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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 211

d'oliveira, 08.08.19

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O estado da burocracia e a burocracia do Estado

Ou

Como gastar dinheiro inutilmente

 

Este Agosto vai ser atípico. O calor é moderado, as eleições estão perto, as medidas governamentais atropelam-se umas às outras como se se quisesse mostrar em poucos meses trabalho que deveria ter sido feito em anos. E os fogos, mas isso é já uma triste e persistente tradição do Estio.

E os “casos”. Ah!, os “casos”, as burrices, as tontices e as desculpas de mau pagador. Felizmente, para o dr. Costa, existe um cavalheiro chamado Rui Rio que parece ter sido talhado para ser o anjo da guarda do primeiro ministro.

Vamos então aos “casos”. A ideia peregrina de caracterizar uma compra de lápis, bonés e esferográficas num assunto urgente e imperioso daria para rir não fora o caso de ser sobretudo para chorar.

É difícil não pensar que esta compra traz com ela o cheiro fétido do compadrio mesmo se não for esse o caso. Um comentarista do “Público” avança a hipóteses (que, à luz do que se conhece da funçanata pública, não é assim tão descabida) de a negociata se ter feito apenas para ultrapassar a omnipresente e paralisante burocracia que, neste domínio, rege as compras feitas pelo Estado.

Eu mesmo assisti a compras estapafúrdias feitas por uma instituição em que mais tarde trabalhei. Para não perder umas verbas do orçamento, em fim de ano fizeram-se rapidamente umas compras de estiradores, de uma guilhotina enorme e de mais um par de coisas que não recordo. Os estiradores foram arrumados na cave por absolutamente imprestáveis e desnecessários. A guilhotina (enorme) serviu meia dúzia de vezes, fins a que, pelo preço e tamanho e características, não estava especialmente destinada. Acabou por ser oferecida a uma cooperativa artística...

Tudo isto ocorreu porque, naquele tempo, havia (haverá ainda?) uma regra que estipulava que se as verbas atribuídas não fossem gastas nesse ano civil seriam perdidas a favor do Estado e o orçamento seguinte teria em conta essa menor despesa. Ou seja, se um dirigente poupasse dinheiro era premiado no ano seguinte com um orçamento menor! Mesmo que as necessidades fossem maiores e prementes.

Quando entrei na instituição, consegui que, no último mês do ano civil, se utilizasse o excedente em verbas de equipamento comprando alguns tapetes para as salas do palacete onde estávamos instalados e onde era hábito haver pequenos concertos, exposições e lançamento de livros ou conferencias e colóquios. Ao que sei, quarenta anos depois, os tapetes ainda lá estão, um pouco usados mas úteis e decorativos. Já algumas das obras de arte (nomeadamente pintura e pequena escultura) andam perdidas ou. na extraordinária expressão da senhora Ministra da Cultura, estão em local incerto, por encontrar.

Desconheço quais são, actualmente, as regras que presidem aos orçamentos das instituições públicas que gozam de autonomia financeira. Se foram as mesmas são paralisantes e potencialmente prejudiciais.

Note-se, de resto, que o Estado, o nosso Estado, tem uma notóriadificuldade em lidar com compras e com vendas. Neste cpítulo, boa parte da actividade empresarial do Estado adapta-se mal à concorrenci quando não invade pesadamente a esfera do privado. No capítulo da ediçãoo de livros já aqui descrevi a visão horrenda de pilhas e pilhas de livros sepultados em armazéns repletos, a encherem-se pó, a criarem bicho. Basta recordar as centenas de títulos editados durante as comemorações dos descobrimentos. Quando descobri alguns numa pequena espécie de livraria situada na Torre do Tombo, soube que aquilo era apenas a ponta do iceberg de um gigantesco acervo perdido num armazém (em S João da Talha?). Todavia, mesmo encomendando exemplares dessa abandonada montanha de livros, não se garantia satisfação do pedido. Faltava quem fosse ao armazém e nesse faltavam escadotes ou algo semelhante para alcançar as prateleiras mais altas tão cheias quanto vazias estavam as mais ao alcance da mão do eventual mas rao trabalhador que lá se deslocasse!

Vi, claramente visto, as garagens da SEC no tempo em que esta estava na Avenida de República, pejadas de incontáveis e instáveis pilhas de livros editados com apoio do Estado. O mais extraordinário é que, estando ali, ao alcance de qualquer mão, não eram alvo de pilhagem, roubo, ligeiro desvio. Nada! Estavam ali numa espécie de limbo, afastados de qualquer eventual livraria que os quisesse vender.

Durante anos, frequentei, interesseiro e interessado, uma instituição de inegável interesse científico e editorial, onde fui pescando a preços de saldo de saldos, títulos fundamentais para quem se interessasse pela história portuguesa e, especialmente, pela da expansão colonial. Nos alfarrabistas, os escassos exemplares que se encontravam andavam a preços fulgurantes! Nos leilões a coisa ainda fia mais fino. A CG que critica, com sobrada razão, a invasão desordenada de livros por todo o lado, observou-me que, pelo menos, eu deveria comprar esses títulos em dobro para revenda do segundo exemplar. Todavia, eu (se calhar a exemplo do Estado incapaz) não consigo dedicar-me a tal negócio.

Aliás a nenhum negocio! Culpa minha, claro.

* a estampa: exemplares da revista Oceanos que andam pelos alfarrabistas a preços que uivam. Comprei muitos dos exemplares que me faltavam na Torre do Tombo e ainda consegui várias caixas arquivadoras a preços baixíssimos. Quem, a meu conselho lá foi por mais, bateu com o nariz na porta. Havia mas estavam no fmigerado armazem!