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Incursões

Instância de Retemperação.

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o leitor (im)penitente 201

d'oliveira, 13.04.17

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livros, alfarrabistas & outras fantasias 7

A ilustre Ilustração Portuguesa

Como nome de Ilustração Portuguesa há, pelo menos, duas publicações distintas. A primeira (1884-1890) era antecedida por A (A ilustração portuguesa) e teve cerca de 200 números

A segunda, Ilustração sem artigo a antecedê-la teve uma 1ª série, 119 números (1903-1906 e uma 2ª série que foi de 1906 a 1924. Desta publicaram-se 848 números semanais e era propriedade do jornal “O século”.

A minha história com a revista começou quando descobri na cave de uma casa nossa, umas dezenas de exemplares da IP. Excelente papel, muita ilustração mormente fotográfica, enfim, uma história viva e popular dos anos de fogo do fim da Monarquia e praticamente de toda a República. Volta e meia, encontrava à venda, por preço modesto, mais fascículos e, pouco a pouco fui aumentando a colecção. Até hoje.

Cumpre dizer que a segunda série totaliza 848 fascículos semanais, (não se contando mais dez ou onze publicados anualmente para manter o título da revista e que terão durado até 1933). Ao todo, são 38 volumes, dois por ano. De longe a longe, aparece uma colecção completa à venda. O preço varia muito quer devido ao vendedor quer ainda ao estado da colecção. Obviamente uma segunda série completa com capas de editor e respectivos índices custa mais mas, mesmo assim, conseguem-se obter as duas séries por menos de 1000 euros. Quando dei por isso já a minha colecção tinha mais de 600 fascículos pelo que nunca acorri aos leilões e às vendas de edições completas. Claro que, agora, dez anos após a primeira aquisição, verifico que não só gastei muito mais mas sobretudo que, como de costume, o rabo é o mais difícil de esfolar. A tal ponto que ainda há pouco tempo comprei dois volumes completos mesmo se desses semestres apenas me faltassem dúzia e meia – em 52- exemplares. E foi barato dado o preço a que vejo actualmente os fascículos dispersos à venda.

Tudo isto para dizer que, dos 848 fascículos apenas me faltam 3 (!!!) todos do vol 31º (2º semestre de 1921) exactamente os nos 820, 822 e 823. Algum dos escassos e pacientes leitores sabe deles? Quer vendê-los? Ofereço o preço do inteiro volume. Aliás, em alternativa, compraria o volume inteiro se é que alguém o quer vender.

É verdade que, no mês passado, um alfarrabista me propôs um negócio. Ficava com a minha colecção, incompleta, e cedia-me uma que, não tendo capas de editor, estava bem encadernada e dispunha de todos os índices. (Convém mencionar que os índices são mais raros que as revistas uma vez que só se vendiam com as capas de editor) Na troca, pedia 450 euros!... Só!...

Gosto muito de livros e tenho particular simpatia pela Ilustração Portuguesa mas o que é demais, é demais. Declinei amavelmente a oferta e, em troca, o livreiro prometeu-me que tentaria arranjar-me o volume em falta porquanto argumentava, e lá terá a sua razão, que era mais fácil isso do que pescar os três fascículos que me faltam.

Decidi, portanto, continuar à espera. À espera e esperançado pois, como já disse, a IP é uma verdadeira “história popular, imediata, em bruto, excessiva e contraditória mas com o perfume do dia a dia bem vincado. Aliás, nesses quase mil números (as duas séries confundidas) há de tudo, incluindo anúncios espantosos a elixires, pomadas, aparelhos médicos e outros que só por si mereceriam um estudo atento. Falei na riquíssima iconografia da IL. São milhares de fotografias, provavelmente muito mais de dez mil, de acontecimentos, personagens, monumentos, paisagens numa compita desenfreada. Se tivesse de escolher alguma mais significativa apontaria uma série de fotografias de operosos cavalheiros que exerciam de bombistas (a famosa “artilharia civil”) naqueles dias e anos tumultuosos (não esquecer que só a “1ª República” se deu ao luxo de ter 51 governos em 16 anos!...muitos deles caídos por revoluções, golpes palacianos, votações surpresa, etc...). Trata-se, todavia de fotografias preparadas, de pose, mas não deixa de ser revelador o facto de a IP achar que as deve publicar para memória futura.

Dentre as reportagens, ficou-me uma extraordinária e que cito de memória. Um jovem oficial do Exército, acusado de ter participado numa intentona, foi julgado e absolvido. Passeando pelo Rossio, é reconhecido por alguém, possivelmente ligado à “formiga branca” (uma das milícias mais sinistras da época) e começou a ser perseguido por um grupo de pessoas que rapidamente aumentou. Prudente, refugiou-se na portaria de um hotel e abriu o casaco ou o capote para mostrar que estava armado. Foi imediatamente abatido por vários tiros vindos do grupo perseguidor. A mulher, ou noiva (Já não recordo) ao saber do assassínio suicidou-se, atirando-se de uma janela do prédio em que vivia(m). A fotografia da reportagem é aliás da desventurada jovem senhora.

Optei por estas escolhas por que são significativas dos tempos em que a IP se publicou e não para levar água a algum malicioso moinho anti República (o anterior regime retratado na 1ª série e nos quatro primeiros anos da 2ª não era melhor e os jornalistas e fotógrafos da revista retratavam os acontecimentos com grande equanimidade).

Esta crónica sobre A “Ilustação...” pretende, sobretudo, realçar o facto de, numa época de acentuado analfabetismo (é provável que naqueles anos houvesse 90%de analfabetos) e da disponibilidade financeira dos leitores ser infinitamente inferior à actual, haver um público capaz de sustentar um grande número de empresas jornalísticas (qualquer comparação com o presente entristece o mais optimista) com suplementos de “luxo” como é o caso da “IL”. Também não me parecer de escamotear que a própria época de intensa luta política e ideológica poder potenciar um aumento de leitores curiosos e interessados em informar-se. Ou, de como um regime caótico e absolutamente instável consegue ter este pequeno mas notável efeito cívico e cidadão.