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Incursões

Instância de Retemperação.

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O leitor (im)penitente 258

mcr, 24.09.23

 

 

As ossadas errantes

mcr, 24-9-23

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O seu primeiro  e breve poiso foi Paris. Daí transladaram-se para Lisboa onde moraram quase cem anos. Subitamente já no último quartel do século passado, alguém lembrou, e bem!, que a freguesia de Santa Cruz do Douro onde  Eça descobriu a mítica casa de Tormes, hoje sede da fundação que leva o seu nome  poderia dar guarida aos ossos do "pobre homem da Póvoa do Varzim". E assim se fez. Lá está num jazigo digno e simples o genial escritor. 

Todavia, a "panreonite", um mal vicioso que de quando em quando assola a não valente e imortal  não suportou que um dos seus "egrégios avós" (Se Eça lesse isto dar-me-ia cabo do canastro...) estivesse longe de Santa Engrácia, uma igreja desafectada que demorou quatrocentos anos a ser concluída. Aí repoisam uma série de figuras nem sempre maiores e por vezes absolutamente esquecidas. Nos últimos anos entraram lá o moçambicano Eusébio eas portuguesas Amália de Sfia de Melo Breiner. Correm zunzuns sobre a possível chegada de Aristides de Sousa Mendes e há quem vocifere o nome de Camilo  considerando injusto o pobre cemitério onde jaz. Nem  Aquilino  ( o melhor candidato ao Nobel que, à excepção de Hélder e Pessoa,  alguma vez Portugal teve )escapou ao  "engraciamento". De todo o modo ele estava nos Prazeres pelo que foi curta a viagem. 

Já há uns anos, aqui, referi a mania "engraciante" de voltar a fazer peregrinar os ossos de Eça. Na altura, o bom senso imperou e continuaram onde ainda estão. Em Tormes (santa Cruz) perto da fundação e onde são amiúde visitados por admiradores da sua obra e visitantes da Casa onde comeu o famoso arroz de favas. 

Não deixa de ser irónico que esta pequena terra e a quinta que sua mulher herdou tenha sido um sítio que ele mitificou e celebrou para sempre mesmo sem lá ter vivido tempo que mereça referência. Eça foi aqui recebido com fidalga cortesia pelos caseiros e carinhosamente tratado. Parece que até lhe emprestaram  uma camisa de dormir "de estopa" (uma camisa de note de núpcias, assevera um descendente desses honrados caseiros).

Na casa estão os poucos bens que se salvaram de um naufrágio e das difíceis deslocações dos bens aliás parcos, do escritor. E estão os livros, os manuscritos, a cabaia, a escrivaninha alta, o perfume de uma época e a dedicação dos herdeiros da casa.

As gentes da terra consideram Eça como um dos seus, provavelmente bem mais do que os lisboetas que ele retratou com agudeza e ironia. A politicagem actual, que parece saída, daquela ue ele descreveu na "Campanha Alegre", alguma (bastante) inteligentsia paroquial nacional  também alinhou pelo mesmo diapasão: "Panteão com a criatura"! Pelos vistos nõ o consideraram digno dos Jerónimos!...

Agora, sabe. -se que parte da família discorda desta nova migração ossuária. E vá de recorrer à Justiça, estragando a soleníssima festa já marada para um destes próximos dias.

Fosse eu crente e estaria agora a rir-me a bandeiras despregadas com a visão de Eça lá em cima a escrever sobre o destino terreno dos seus mortais restos. 

Mas, além de descrente, sou apenas um pobre homem de Buarcos, um "leitor (im)penitente" que assiste entre espantado, contristado e irritado aesta má acção contra Santa Cruz do Douro, a terra que alguma vez terá encantado o escritor e que o acolhia santamente no seu pequeno cemitério e cuidava amorosamente da sua campa. 

 

 

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