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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 209

d'oliveira, 25.03.21

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Saída precária 11

Às voltas com os livros

mcr, 25 de Março

 

 

Os leitores mais assíduos já me conhecem a mania, ia a dizer o vício mas também nem tanto: é verdade que compro demasiados livros, que não resisto a mais uns tantos, mas pelo menos, não entra nenhum sem levar uma bicada, duas ou muitas.

No caso em apreço, vou ler um de fio a pavio (ou de cabo a rabo, se preferirem, que nestas coisas a nossa comum língua é rica e muito mal aproveitada. Fala-se cada vez pior, com erros de toda a espécie e sem respeito pela ortografia. A bandalheira do acordo que ninguém respeita, excepto os patetas do costume – ou seja os portugueses de Portugal – desencadeou um semi-analfabetismo que o Parlamento, lamentavelmente não vê ou, pior, não percebe) a correspondência de Joaquim Namorado com Mário Dionísio (“lado a lado como sempre JN e MD”, Casa da Achada e Lápis de Memória, 18 euros ).

Conheci muito bem o Joaquim que era um autentico mentor  na sua cátedra da revista “Vértice” de que ele era o director de facto. Fomos mesmo vizinhos e, durante anos frequentei-lhe a mesa de café. Devia dizer às mesas porquanto ao fim da manhã o Joaquim Namorado assentava praça na Brasileira (com Paulo Quintela, Luís de Albuquerque, os irmãos Vilaça, Ivo Cortesão  e mais um ou outro. Eu quando podia escapava-me das aulas chatérrimas de Direito e marchava para a “baixa” e algumas vezes fui admitido àquele cenáculo. Depois do almoço e do jantar, Namorado vinha até à Praça da República (a “praça vermelha” e assentava arraiais num pequeno café que tinha (como o do lado, aliás) esplanada. Talvez se chamasse Peninsular ao algo do mesmo género mas o nome varreu-se-me da memória.  Aí juntavam- mais à vontade se vários professores de Direito de que destaco Carlos Mota Pinto, Orlando de Carvalho  (na altura ainda fora da faculdade a preparar um dos mais demorados doutoramentos de que me lembro, José Bastos  e alguns estudantes entre os quais eu que era o mais pontual, o mais assíduo e o menos estudioso como se calculará. 

Cada conversa era uma quase aula a que não faltava o bom humor e a pequena conspirata política. Uma das razões porque sempre achei miserável a campanha contra Mota Pinto (um belíssimo professor , um bom amigo e uma excelente pessoa) vem desses dias e sobretudo da pratica reiterada dele como professor, como examinador e como conhecedor de Direito. Carlos Mota Pinto era um democrata quando essa palavra se aplicava a poucos.

Voltando ao Joaquim Namorado, vaia a pena ouvi-lo falar sobre arte, literatua , cultura em geral e sobre ciência. Matemático, tentava explicar à rapaziada com fumos de literata a força e a indeclinável presença da “outra cultura”, a científica que para nós todos era um mistério mais difícil que o da Santíssima Trindade.  Vivia modestamente, porquanto o Poder tinha-lhe uma vontade negra. Nem sequer o deixavam ser professor do ensino particular. Resultado, esmifrava-se a dar explicações que dariam bom resultado pois era conhecido, entre os cabulões, como o “endireita de Celas”, bairro onde morava. Conta-se mesmo a história de um estudante universitário de Matemáticas Gerais  ou mais acima que, sendo explicando de Namorado, se aterrorizou com o exame e resolveu faltar. Foi o Joaquim a casa dele, tirou-o da cama a bofetão e dali até à faculdade moeu-o de cachações pois o alucinado jurava que não andava, que não entrava na sala do exame, que se calaria. E a cada jura, pimba!, bordoada feia. Passou com boa nota, foi  um excelente professor, fundador (no tempo difícil) do sindicato, presidente de Câmara na Democracia, deputado, Secretário de Estado e mais um ror de coisas. Com oitenta e bastantes ainda mexe. Se tem um canudo ao Joaquim o deve e à tarei com que foi mimoseado.

Portanto, um homem destes, um poeta interessante mas de obra curta, um dos que melhor soube resistir ao sufoco do Estado Novo, com consequências duras para ele, tem por força de ter uma correspondência interessante  e, no caso de Dionísio, um neo-realista extremamente crítico e atacado pelos puristas do ultra realismo socialista (vale a pena ler o que Pacheco Pereira diz dessa geração num dos tomos da biografia de Cunhal  - que nunca mais acaba!...- para perceber como Joaquim Namorado, um fiel mas também fiel aos seus amigos de geração – manteve com Dionísio uma relação epistolar.

Vale também a pena, recordar que Mário Cesariny meteu Joaquim Namorado no “surrealismo abjeccionismo”, o que não deixa de ser curioso e... revelador.

E já que se fala em Cesariny eis que há notícia da saída de mais um tomo da sua obra extensa. Desta feita, e sob a curadoria segura e inteligente de Perfecto E. Quadrado, um espanhol estudioso do surrealismo português com vasta obra publicada sobre o tema, saiu “Poemas Dramáticos e Pictopoemas” (Assírio e Alvim, claro) que complementa uma outra edição cesariniana (“Poesia”, mesma editora, 2018).  À cautela, encomendei os dois pois tenho a certeza de que me falta muita coisa do poeta, pelo menos poemas e escritos vários não reunidos em livro ou publicados em edições de pequena circulação.

Finalmente, saiu um livro sobre Vasco Pulido Valente. O autor, Céu e Silva gravou largas dezenas de horas de conversa com VPV (Uma viagem com Vasco Pulido Valente) e acaba de as publicar em livro.

Ontem, ao recordar, o “dia do estudante” de 1962, lembrei-me bem de alguns discursos de estudantes dessa época. Numa das muitas vezes que fui a Lisboa a mando da DG da AAC para contactos e troca de informação, ouvi-o discursar na Faculdade de Letras. Logo a seguir ouvi o Medeiros Ferreira de quem fui amigo desde essa época. Ambos me impressionaram e ao VPV fui-o lendo desde os tempos de “O Tempo e o Modo” (aliás, tê-lo-ei lido ainda antes no “Almanaque” revista em que ele entrou com 15 ou 16 nos !!!). Li atentamente os sue muitos livros, acho que “Ir para o Maneta” é uma das melhores obras de História publicadas nos últimos vinte ou trinta anos, diverti-me com as crónicas que foi publicando num português que invejo e a que nunca chegarei. Curiosamente, conheci-lhe (e apreciei muito) os pais que eram amigos dos meus primeiros sogros desde os tempos da clandestinidade mas com ele nunca me cruzei directamente. Teremos falado episodicamente duas ou três vezes e desses contactos de pura circunstância nada ficou.  O livro deve chegar amanhã e vai todinho ser lido no fim de semana.  E ao mesmo tempo, irei reordenando as estantes dos surrealistas. Ou seja vou meter.me em trabalhos tremendos  para reorganizar aqueles três metros bem medidos. Às vezes, penso que sou ligeiramente masoquista...

 

Mas isto distrai-me da prisão domiciliária.

Na vinheta: Joaquim Namorado

PS: ao leitor ABM não consigo abrir o seu comentário de que só há seis ou sete linhas.   

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