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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

liberdade vigiada 140

d'oliveira, 18.09.21

liberdade vigiada 140

O prestígio, ai!, o prestigio

mcr, 18 de Setembro

 

A Assembleia da República deixou passar a proposta da transferência do Tribunal Constitucional para Coimbra.

Nada mais lógico, visto o que começa igualmente a passar-se em vários países europeus. Ou que já se passava há muito. O Tribunal Constitucional alemão está em Karlsruhe desde sempre ou quase. Poderia dizer-se que isso é resultado da criação das duas Alemanhhas mas o argumento perdeu validade quando se operou a reunificação. E já lá vão uns anos largos. O Governo transferiu-se para a capital de sempre, Berlin, mas o TC ficou onde estava. Outros organismos importantes alemães também não estão em Berlin e, provavelmente, os seus funcionários congratulam-se com o facto. As capitais são caras, os transportes funcionam menos bem, há gente a mais e espaço a menos. Curiosamente tal não se passa em Berlin, cidade cujos limites foram fixados em finais de 800 princípios de 900 que, juntou ao Berlin mais antigo (que aliás não era uma cidade especialmente antiga)uma série de cidades pequenas, grandes domínios fundiários, florestas aldeias e vilas. O “Gross Berlin” ficou com essa marca e tirando o cento, aliás os centros que são pelo menos dois, há zonas extensas de floresta, praias fluviais, parques o que torna a vida muito mais agradável do que noutras capitais europeias.

Portanto, eis um exemplo de TC fora da capital, do parlamento, do governo. Será que os seus juízes são menos acatados por isso? De modo algum. O TC alemão goza de um prestígio e de um reconhecimento e conhecimento públicos que o nosso não tem. E provavelmente demorará muito a ter. 

O que me faz escrever este par de linhas é a frase contido no parecer que o Tribunal deu sobre a sua própria ida para Coimbra, cidade mãe das universidades, sede de uma das três ou quatro faculdades de Direito mais antigas do mundo. Sas Exas os juízes entendem que ir de Lisboa para Coimbra era um “desprestígio”.

Um desprestígio para o Tribunal e provavelmente um desprestígio para os seus efémeros ocupantes. Vá lá que ninguém se lembrou de transferir tão augusta instituição para a Porcalhota! Ou par Cu de Judas nos Açores, mesmo se para aí a coisa fosse pior, uma ilha é uma ilha, há vulcões por perto, ninguém percebe os açorianos e o respectivo anti-cuclone. 

Os senhores juízes, a maioria (que houve dois que votaram contra o parecer) até poderiam dizer que ir para uma terra a 200 quilómetros era uma chatice, teriam que alugar casa ou ir para o hotel para as sessões em que trabalham em conjunto que normalmente tudo se faz por e-mail. 

Eu, durante anos, fui a Lisboa de comboio e apanhva na viagem uma série de juízes do Supremo que lá iam para um dia ou dois de trabalho  que o resto, mesmo sem internet iam fazendo nas respectivas cidades. Isto há cinquenta anos. Agora com um computador (fornecido pelo Estado)nem sequer necessitam de ir mais do que uma vez. E mesmo essa serve especialmente para se ver as grandes notabilidades entrarem para a sala enroupadas num traje feínho, sentarem-se enquanto um lê o sumário da decisão, nem sequer o acórdão todo. Depois levantam-se saem pela mesma porta e já está.

Ao fim de nove anos, extenuados pelo intenso labor jurídico e cerebral estes senhores juízes vão para a reforma. Uma reforma redonda e agradável. Parece que também tem direito a viatura própria, vá lá saber-se porquê. No Estado português, um Estado pelintra há centenas ou milhares de carros de função. A maioria com motorista. Alguns, como se sabe tem acidentes tremendos e aparatosos, outros são apanhados a 200 à hora e há mesmo um cuja velocidade se desconhece até ao momento que matou um trabalhador numa auto-estrada alentejana. O acidente tem meses, e ainda não se sabe a velocidade! É obra! Aliás. e ao que parece, agentes da autoridade tentaram saber junto de familiares do morto em contramão se ele teria tendências suicidas!...

