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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 234

d'oliveira, 20.06.22

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Pequena nota sobre o golpe militar na Indonésia

mcr, 19-6-22

No “Público” de hoje, domingo, vem uma longa entrevista de Vincent Bevins, um jornalista americano (n em 1985) autor de “O Método Jacarta” um ensaio histórico onde a guerra fria deixa de ser um confronto entre a URSS e os EUA para ser uma luta pelo controlo do 3º mundo. A tese é mais absurda que audaciosa e faz tábua rasa da história centro e leste europeia no imediato pós-guerra. De todo o modo o que me chamou a atenção foi a referencia a um método terrorista e imperialista que ensaiado na Indonésia em 1965 teria sido replicado com sucesso no resto do mundo ou melhor em vinte países desde o Brasil ao Chile. E sempre, claro, com o apoio dos EUA. O meu interesse vem de um facto simples: pouco depois do golºe militar que alcandorou ao poder o general Suharto, e resultou numa repressão violentíssima na Indonésia, tive a sorte de encontrar alguns indonésios fugidos ao massacre e de por mero acaso (ou quase) ter conseguido farta documentação sobre a questão. Dessa documentação apenas me resta “L’autocrique du bureau politique du parti comuniste d’ Indonesie” (editions Git le Coeur, 1966, Paris, com a menção de que o caderninho de 30 pp que possuo e retrato teria sido publicado numa brochura “Peuple indonésien – unissez vous pour renverser le regime fasciste”, ed de Pekin, 1968) Com base nos citados testemunhos e numa mão cheia de texto aparecidos todos em França e de várias proveniências) escrevi um artigo destinado a uma revista (“Espaço”) que entretanto morreu de morte macaca e que era alimentada por muitta rpaziada que posteriormente esteve ligada às edições Afrontamento e a outra mais clandestinas entre elas algumas católicas). Na altura não fiquei com cópia (ou então esse documento desapareceu graças a duas incursões da PIDE) pelo que já não consigo identificar as minhas fontes. Todavia, eu referia com farta insistência em duas questões: a repressão (gigantesca) afectou de forma devastadora a comunidade chinesa instalada na Indonésia e detestada pelos naturais sobretudo porque era uma comunidade extremamente próspera o golpe de Setembro que terá sido o detonador dos movimentos militares que dizimaram o Partido Comunista indonésio. De tudo isto haverá, inclusivamente em Portugal, rasto jornalístico mesmo se censurado. O presidente Sukarno (o presidente legítimo) que fazia a ponte entre os dirigentes muçulmanos e o PCI e corporizaria um força política moderadamente revolucinária, herdeira dos movimentos anti-coloniais que no fim da guerra e da ocupação japonesa expulsaram os colonizadores holandeses. Todavia, já nos anos 60 era notória uma forte tensão entre os comunistas e uma maioria muçulmana que, obviamente, não via com bons olhos a política oficial do país (recordo nebulosamente um certo “sultão de Djogjacarta (ou Yogyjacarta) – nao confundir com a capital- que teria sido um dos mais importantes aliados do movimento militar. O autor do livro a que me refiro não dá, ou melhor, passa por alto com explicações confusas- relevo especial a este golpe que terá sido o desencadeante do temível contra-golpe de Suharto. Na época foi isso que foi especialmente apontado. Não se trata de branquear a violência inominável dos militares indonésios nem de olvidar as centenas de milhares de vítimas comunistas ou aparentadas. Sei bem que especular sobre história passada (sobre o nariz de Cleopatra é além de ocioso um exercício perigoso) mas não tter em atenção este facto, o golpe, o assassinato de vários generais, parece, no mínimo arriscado. A repressão indonésia (e volto a recordar o número também enorme de vítimas de origem chinesa e quase seguramente sem qualquer ligação ou simpatia pelo partido comunista local) não foi mais replicada noutros pontos do que o que é costume. Onde houver militares a intervir, as coisas são a eito e, no caso concreto conviria sublinhar que o que se passou no Chile de Pinochet não tem qualquer semelhança com a repressão brasileira. Os executores eram sempre militares mas no Brasil, se é possível minorar o que se passou nada teve a violência do Chile ou, mais tarde, da Argentina. Ou, por outras palavras, o método Jacarta será o que quiserem mas tem muito de hipotético. O documento que acima referi, a “autocrítica..., faz um par de referências veladas ao golpe de Setembro sem assumir claramente a sua paternidade mas classificando-o como um “erro” de estratégia, ao mesmo tempo que verbera igualmente a “via pacífica” atribuída à direcção do partido e o “entrismo” nas áreas de poder controladas pelo anterior presidente nacionalista Soekarno. Já na época, o primeiro golpe (o de Setembro) fora atribuído ao PCI mesmo se, pudicamente este, posteriormente o tenha considerado “aventureirista”. Nada disto justifica a repressão desencadeada pelo exército (mas com um forte suporte de massas que aplaudiam a perseguição dos estrangeiros chineses). Todavia, agarrar neste caso indonésio e transpô-lo como método para outros golpes militares nos anos 60 e 70 parece um tanto ou quanto precipitado. Mesmo se, e quando, é o exército que se ocupa de fomentar e dirigir a reacção anti-comunista. Ou será que o método Jacarta começou em Espanha em 1936. Os golpes militares a que se segue uma tentativa de nova ordem mais repressiva e anti-partidos parlamentares tem um longo historial e não são especialmente inventivos quanto aos meios e aos métodos. Sequer quanto às primeiras consequências. Um segundo aspecto do livro diz respeito ao facto de o autor pôe em evidência a luta pelo controlo de terceiro mundo sobrepondo isso à guerra fria. Se é verdade que os países colonizados viram a luta anti-colonial ser dirigida por pequenas elites nacionalistas (muitas das quais crioulas) não menos verdade é que os movimentos libertários e socialistas sempre se empenharam nessa luta. E sempre tentaram amotinar as tropas existentes no sentido de as tornar a ponta de lança do combate nacionalista o que, mais tarde, uma vez consolidado o novo regime, evidencia demasiadamente o papel do exército como guarda pretoriana do novo regime. Só as democracias liberais consolidadas resistiram a essa tentação e mantiveram as forças militares sob controlo civil. Veja-se o exemplo de todos os novos regimes post-coloniais em África.E mais, muito mais nas Américas central e sul, México incluído. Economias frágeis, burguesia escassa, forças sindicais quase inexistentes, só a tropa aparece organizada e com meios capazes de modificar uma relação de forças seja ela qual for. E nisto incluo os raros exemplos de governos sul americanos de carácter “progressista” mas saídos, eles também, de golpes militares. Estamos, porém, no meio de uma nova vaga de patéticas discussões sobre o “imperialismo”. Renovam-se as velhas falácias e acusações incluindo, como agora é o caso da Ucrânia a teoria que tudo o que de horrível acontece naquele país invadido é também (e eventualmente ou principalmente) culpa da NATO que finalmente não passa de um instrumento dos EUA. Nem o facto destes, apesar de tudo, terem sido apanhados de surpresa tão focados estavam nos novos confrontos do Pacífico. Havemos de chegar ao ponto de aparecer alguém a afirmar que foram os americanos a entusiasmar Putin a atacar... Basta esperar.

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