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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 231

d'oliveira, 21.03.22

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Um morto a anunciar a primavera

mcr,  21-03-22

 

Éramos da mesma idade mas, que eu saiba, nunca nos  cruzámos.  E, apesar de mais de uma dúzia de livros dele, lidos com algum afinco, muitos deles tardiamente, foi sempre para mim um estranho. Não que os seus poemas fossem obscuros ou de difícil leitura mas porque GC não obstante a sua colaboração em jornais e revistas, era, para mim, pelo menos, um quase desconhecido.

De resto foi esse mesmo quase desconhecimento que me aproximou da poesia dele, quando em 1961/2, apareceu, ou me apareceu, o escandaloso “Poesia 61”. Em Coimbra ainda se vivia no rasto do neo-realismo, veiculado entre os estudantes pela “Vertice” e pela “Via Latina” o jornal da Associação Académica.

Acusava-se o grupo de poetas (todos estudantes na universidade de Lisboa) de falta de compromisso político e de mais um par de heresias que todas se reconduziam a uma visão muito provinciana de poesia especialmente e de literatura em geral.

Eu ainda nem começara a frequentar a poesia surrealista pelo que ainda mesmo antes de ler esses “lisboetas” já os olhava turvamente.

Entretanto, por um desses felizes acasos, numa ida a Lisboa (por altura do dia do Estudante de 63) alguém me albergou num apartamento pois a coisa desandara para o torto como se previa. Indo eu “fardado” de capa e batina (erro que nunca mais cometi) instalei-me naquela casa acolhedora enquanto alguém me tentava encontrar um casaco para poder passar despercebido. A espera foi longa e numa mesa descobri os caderninhos de Poesia 61. A curiosidade espicaçou-me e aviei o primeiro, precisamente do Gastão Cruz.

Não vou agora afirmar que fiz uma volta de 180 graus na minha visão da poesia que cá se fazia. Mas foram, isso sim, uns bons 90º . Aquilo seduziu-me e prometi a mim mesmo procurar aquela edição logo que fosse possível e os morabitinos ajudassem.

Passaram-se vários anos, em boa verdade. A poesia, mesmo naquele tempo, vivia de pequenas edições, os livros esgotavam-se ou as livrarias não os encomendavam. E quando voltei aquele grupo de poetas foi através da Luísa Neto Jorge e do Casimiro de Brito. Acasos absolutos, não houve sequer escolha, Vi os livros e comprei-os e por aqui andam. Da mesa onde escrevo esta crónica vejo ou adivinho, o maravilhoso “O ciclópico acto” da Luísa Neto Jorge com ilustração de Jorge Martins, uma produção da Galeria 111 que me ofereci como prenda de anos nos idos de 89. Só o facto de fazer anos me fez desembolsar dez brasas que, na altura, era muito, mas muito dinheiro.   Agora, num alfarrabista, descubro que vale dez vezes mais!.. (se houver quem o compre, claro...)

Suponho que o mesmo sucederá, falo de cotações, aos caderninhos de Poesia 61, pois noutro alfarrabista, anunciam-se com a nota (mais que esclarecedora!) de “preço sob consulta”.

Alguns dos poetas do grupo, Gastão, Luísa e Fiama (justamente os que já por cá não andam)tornaram-se grandes referencias e os seus livros mais antigos aoarecem raramente nos leilões e sempre a preços relativamente elevados. O que prova que não é o poeta ou o editor que ganham dinheiro mas quem os guardou anos e anos e ao desfazer-se deles percebeu que valiam um pancadão de dinheiro.

E, neste capítulo de valorizações, as “vanguardas” são sempre as que melhor se cotam num mercado tão incerto quanto o livreiro. Agora que o Gastão já é uma saudade, vai ser um corrupio tanto mais que grande parte dos seus títulos aparecem como esgotados nas plataformas on line de venda de livros.

Os leitores mais avisados e prudentes deverão pôr a caminho, comprar o que sobra antes que algum vivaço lhes deite a mão e se ponha a especular. Com essa precaução ganhamos todos, nós os leitores, a cultura em geral e o respeito que um poeta inteiro e excelente merece. E perdem os filisteus...que também já é tempo.