Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

homem ao mar 93

d'oliveira, 21.07.21

Digitalização.jpeg

Liberdade vigiada 82

A caminho de Lisboa

mcr, 21 de Julho

 

Recomeço amanhã as idas a Lisboa que, durante anos, eram mensais e sempre em finais do mês. Desta feita, trata-se de uma ocasião especial. A minha Mãe faz, aliás perfaz, 99 anos. Ou seja no próximo domingo estará a navegar pelo seu 1º centenário, o que, apesar de tudo, merece ser celebrado.

Todavia, o tempo, esta incerteza constante em que vivemos desde há ano e meio, torna a efeméride um tanto ou quanto discreta. Em primeiro lugar, boa parte dos familiares sobrevivos não poderá festejar porque as regras em vigor e a prudência aconselham que as pessoas se limitem ao telefone. Depois, em volta da futura centenária são mais, muitos mais, os desaparecidos que os vivos, o que é natural. Mesmo assim, ainda se contam dois irmão e duas cunhadas viúvas, tudo gente na roda dos noventa e tal!

Eu ainda tive a sorte de conhecer uma bisavó e, se não erro, teria cerca de dez anos à morte de uma trisavó. Tudo gente da banda materna, vê-se que eram de boa cepa, tanto mais que, chegaram à extrema velhice sempre lúcidos e curiosos.

A  “old lady” continua, também ela, curiosa, interessada, com uma memória invejável que se já não é a dos primeiros anos dos noventa ainda tem muito que contar. O que não funciona são os olhos, pois a excelente senhora, deixou-se afectar pela mesma doença de que sofro, degenerescência macular, e quando, finalmente concluiu que a lupa enorme que eu lhe oferecera já era de pouco préstimo, foi ao oftalmologista que lhe propôs o tratamento que agora sigo: injecções nos olhos. A boa senhor entendeu que isso era demasiado, tanto mais qye uma amiga, um pouco mais nova, lhe disse que a coisa não funcionava. Eu suponho que essa amiga nunca entendeu que este tipo de tratamento não conduz a melhoras mas apenas tenta evitar que as coisas piorem.

De modo que uma leitora curiosa e atenta deixou totalmente de ler, não tem grande (nem pequeno!...) refúgio na televisão e agora ouve apenas o rádio, o que apesar de tudo, e pelo que ela todas as manhãs me anuncia, ainda lhe permite um contacto razoável com o mundo. É que também está surda o que torna os nossos telefonemas um tanto ou quanto erráticos. Frente a frente ainda controla bem uma conversa mas ao telefone a coisa plissa e ela finge que ouve mas nota-se que há palavras ou frases que lhe escapam.

Todavia, ainda vive sozinha, mesmo se de há anos a esta parte já tenha por precaução uma empregada para dormir lá em casa! Mas ainda não está, mesmo se já é paga como tal, instalada. Vem cedo, faz o almoço, compras, dá uma volta à casa e desanda ainda a tarde tem muito para andar. Entretanto o meu mais que excelente irmão chega, pela hora do lanche e durante um par de horas lá vão trocando impressões sobre isto e aquilo.

A mim o que me admira mais, é o facto da antepassada ainda querer fazer tudo em casa. Tudo, não exactamente, mas é ela que trata das louças do pequeno almoço e do jantar, que prepara as coisas para a sopa e por vezes é ela quem cozinha os seus pratos favoritos, cada vez mais simples. E ciranda pela casa com a vaga ideia de limpar o pó (que já não vê, de regar as flores afogando-as por vezes).Ou seja, e por outras palavras mantem uma notável independência.

