples de ser português, se envergonha.  Mas isso passa que estão para chegar os ingleses e a vacinação, pelo menos essa, onde Cabrita felizmente não interfere, avança a todo o vapor graças à acção discreta e eficaz de um vice almirante que salvou do naufrágio uma acção que corria o risco de ir a pique pela mão desastrada e incompetente de um desses old boys de longo curso que infestam a governação e arredores. 

Entretanto, a opinião pública pergunta-se se os gananciosos proprietários de casas alugadas  terão, por exemplo, declarado as rendas recebidas, se as “mafias” transportadoras de emigrantes estão sequer a ser decentemente investigadas, se no terreno há meios suficientes de pessoal de investigação, etc., etc. 

(nota final: ao contrário do que o Ministro afirma, o Estado não é o principal nem o maior credor do ZMar. Até nisto há inépcia se é que não há má fé, ou difusão de “fake news”.) 

(segunda nota final: diz-se que em Odemira há cerca de 15000 emigrantes. Pergunta-se: só meia centena precisava de alojamento? Qual a percentagem de infectados há? 1%, 5%, mais?)

Nos proximos dias: cenas de uma história triste, que existe  e de uma criaturaatabalhoada, prepotente e incompetentes que persiste.

 

 

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