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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 219

d'oliveira, 02.10.21

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De regresso a possível normalidade

mcr,  2.10.21

 

Uma leitora amável e atenta pergunta-me se o regresso às série e sempre (“au bonheur des dames” e “estes dias que passam”) significa que terei encerrado o ciclo iniciado em Março do ano passado e baseado na pandemia.

É verdade, querida e perspicaz leitora. Eu sempre verifiquei nas mulheres, além de muitas outra e excelentes qualidades, uma atenção ao pormenor que sempre me fascinou. A CG ainda consegue surpreender-me ao comentar, muito tempo depois, os sapatos do meu amigo A ou as olheiras de B, a sua má disposição, o ar adoentado, sei lá que mais.

É possível que eu seja distraído, desatento (quiçá egoísta...) mas, de facto, há coisas que me passam por cima. Não é porém o caso dos títulos genéricos com que junto os meus folhetins aqui.

De facto, julgo que o ciclo da pandemia, e das suas consequências, está terminado. Iremos, provavelmente viver com o covid durante muito tempo, mas contido como o colega da gripe. Para quem não é parvo, não se arma ao pingarelho com negacionismos de fancaria, a vacina (e mais um par de precauções óbvias) deverá ser suficiente.

Vamos pois voltar aos temas de todos os dias, ou, melhor aos temas que eu vou cultivando.

E hoje quero falar da biografia do Manuel António Pina, acabadinha de sair para as livrarias. MAP é (era) mais do que um grande poeta, grande cronista, um amigo desde os anos 60, altura em que ele arribou a Coimbra como estudante voluntário de Direito. Ainda não o conhecia como poeta mas, já se notava que ele  poderia marcar um território original nesta campo.  Primeira afirmação que lhe recordo era de que não estava disposto a envolver-se n ainda quase dominante escola neo-realista. MAP, numa frase onde já se notava o seu peculiar humor, dizia-se pouco disposto a “aturar os poetas de camisa aos quadrados e boné à operário”.

E toda a sua posterior carreira de poeta foi uma clara confirmação dessa escolha.

Paralelamente, foi-se tornando uma presença constante no JN onde assinou centenas (?) de crónicas, numa coluna fininha onde com precisão matemática dizia tudo e tudo muito bem. Diz-se que foi um leitor fervoroso que tendo reunido as primeiras dezenas de crónicas, diariamente recortadas o entusiasmo a publicar esse magnifico exercício de inteligência, perspicácia, humanidade e empenhamento (“O anacronista”, 1974. O próprio título já é todo um programa!). A isso foi juntando com perseverança diferentes livros de poesia, para já não falar de uma série de peças teatrais para um público infanto-juvenil (e aqui há que saudar outra vez o cuidado de MAP em não facilitar tontamente os seus temas. Nada disso, mAP escreve pra crianças é certo mas não as toma por ignorantes ou atrasadas mentais. E, pelos vistos, isso resultou amplamente pois as obras iam-se esgotando com alguma facilidade e é muito raro aparecerem no mercado alfarrabista. Ou por outras palavras, os leitores que compraram, apreciaram devidamente e guardaram os seus textos.

Sai, pois, agora, uma biografia “para quê tudo isto? (título que é muito mapiniano, se me permitem o neologismo), da autoria de Álvaro Magalhães, poeta e íntimo amigo de MAP  (A edição é de Contraponto).

Tendo comprado o livro há pouco mais de uma hora, não vou, naturalmente, falar sobre ele, excepção feia ao número de páginas (cerca de 480) e ao que pude ver quanto a aparelho crítico que me parece exigente e judicioso.

Penso, contudo, que esta biografia esclarecerá não só alguns, muitos, leitores de MAP mas também os curiosos que eventualmente só tardiamente começaram a frequentar o poeta.

 

Comprei este livro numa pequena livraria que poderíamos chamar de bairro não fora a surpresa de, entrando, nos darmos conta de uma excepcional escolha de livros, com uma forte presença das pequenas editoras a quem se vai devendo boa parte, a melhor parte, das títulos ultimamente editados.

 

A “Flaneur” (e o nome é já um manifesto) fica na rua Fernandes Costa, na zona de influencia da Casa da Música, perto da Boavista, no Porto.  

O livreiro, mas isso já nem foi uma novidade, é o cavalheiro lá ao fundo de chapéu enterrado quase até aos olhos. Trata-se, e isto é a melhor recomendação possível, de um veterano da extinta “Leitura” a mítica livraria da rua de Ceuta, obra de Fernando Fernandes que a fundou primeiro com o nome de Duvulgação. Com ambos os nomes durou mais de cinuenta anos e eu gabo-me de ter sido seu cliente quase desde o primeiro dia. De facto andava no colégio Almeida Garrett e daí para a Baixa passava sempre por dois pontos de paragem obrigatória_ A “Académica”, rainha das alfarrabistas portuguesas que ainda hoje existe e a divulgação, depois Leitura. Foi nesta livraria que terei comprado com a mesada exígua (todas as mesadas eram exíguas, claro)os meus primeiros livros, ambos de poesia. Tenho ideia de que um se chamaria “Alguém ora um na outra margem  e o outro “sete poemas para Egéria e noticia para mim”. O primeiro da autoria de um certo Carlos Gabriel está dado como perdido, o segundo de Hélder Grilo Gonçalves mora ali numa estante, fininho, escondido mas sempre que o encontro é uma festa.

A “Divulgação/Leitura” era um paraíso. O Fernando Fernandes era um livreiro ultra profissional e educou toda uma geração de livreiros que de facto dabiam e sabem o que estão a vender.

Esta Flaneur será porventura a mais nova das livrarias inspiradas na antiga Leitura ou, pelo menos, o seu proprietário será o mais novo dos que trabalharam e aprenderam com Fernando Fernandes.

Eu, leitor voraz de Apollinaire, quando soube de uma livraria eventualmente inspirada no “le flneur des deux rives” fui logo por ela e quando entrei nem me surpreendi demasiadamente ao ver quem er o livreiro.

Honra lhe seja, continua a ter estantes de poesia, em várias língua Desta feita, trouxe de lá uma edição bilingue de Joan Margarit, um catalão muito estimável que (ai tempo, ai Madrid nos anos 70...) uma catalaninha  que dava por Margarita me deu a conhecer. Não há nada como os amorios de Verão para sucederem encontros assim.

Aliás, na feira do livro, no pavilhão da flaneur eu já tinham comprado uma versão bilingue, espanhol-italiano de “Lavorare stanca” de Pavese. O exemplar italiano que tive, desapareceu na voragem provavelmente em obediência ao provérbio “a poesia é para os que precisam dela” mas pode apenas ter acontecido um desvio, vá lá, uma pilhagem ou, cândido que sou, alguém ter-se esquecido de devolver o livrinho a casa mãe...

Leitoras e leitores do Porto, eis! Sus!, todos a Flaneur que vale o passeio.

De volta a uma esperada e ansiada “normalidade” este é o primeiro texto de regresso ao “o leitor  

* na vinheta Manuel antónio Pina e uma das suas gatas. Esta era uma das paixões que partilhava com ele.

 

 

 

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