Claro que já não quer sair de casa, logo ela que não hesitava em fazer uma surtida às sardinhas assadas, ao cozido à portuguesa, ao restaurante chinês, para não falar das animadas partidas de canasta com um grupo de amigas todas mais ou menos contemporâneas. Essa actividade de “bater a cartolina” no pitoresco dizer de um amigo meu, só acabou por via dos olhos, mas ela, corajosa ou resignada, ou ambas as coisas ao mesmo tempo, não se queixa. Da falta de livros e revistas, sim. Sobretudo destas. Os livros já a cansavam o que é compreensível: aqueles olhos já tinham muitos anos em cima deles, a lupa pesava-lhe.  Portanto jornais e revistas, artigos curtos que permitem pausas para descanso, muito bem e preencheram os  seus últimos anos de leitura. Quer eu quer o meu irmão inundávamos-lhe a casa de jornais, suplementos de toda a ordem, revistas e a boa senhora passava tudo a pente fino fosse o Público, o Expresso a Visão o El País ou o JL  

Agora somos nós que lhe sumariamos um que outro artigo que depois ela comenta com bom senso e humor.

Como a CG faz parte da viagem pois, também ela, tem quase toda a família em Lisboa e arredores, já estou a antever as longuíssimas conversas que seguramente terão, mesmo sendo ambas surdas!

Entretanto, aproveitarei, estes dias para visitar os meus amigos alfarrabistas que bem devem sentir a minha longa ausência (desde finais de Agosto) e a feira da rua Anchieta se é que não foi suspensa dada a situação.

E já que refiro estes salvadores de livros, aproveito para avisar que há pelo menos dois livros a sair nestes dias que talvez valham a pena. Um, de Valentim Alexandre sobre a guerra de África: “Os desastres da guerra – Portugal e as revoltas de Angola(1961: Janeiro a Abril) edição da “Temas & Debates; outro que também me despertou muita curiosidade, “Incorrigível” de Prostes da Fonseca, uma biografia de Carlos Rates, primeiro secretário geral do PC, mais tarde passado às fileiras do Estado Novo.

Como é sabido, o PC nunca foi exactamente um partido que ilumina os pontos mais obscuros da sua história. Aliás, as “Histórias” do partido são de uma confrangedora pobreza e simultaneamente pouco ultrapassam a piedosa hagiografia. Rates, mesmo desavindo e legitimamente expulso, merece que se saiba dele. O mesmo sucedeu a outros dirigentes ou militantes de relevo. sobre Pavel só há um livro de Edmundo Pedro (Um homem não se apaga) Não me recordo de nada de completo sobre Júlio Fogaça e há uma série de dirigentes imediatamente anteriores A Cunhal que também permanecem na mais absoluta obscuridade (Cansado Gonçalves, por exemplo).

Uma jornalista que conheci e que andava a fazer uma pesquisa sobre uma série de episódios da vida comunista antes de Abril queixava-se de que os velhos militantes se deixavam morrer sem escrever uma dúzia de páginas sobre a sua actividade revolucionária. E, ela, filha de militantes relembrou histórias da sua infância em que se destacavam vivos, generosos e combativos, militantes mais ou menos anónimos que tinham participado em aventuras às vezes surpreendentes. Disso, desse caudal de pequenos grandes gestos nada, ou quase, resta. Nuns casos por modéstia, noutros, a maioria por uma estratégia obsoleta de segredo e clandestinidade mal entendida.

Bem aventurado seja José Pacheco Pereira que na sua monumental biografia política de Cunhal (que também se arrasta desde 1999 e ainda terá provavelmente mais dois volumes, a acrescentar aos quatro publicados – o último volume data de 2015! O que me faz perder a esperança de ler toda a obra que presumivelmente só terminará daqui a dez anos.) vai narrando a vida do partido, da oposição e mesmo do país. Consta que no fim da sua vida, Cunhal terá declarado que JPP “sabia mais da sua vida que ele próprio”, o que prova que leu ou alguém lhe leu os volumes saídos até à data da sua morte.

Nas vinhetas: uma fotografia com uns bons setenta e sete anos e duas ou três prateleiras da estante por onde se acolhe a história recente de Portugal. distinguem-se com facilidade os livros de Pacheco Pereira; na estante superior deitados o livro sobre Pavel e outro de Francisco Miguel   Também aparecem livros sobre (e de) Francisco Martins Rodrigues, o movimento maoísta e, claro, sobre Salazar.

Os leitores desculparão o facto das fotografias estarem reproduzidas às três pancadas. Eu já não tenho conserto  mais ainda agora com os olhos em petição de miséria. 

thumbnail_IMG_0865.jpg

 

    

   

4 comentários

Comentar post