Homem ao mar 43
Liberdade vigiada 21
Paisagem depois da batalha
mcr, 24 de maio de 21
“Em quatro meses foram identificados 129 lares ilegais e encerrados 31”, eis o título principal de 1ª página do “Público”. Só depois há a fotografia da vitória do Braga e a notícia de um programa de testagem em massa para a zona de Lisboa.
Interessam-me o primeiro e o último destes itens porque dizem muito de um Portugal fiel a si próprio que, depois de roubado p-põe trancas à porta.
Os lares ilegais são uma verdade conhecida desde há muitos anos. Razões não faltam, aliás. em primeiro lugar há poucos lares para uma cada vez maior procura, mesmo contando com a rede de lares das Misericórdias onde sucedeu o que se sabe.
Não vou, à cabeça, condenar estes lares ou as suas direcções mesmo se julgue que a imprudência foi e é uma constante. Ninguém estava preparado, ninguém foi convenientemente bem informado e a intervenção do Estado foi tardia já a procissão ia no adro, De todo o modo, sem as Misericórdias, as coisas seriam bem mais dramáticas. Não sei exactamente quantos lares destes há ms andarão pelas centenas, largas centenas. Ao longo dos últimos 20/30 anos houve um enorme esforço das instituições e da sociedade civil no sentido de criar ou remodelar lares de modo a torna-los um pouco (ou bastante, consoante) confortáveis. Em boa verdade, todos auferem de ajudas estatais mesmo se, com o correr dos anos elas sejam cada vez menos importantes na economia destas instituições. Aumentou extraordinariamente o número de pessoas a necessitar destes estabelecimentos, as suas reformas são no mínimo miseráveis e as despesas aumentam. Por mais ajudas que recebam da sociedade civil, a verdade é que não são suficientes.
Tive, profissionalmente a experiência directa de intervenção num lar com instalações de excelente qualidade, amplos espaços exteriores e numerosas ajudas externas, sem falar nas do Estado. Todavia, as duas pessoas que me ajudaram na tarefa de recuperar esse lar, cedo verificaram que sem a ajuda do Banco Alimentar (abençoado seja!) as coisas não singrariam.
Diga-se que, num ápice esse lar, intervencionado pela Segurança Social, com o apoio do Tribunal local e do Bispado, ficou com a lotação completa e uma lista de espera do tamanho da légua da Póvoa.
O envelhecimento acelerado da população, a impossibilidade de numerosas famílias poderem, com um mínimo de dignidade, apoiar em casa os seus familiares mais velhos, mais doentes, mais dependentes, fez disparar a procura.
Do lado do sector privado surgiram duas respostas qualitativa e quantitativamente diferentes. De um lado, lares “de luxo”, bem organizados, com pessoal à altura, nas cidades, que porém pedem mensalidades fora do alcance da gigantesca maioria da população. Tomei conhecimento disso, quando a minha Mãe resolveu, sem dar cavaco a ninguém, procurar um lar. Os preços eram desmedidos mesmo se ela os pudesse pagar. Todavia, e já lá vão vinte anos, ela lá se convenceu a permanecer em sua casa, com pessoal suficiente e a constante presença do meu irmão. Está bem, muito melhor do que em qualquer dessas mansões caríssimas e onde o seu espaço privativo seria muito menor. E a despesa é notoriamente inferior. E a liberdade que ela usufrui é absolutamente maior! Eu mesmo lhe disse que “só por cima do meu cadáver” é que ela iria para um lar pois a minha casa seria de certeza muito melhor abrigo. O mesmo aliás foi dito pelo meu irmão que diariamente vem lanchar e estar com ela durante um par de horas. E até à data, a excelente senhora, está no seu sítio e nele celebrará muito brevemente 99 cumpridas primaveras.
Todavia, o nosso exemplo, não é deve ser especialmente considerado. Somos uma família da classe média-alta, fortemente solidária e isso também conta.
O problema, como asseverava Sartre é “os outros”. E esses são dezenas de milhares, se não forem centenas. Faltam lares como faltam instituições de cuidados continuados. O problema será cada vez mais premente e as soluções tardam.
É por isso que surgem (surgiram) os lares ilegais. À uma abrem vagas, Muitas vezes essas vagas são mais baratas. Claro que as condições variam muito mas, genericamente, são piores (eu digo piores e “não menos boas”) do que os lares que a Segurança Social no final de uma maratona de exigências, nem sempre totalmente compreensíveis, autoriza ou valida.
Há de tudo neste ramo que, de qualquer forma, aaba por ser lucrativo. E é-o desde logo porque cada vez mais a sua localização aumenta em zonas interiores, menos fiscalizáveis, mais baratas quer no preço do aluguer das casas, quer nos salários pedidos pelo pessoal menos (ou nada) especializado que mobilizam.
A Segurança social investiga, fundamentalmente sob denúncia, e encerra o que pode. Mas nem sempre encerra porque, depois, fica com dezenas, centenas de idosos nos braços. E assim se vai entretecendo uma rede de clandestinidades, semi-clandestinidades, enfim de cedências em nome de uma falha maior do Estado. Este não protege os seus cidadãos mais idosos. As famílias também não: por falta de meios económicos ou, eventualmente, por egísmo. As casa não estão feitas, ou já não estão preparadas para famílias não nucleares. E os velhos exigem cuidados específicos e/ou especiais. Faltam cuidadores, falta uma política que os fiscalize, prepare e defenda. Falta tudo.
E, por isso vai continuar a florescer uma rede clandestina e ampla de lares ilegais. E por isso vai continuar a ser visível a fragilidade de milhares de cidadãos depositados em mortórios a aguardar que a morte, misericordiosamente, venha e os leve. À vista de todos, inclusive dos rapazinhos e rapariguinhas que ontem ou anteontem protestavam contra a poluição aérea, enquanto os mentores ficavam prudente e confortavelmente em casa.
Não consegui arranjar quem contra mim apostasse nesta coisa simplicíssima: eu afirmava que depois do protesto e da detenção de uma trintena de heroicos e vociferantes defensores do ar puro haveria a habitual queixa de maus tratos policiais. Ninguém aceitou arrisca cinquenta cêntimos na hipóteses contrária. Vê-se que neste campo, já toda a gente sabe do que a casa e a causa humanitária gastam em argumentário anti autoritário.
No que toca às festividades sportinguistas parece que, pressionada por todos os lados e pela evidência escandalosa, a DGS já aceita que algumas dezenas de infecções tenham surgido depois da vitória que demorou os 19 anos da história conhecida do clube. Eu arriscaria apostar outra vez que daqui a dias esses casos ultrapassarão a centena mas como de costume ninguém quererá apostar. E depois, ninguém, dentre os responsáveis quererá corroborar o o que as mais simples suspeitas começam a revelar.
E já agora: ontem a televisão mostrou imagens do Bairro Alto e do Miradouro de S Pedro de Alcântara povoados por uma multidão de turistas e de nacionais sem máscara e em alegre convívio. Eu não posso andar sem máscara pela rua que logo serei interpelado por um prestimosos agente policial. Ali, polícias municipais e da PSP deambulavam por entre os desmascarados sem dizer água vai...
Arre!