Portanto, um popó à  disposição. E não será uma viatura qualquer que o “prestígio” da função exige carro que se veja. 

Ficámos assim a saber que os cavalheiros que decidem da constitucionalidade entendem que há uma cidade, Lisboa e que o resto é mera paisagem. Uma chatice a que não se deve obrigar um senhor juiz a ir. Coimbra, quanto muito serve de passagem para um leitão à moda da Bairrada, ou uma chanfana à moda da Lousã.   

 Ou, vá lá, para um doutoramento honoris causa de uma das iluminárias que ornam o Tribunal. 

Eu, por acao, nasci na maternidade de Coimbra (que era uma bonita casa em frente do Jardim Botânico, sinto-me a 200% de Buarcos, vivo no Porto e nõ desdenhava um apartamento em Paris. Com a idade, até talvez prefira um bom hotel (qualquer 4 estrelas já me serve.). Também me sentiria bem em Roma, mas não no Verão, em Amsterdão m mas não no Inverno e em Berlin. Para isso tenho especiais aptidões falo as respectivas línguas (bem no holandês só seis quarenta palavras mas chegam. Descobri na Eslovénia, ainda com Tito no poder que neste pequeno país basta saber dizer bom dia, retrete – straniska- cerveja –pivo- e pouco mais. Portanto as minhas 50 palavras de holandês sobram. De resto eles falam inglês e alemão que os negócios assim o exigem.  

Também poderia aceitar viver na Provença, na costa tirrena, Portofino por exemplo mas nunca em riini. Por muito que goste de Fellini, Rimini está cheia de turistas nacionais, um horror. 

Eu actualmente não conheço pessoalmente nenhuma das eminentes individualidades do TC. Porém do que me tenho apercebido são pessoas normais, de vida normal, provinciana, não se lhes conhece nenhum rasgo de especial actividade artística ou meramente cultural, fora as  sebentas de Direito e isso diz tudo ou quase. 

Claro que compreendo que, saírem do mundo dos concertos em S Carlos, das”vernissages” de pintura, dos restaurantes de prestígio e uma estrela Michelin, é duro.

Mas não foi isso que os senhores juízes arguiram. Foi o “desprestígio”.

Eu, fazerem-me sair de casa para outra função foi coisa que nunca me agradou. Recusei dois cargos bem pagos em Lisboa por razões oblíquas, perdia as minhas noites de bridge, outras tantas de conversa com amigos e tinha de levar atrás de mim uma biblioteca que na altura já passava dos 5.000 volumes. Recusei, para espano dos meus convidantes. “V. gosta assim tanto de tripas?” Respondi que nunca comera tal coisa e que não ia começar, nem francesinhas, arroz de sarrabulho ou polvo de qualquer maneira. E mais, que nem sequer apreciava especialmente o Porto onde arribei por acaso, amor ardente, erros meus e pouca fortuna. 

Se me vem o euro-milhões talvez arranje um coté (ou uma suite num hotel que é mais prático) em Lisboa, não pelo prestígio mas pelos alfarrabistas e pelo par de amigos que lá me resta. E arranjarei, por aqui, uma casa com jardim e biblioteca onde caibam os 25000 volumes actuais e os que hão continuar a pingar. Com dinheiro há de haver alguém para me catalogar informaticamente a livralhada que aliás está toda identificada, fichada, e numerada. Um motorista e uma secretária para tudo o que me chateia.

A minha imaginação de ricaço dá para pouco mais. É que eu sou um provincial que adora desprestigiar-se, sobretudo se não tiver que encontrar juízes de nariz empinado. E menos ainda o que se sente, mesmo suspenso, acima do polícia que não lhe deu a justiceira xulipada que a ofensa pedia. 

E diria aos senhores juízes do TC A instituição prestigia-se ou não consoante a boa decisão sobre o que lhe é submetido. Pouco importa o sítio, o palácio  ou um rés do chão esquerdo traseiras para onde a sede da instituição pode ser transferida.