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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

homem ao mar 65

d'oliveira, 18.06.21

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Liberdade vigiada 45

“o país da minha tia?”

mcr, 18 de Junho

 

Os generosos leitores que me aturam com evangélica paciência perdoarão que, uma vez mais, me socorra de Alexandre O’ Neil, poeta da minha especial devoção (com mais dois ou três nutridos quarteirões de colegas  rimadores...) desde a minha perdida “juventude, divino tesoro” (Rúben Dario, outra descoberta desses anos de vinho e rosas e aventuras perigosas).

De facto O’Neil termina este verso (sem ponto de interrogação) da seguinte maneira: trémulo de bondade e aletria”

Ora eu agarrei na 1ª parte e dei-lhe forma interrogativa pela simples e tristíssima razão de que num inquérito feito à escala da União Europeia, os portugueses ficaram com a fama de serem adeptos de poderes fortes, digamos autocráticos, numa escala horrenda de mais de 80%!

Eu, como os mais críticos recordarão, e de dedo espetado, venho por aqui dizendo que o dr. Salazar pode estar enterrado mas não olvidado. Direi mesmo  que o cavalheiro de Santa Comba está em vias de beatificação política.

Passa-se com ele o que se passou com esse horrível rei que foi Pedro o cruel, dito o justiceiro, criatura de maus fígados que algum povo  exaltou depois dele ter azorragado um bispo e supliciado um par de fidalgos. Outro do mesmo jaez, o sr. Marquês de Pombal  que tratou adversários reais ou supostos com extrema crueldade e desprezo. Depois de fortalecer os podere do rei, de se engrandecer de forma extraordinária, de meter nas cadeias uns milhares de súbditos, caiu grças à morte do Rei , no que se chamou a “viradeira”. O defensor do absolutismo foi esquecido durante cem anos e reabilitado pelos republicanos que provavelmente o admiravam por ter expulsado os jesuítas. Note-se que não esqueço a obra feita mas considero imperdoável muitos dos seus métodos.

O dr. Salazar, sacristão laico e melífluo, não teve a mesma gulodice de riquezas que o finado marquês. Mas converteu o poder num exercício solitário, tratou o país como se fora uma herdade e os portugueses como ganhões. Com muitas avé marias, safanões dados a tempo e um olímpico desprezo pelas multidões numca teve oposição capaz e só uma cadeira velh e traiçoeira o venceu. Os seus últimos meses foram uma encenação ridícula, fúnebre, grotesca,  uma tragicomédia desconhecida dos cidadãos: umas dúzias de áulicos movimentavam-se à sua volta como se ele ainda mandasse. Tudo com a aprovação do sr Marcello Caetano e do Presidente da República de então, outra caricatura de político e de marinheiro.

Cinquenta anos depois, mais dia menos dia, eis que a Democracia vigente se vê confrontada com esta imensa, ameaçadora saudade de um Chefe.

“Haja quem mande”, parece ser o slogan silencioso que abafa todos os outros. Os portugueses precisam de um Fuhrer manso e cheio de pai-nossos, de um avô à moda de Petain, de um Salazar remoçado de ténis em vez de botas de carneira-

Assim se explica que nem sequer  voto quadrienal seja algo queo mobilize especialmente, que os partidos sejam agrupamentos em que também imperam os homens fortes ou, em casos também conhecidos, uma espécie de reinos de taifas que se agridem com os inimigos à porta da cidade.

As carreiras políticas iniciam-se nos cursillos de juventude, passam pelas antecâmaras ministeriais, pelas assessorias políticas, e os candidatos ao parlamento são, à cautela, eleitos em magote, sem que os cidadãos possam escolher entre eles. Uma vez eleitos estes pais da pátria sentam-se obedientemente no hemiciclo e levantam ou baixam o cú à ordem dos pequenos chefes de bancada. E ai de quem murmure... Desgraçado o que protesta e defenestrado o que vem a público defender ideias contrárias à linha do partido.

O poder exerce-se em círculos concêntricos, em alianças esporádicas de amigos, nomeando para cargos repolhudos os que por qualquer razão não podem sentar à mesa do Conselho de Ministros.

Veja-se, como exemplo simples, o caso da amantíssima esposa do competentíssimo ministro Cabrita. Depois de se entender que nos cargos ministeriais não cabiam familiares, a senhora foi despedida que, por enquanto isto de escolher quem fica ainda não está dentro das linhas da política de igualdade de género. Durou  pouco o seu degredo: vai agora presidir a uma alegadamente independente Autoridade da Mobilidade.

A mesma criatura que encerou vários troços de linhas de caminho de ferro, sempre prometendo que seriam  renovadas, coisa que nunca ocorreu, vai de novo zelar entre outras coisas pelo bom estado da ferrovia!  Com sorte aceitará o fecho da linha do Oeste, que de resto quase não funciona e de mais um par de ligações que não rendam votos. O Ministro que a nomeou entende que uma importante personalidade do PS, sempre com tarefas políticas em nome do PS, é suficientemente independente para vigiar a acção governativa do PS...

“Haja quem mande!” resmungarão os órfãos do poder forte e viril. E isso terá eco nos restantes ouvintes também eles saudosos dos bons velhos tempos, da ordem, da dignidade da pobreza ignorante e simples, da “casa portuguesa, pão e vinho sobre a mesa” etc., etc..

Como diz a cantiga: “é uma casa portuguesa com certeza”!

 

*a vinheta caricatura de Nuno Castela Canilho.  Homem de Igreja, Salazar, nem a a ela consentiu tudo.

A imagem relembra-me o episódio da explosão da bomba quando o ditador ia para a missa em casa de um amigo. São e salvo, sacudiu o pó do fato e rumou à missa sem que nada traísse o seu estado de espírito. O homem tinha sangue frio para dar e vender e não era timorato. duas qualidades que exacerbaram a sua meticulosa construção de um país fechado, pobre e fora do mundo contemporãneo. E a imagem pia e solene do poder de um homem só. 

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