o leitor (im)penitente 236
Um livro importante: “informadores da Pide, uma tragédia Portuguesa”, de Irene Flunser Pimentel
mcr, 14-7-22
Não é a primeira vez que aqui se chama a atenção para esta historiadora e para os seus indiscutíveis méritos. Proba, honrada e cuidadosa, Irene Pimentel tem já um lugar captivo na História do Estado Novo e, fundamentalmente, na problemática da violência exercida por este através da PIDE.
Acaba de sair o volume que consta do título deste folhetim que li num repelão. Faço parte do enorme grupo de vítimas dessa bufaria que IFP agora disseca e, obviamente, lá descobri uma repelente criatura que me denunciou como consta de um dos 14 processos com que fui honrado pela polícia política.
E se cito o caso é apenas por uma razão simples: ou acusado de ter participado numa reunião clandestina em Cantanhede e de nela ter feito a apologia do bombismo.
Ora, nunca passei por Cantanhede, nem antes nem depois do 25 A e tenho pelo bombismo um absoluto desprezo e profundo horror. Não entendo nada de armas, a menos que um simples e rudimentar canivete suíço entre nesse grupo.
De facto a informadora “Catarina” tem agora nome civil completo: trata-se de Lucinda Pinto Bilhau, uma miserável criatura inculta e de baixa extração que foi mulher de um excelente amigo, honrado, lutador que esteve em todas as lutas académicas e não só.
João Bilhau, médico, ex-administrador e editor da “Centelha” morreu há muito num desastre de automóvel. Regressava de Peniche onde um dia por semana dava consultas grátis a quem delas necessitasse. Herdara esse encargo de seu pai igualmente médico e na época falecido.
A Catarina/Lucinda não denunciou apenas os amigos e camaradas do João mas incluiu no lote o próprio marido: um carácter!...
Curiosamente, IFP menciona ainda outro, bufo, desta feita estudante de Medicina e “repúblico” que denunciou entre outros estudantes o José Manuel Pais, à altura eleito para a direcção Geral da Associação Académica de Coimbra. JMP foi mobilizado para Angola e lá morreu.
Este bufo andou pelo CITC e enviava ao agente que o controlava, cartas denunciando sem especial relevância os camaradas que o acolhiam. Tive acesso (graças ao uma sobrinha) a essa correspondência infecta e mal redigida mas entretanto perdi-lhe o nome embora saiba que há uma dúzia de anos (ou mais) era médico na zona de Lisboa, outra banda se não erro. Dele só recordo que começava sempre as suas histórias de boémia com esta frase “estava eu e o Pipi a beber uma cervejinha...”
Não lhe dávamos qualquer importância mas o pequeno canalha lá ia afiando a dentuça nas nossas canelas em informações para a polícia. Informações pagas, acrescente-se. Dinheiro mal gasto pela polícia pois o bufo era mais ignorante que um periquito e não tinha relevância de qualquer aspecto nos meios político-académicos. Contava o que ia ouvindo e percebendo e bonda!
Há um terceiro bufo que eventualmente conheci se não estou em erro. Um certo Santos, archeiro na Universidade a quem eu e outros mariolas oferecíamos garrafas de whisky em troca de nos serem apagadas as faltas às aulas. Por duas garrafas anuais podíamos faltar quantas vezes nos desse na gana. Pelos vistos, o homem bufava que se fartava. Tenho, contudo, a ideia que nunca terá denunciado os seus “benfeitores” o que se percebe bem. Um estudante na cadeia não manda mais garrafas...
IFP só (que eu tenha reparado) comete um ligeiro erro no capítulo sobre a FAP. De facto cita o nome de um preso, denunciado por outro bufo Acácio Barata Lima mas identifica-o como advogado. ABL (falecido no ano passado) foi meu amigo e era realmente engenheiro. Foi libertado graças a uma campanha levada a cabo pela Ordem dos Engenheiros, cujo bastonário conseguiu a proeza de libertar os dois únicos engenheiros na altura encarcerados em Peniche (isto depois de largos anos de cadeia). É provável que IFP tenha confundido o meu amigo Acácio com um advogado que, na altura, foi preso depois de se ter destacado como patrono de presos da FAP. Este cometeu um erro de certo modo incomum. Em vez de cumprir a nobilíssima missão de defender presos políticos (e não eram muitos os advogados dispostos a isso) achou que “um verdadeiro revolucionário” deveria juntar-se aos seus defendidos. Perdeu-se pau e bola. Menos um defensor, mais um preso inútil e carregado de informações que poderiam (ou puderam) pôr em risco a organização política e os seus militantes.
A ingénua generosidade “revolucionaria” é, nas mais das vezes, perigosa e funesta. Para toda a gente!
Porém, e como já afirmei, um pequeníssimo pormenor, não fere um livro excelente, bem informado, carregado de bibliografia que, por si só , já permite uma busca de informação importante.
(a edição é do Círculo de Leitores e da “Temas e Debates”- Tem a data de Maio de 2022 e custou - no Corte Inglês- €20,90)