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Incursões

Instância de Retemperação.

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liberdade vigiada 141

d'oliveira, 19.09.21

 

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Liberdade vigiada 141

A biblioteca dividida

mcr, 19 de Setembro

 

 

Uma leitora escreve-me a criticar o meu gosto burguês amplamente exposto ontem um post onde eu dava destino a uns miríficos e inalcançáveis dinheiros do euro-milhões. Era a casa com jardim, a piscina, a biblioteca e o  rol de empregados.

E tinha razão. Tudo isto são aspirações que se enquadram lindamente num espírito burguês- Ia a dizer pequeno-burguês mas a biblioteca e o jardim já sugerem outro estatuto igualmente burguês mas a um nível bem mais alto.

Vá lá que eu não anunciei qualquer preferência por automóveis. Não  tenho, não me dá gozo conduzir, os tempos mais felizes do meu passado automobilista foram marcados pela presença amiga, profissional e constante do Sr. Pinho um motorista excepcional que conhecia os melhores restaurantes, era discretíssimo e lembrava-me sempre que saíamos para outra terra das secretárias e os doces regionais para lhes levar. E acertava sempre. Eu ficava com os louros mesmo quando protestava e acusava o motorista pela escolha. “de todo o modo foi o sr. doutro que pagou”, retorquia a D Adelaide, a mais velha e a mais gulosa.

Eu gosto de bicicletas e agora até tenho uma eléctrica mas confesso que, mesmo com ciclovias, é uma aventura andar pela cidade. Os automobilistas julgam-se os donos da rua e passam cada tangente ao desgraçado que pedala (“que pedalma”... O’Neil, dixit) que não se ganha para o susto.

O(ou a A) Secretário por que suspiro tirar-me-ia de cima a trabalheira de organizar ficheiros, ficheiros de tudo, desde os meus pobres textos até à livralhada e aos discos que também são em número assustador. E aos filmes que rondam os 900 e estão à espera de tempo para serem vistos.

Claro que está tudo competentemente fichado, provavelmente com duplicações e com falhas que eu, já o confessei, sou trapalhão. Todavia pôr tudo isto em computador, trazer comigo uma pen com toda a informação evitar-me-ia compras repetidas, sobretudo quando saio para a estranja. Como levo u computador seria fácil verificar, antes de comprar, se ja tenho o livro, o disco ou o dvd. Até agora quem ganha com as minhas distrações é um grupo de amigos a quem vou oferecendo o que está a mais.

Depois, a CG dá-me cabo do juízo pela invasão destemperada de todos os recantos da casa. Vivemos no que pode chamar-se um grande apartamento T5 e fora as casas de banho, a cozinha e o nosso quarto está tudo invadido por livros, quadros, máscaras africanas estantes de discos. Ela mesmo, suspirou melancolicamente que ter um espaço amplo e isolado apenas para a livralhada e os discos já seria algo de extraordinário. “E depois”, confidenciou-me, “ver os livros todos juntos deveria ser giro!”

Eu suspeito que isto foi dito para me entusiasmar e libertar a casa desta invasão esmagadora de papel. De todo o modo, acertou em cheio. Eu gostava de juntar tudo num espaço confortável para onde fugiria sempre que pudesse ou que corresse o risco de ser perturbado. Já a minha primeira sogra, secundada pela minha primeira mulher, motejava quando via o Jorge Delgado, um sogro mais pai e amigo que outra coisa, a mexer nos livros. “Lá está ele a brincar às bibliotecas!”

Tenho a certeza, pelo menos a esperança, que um(a) que outro/a leitor(a) entenderá esta amável e inocente mania.

Cá em casa, gasto muito do meu tempo na sala onde os livros são multidão e no escritório nº 2 de que seguem fotografias. Na primeira escrevo as crónicas, no segundo oiço música, vejo televisão (normalmente estrangeira com muitos noticiários, séries policiais e música do “mezzo”. Liberto assim a CG dessas maçadas e deixo-a tranquila a tricotar, fazer longos, longuíssimos telefonemas e ver algum programa que a ela interesse.

Portanto, leitora minha gentil, mesmo tendo bastante, muito mais do que eventualmente mereço, aquele meu desejo ontem expressado tem alguma razão de ser.

Finalmente o jardim: aqui seria o espaço da CG que gosta de mexer na terra. Para o infante Nuno Maria seria a piscina pois a criaturinha, que já nada e mergulha, está convencida que é uma foca ou qualquer outro mamífero marinho. Para o tirar do elemento líquido é um sarilho e só sai inteiramente roxo, a tiriar, os dentes como castanholas.

Por isso lá pratico semanalmente o meu pequeno culto às apostas do euro-milhões e do totoloto. Invisto pouco pois tenho a teoria de que não vale a pena atirar com caçadeira de chumbo grosso: se o destino quiser a fortuna virá de qualquer maneira.  O que sobrar vai para quem precisa, para os familiares, para meia dúzia de coisas que merecem ajuda, doenças raras, Alzheimer e coisas do mesmo género que não matam mas transformam a vida das pessoas num inferno. E numa permanente humilhação...Antes o cancro rápido e mortal do que aquele definhar contínuo, lento e infame.

Os meus dois avós são um exemplo do que digo. Nascidos no mesmo ano, um, o avô Manuel foi-se, aos sessenta com um cancro do pulmão tremendo. O avô Alcino sobreviveu-lhe mais de trita anos. Mas nos últimos quinze o Parkinson reduziu-o a uma caricatura. Atacou-lhe a voz, os movimentos, reduziu-o a uma pobre criatura sempre de pijama que precisava, logo ele tão orgulhoso e tão antiquado, de ser levado à casa de banho, de ser lavado, numa época em que ainda não havia fraldas. Um desastre que ele sentia e de que todos nós sofríamos alguma consequência.

Uns milhões de euros poderiam não ser suficientes mas que ajudavam, ajudavam. E eu não quero levar o cacau para a tumba. Podem crer.

Mas assumo o “burguês” que como dizia Cesariny “burgueses somos nós todos ou ainda menos”. E aqui incluo alguns mitos revolucionários que e proletários nada tinham, bem pelo contrário. Nem vale a pena citar nomes, pois não?

*na vinheta o escritório 2, meu refúgio das noirtes . O resto é uma janela larga com estantes por baixo e a comunicação para o corredor (onde há mais estantes, claro...)

Estão por aqui os livros sobre Africa, Expansão Portuguesa, Cinema, Música, Surrealismo,  Japão e arte japonesa, China. idem, Veneza e ciddes Italianas, Berlin  e cidades europeias excepto Paris   . E vários classicos do erotismo apropriadamente vizinhos do surrealismo