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Incursões

Instância de Retemperação.

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O futuro dos ex-primeiros-ministros

José Carlos Pereira, 07.03.18

notícia de que Pedro Passos Coelho vai ser professor catedrático convidado do ISCSP na área da administração pública mereceu os mais variados comentários, sobre as suas competências, as qualificações académicas, o privilégio concedido, a qualidade do ensino universitário, as suas ideias políticas, a sua governação, etc. Nada de estranhar nestes tempos que correm, em que tudo é aceleradamente comentado nas redes sociais e nas páginas de comentários dos jornais.

O que é certo é que a lei dá cobertura a situações destas, permitindo os convites a personalidades que não tenham efectuado o percurso académico normal, mas que disponham de experiência profissional ou outros atributos relevantes para a respectiva área de ensino. Foi isso, certamente, que foi ponderado e avaliado pelos órgãos próprios deste conceituado instituto da Universidade de Lisboa, curiosamente hoje em dia liderado por um professor que Passos Coelho escolheu para deputado em 2011.

Contudo, este caso que envolve Pedro Passos Coelho levanta uma questão recorrente: o que devemos esperar que suceda aos primeiros-ministros que cessam funções? Com efeito, se por acaso esses governantes não têm uma carreira académica ou outra integrada na administração pública, o seu futuro depois de passarem pela política não está acautelado, ao contrário do que sucede com os presidentes da República, que ficam com direito a um gabinete e a uma pequena estrutura de apoio. Deveria o país estabelecer um regime especial para os primeiros-ministros que cessem funções, salvaguardada a condição, por exemplo, de terem cumprido uma legislatura inteira? Preferiremos que um ex-primeiro-ministro se envolva em negócios potencialmente conflituantes com a sua anterior acção governativa ou se dedique ao lobby empresarial?

Se olharmos para trás, para os primeiros-ministros que cumpriram pelo menos um mandato completo, vemos que Cavaco Silva retomou a carreira académica até se candidatar a presidente da República, António Guterres recuperou o seu vínculo laboral com a holding estatal IPE – Investimentos e Participações Empresariais até tomar em mãos o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e José Sócrates enveredou por uma carreira de consultor num grupo internacional da área da saúde. Pedro Passos Coelho prepara-se para encetar agora uma carreira no ensino superior, mas o que se diria se fosse servir um qualquer grupo empresarial?

É natural que quando alguém deixa o exercício do poder em idade activa tenha de continuar a trabalhar e a fazer pela vida. No entanto, se queremos ser rigorosos no regime de incompatibilidades, se não pretendemos ver os nossos ex-governantes na teia dos lobbies empresariais, talvez seja preferível encarar seriamente a possibilidade de estabelecer um regime de retaguarda para os antigos primeiros-ministros que dele necessitem do que ficar a perorar contra aqueles que se dedicam a lobbies ou outros interesses espúrios ou que beneficiam de tratamento privilegiado desta ou daquela instituição.