o leitor (im)penitente 200
Livros, alfarrabistas & otras fantasias 6
Outro canto e outras armas
Em 1940, em plenas comemorações dos “Centenários”, um brioso militar, capitão de seu estado e Joaquim António Pereira, de seu nome, entendeu juntar a sua bélica voz ao clamor patriótico e artístico que varria o país. Vai daí, ajudado por musas parentes longínquas das Tágides camoneanas, deu ao prelo um livro que intitulou “Grandezas de Portugal” com o subtítulo “história, pátria, verso”.
Em 310 quadras, 23 oitavas, 1 sextilha e uma décima, ofereceu toda a história de Portugal desde Afonso Henriques (Em mil cento e trinta e nove,/foi fundado Portugal./Sendo dádiva de Jove,/criamos a capital)até ao Marechal Carmona (Temos general Carmona,/ é alma bondosa e pura./ É a vela bujarrona,/ desta nau da Ditadura.).
A primeira vez que ouvi o nome do poético guerreiro devo-a ao Rui Feijó e ao António Alçada Baptista que, pelos vistos pertenciam a um buliçoso grupo de rapazes universitários da década de quarenta que, tendo tido notícia deste extraordinário livro, prontamente o adoptaram, pelo menos nas quadras mais significativas, usando-as como jocosos gritos de guerra. Impressionado pela troca de galhardetes citações entre os dois cavalheiros acima citados prontamente comecei a procurar o livro. Foi o nunca assaz chorado Manuel Matos Fernandes quem me ofereceu a primeira versão em fotocópia integral. A partir desse momento, passei a oferecer a amigos uma antologia do capitão Pereira até que um outro Pereira (Manuel Sousa ), escultor, amador de livros e da gens feminina digitalizou duas cópias em excelente papel. Tais cópias mandei-as encadernar oferendo uma ao meu amigo e ficando com a outra. De facto, desistira de procurar o original tantas foram as negas que recebi de alfarrabistas de todo o país.
Todavia, num dia de escandalosa despesa em números da “Ilustração Portuguesa” (se alguém souber dos nos 820, 822, 823 e 889 que me avise. Compro-os por preço generoso. Também me ofereço para adquirir o vol 31º por inteiro pois queria completar a colecção) num alfarrabista portuense, mencionei o livro ao empregado mais antigo da loja. Este, ouviu-me atentamente e, num gesto descuidado, sem virar a cabeça, deitou o braço direito para trás, para a estante a que estava encostado e de lá, num passe de pura magia, ofereceu-me o livro que eu procurava há vinte anos.
Chorei de pura emoção e, desde esse dia primordial e bendito, guardo a edição em lugar especial. Quero crer que quem tem algum exemplar do livrinho o guarda a sete chaves pois nunca, por nunca, o vi no mercado.
Torna-se difícil, para não dizer impossível, explicar aos leitores a valia literária desta obra pelo menos para todos quantos têm da literatura uma visão optimista e recreativa. Na sua aparente banalidade há todo um retrato deste Portugal dos pequeninos em que desconsoladamente (sobre)vivemos. Junto meia dúzia de quadras que mostram – e de que maneira – como tantos para não dizer quase todos – sentem pulsar neles a pátria madrasta.
Está na moda não ensinar História ou então ensiná-la segundo métodos ditos materialistas e científicos. À ignorância de um lado junta-se o panfleto do outro. Em ambos o horror a nomes, datas, indivíduos, acontecimentos marcantes é explicado pela necessidade de poupar os instruendos, vítimas infelizes duma coisa chamada “eduquês” que, tal como uma mezinha salvadora, veio libertar a juventude do ensino do Estado Novo. Se este era o que sabemos o actual consegue ser igual ou ainda pior.
Felizmente a nossa juventude escolar mostra o que vale em terras do inimigo espanhol. Vê-se logo, como dizia uma mamã ufana que não foram lá para ler o Saramago. O Capitão Pereira teria orgulho neles.
antologia
descobertas
Diniz Dias, continúa,
p'la mesma costa africana.
Cabo Verde chama sua,
nêle descobre a banana.
- João II
De carácter reflectido,
perseverante e enérgico,
tinha o hábito aferido,
e o seu proceder sinérgico.
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Veio o Garcia da Horta,
incomparável botânico,
Até salva gente morta,
fugida d'horrível pânico.
Revolução Liberal
As idéias liberais,
dos conjurados do Porto,
foram tantas, até tais,
que endireita, o que é torto,
D Pedro V
Curso de Letras criou.
Também telégrafo eléctrico.
O combóio caminhou,
e estradas em quilométrico.
Foram criadas escolas;
duas, médico-cirúrgicas.
Instruiu os rapasolas.
Tais criações, eram úrgicas.
Mousinho
Por o capitão Mousinho,
ter vencido o Gungunhana,
a tropa tira-o do ninho...
«Rataplana, rataplana...!»
Ditadura
O saneamento, começa.
Não escalda. Tem brandura.
Pois, e então? Ora essa!
É benévola a Ditadura.