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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 275

mcr, 20.12.24

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"Tomemos, cá, do O'Neil..."

mcr, 19-12-24

 

 

Hoje. 19 de Dezembro. Alexandre O'Neil faria 100 anos. Para celebra a data e o enorme poeta que me acompanha desde o ínicio dos anos sessenta deixo aqui um poema menos conhecido que muito me diz pois é dedicado a Manuel Bandeira, prodigioso poeta brasileiro  que, com João Cabral de Melo Neto (outro gande) é muito cá de casa e também da de O'Neil.

Também descobri estes dois ao mesmo tempo de A O N. Acho que tenho todos os poemas e livros de qualquer dos três e a eles recorro comovido mas feliz sempre  que posso. 

No ultimo Jornal de Letras  (14 a 24 de Dezembro, nº 1414) podem ler-se com farto e gozoso proveito duas entrevistas ao poeta assinadas por outros dois amigos meus (Fernando Assis Pacheco e António Mega Ferreira que também já não andam por aí). Todavia, leitores, nesta época em que gastamos dinheiro à fartazana ofereçam-se a vós mesmos um presente: As "poesias completas" que já vão na 3`ou 4`edição  (!!!) valem o seu peso em ouro ou em prazer, a escolha é vossa

 

 

Alô, Vovô!

A Manuel Bandeira, nos seus 80 anos.

 

 

Esperei vê-lo por aqui um dia, seu dentuças,

travar-lhe do braço e contar-lhe como o Maximiliano do México foi parar ao Rossio

(toda a gente julga que é Pedro IV o pedestalizado),

apontar-lhe o frustrâneo cotovelo lusitano

no mármore dos cafés,

comer com Você joaquinzinhos inteirinhos e duma só vez,

fazer boca ou boqueirão com o vinho (que era) de tostão,

mostrar-lhe como eu e o Cinatti caprichamos nas saladas

(aqui não põem coentro na salada, calcule Você!),

saladas de alface, agrião,

coentro,

rabanete, tomate,

mais coentro,

mas «cebola, não!»…

Ch’bola, non!

… que não sai nem com o desodorizante que chamam de halazon.

Um pulo à casa onde nasceu Pessoa, sim?

(Nós não somos pessoas assim à toa, não!)

E em minha casa, à Rua da Saudade, a cavaleiro do rio,

Você podia fumar escondido dos adultos

como na outra Saudade do seu Recife de menino.

Depois: broto ou brisa

com Anarina, mas sem Adalgisa…

Atenção, Poeta: re-cepção!

Iríamos deixá-lo à porta da recepção,

da sessão de autógrafos,

de antropógrafos,

às mãos dos vestibulantes tão (p)restantes.

À saída lá estaríamos pra levá-lo ao hotel

e, esquecida a poesia, a literatura,

num repente de ternura pegar-lhe na mão:

– Sua bênção, Vovô Manuel !

Remessa

Drinka, trinca

connosco, Manuel,

sem autógrafo nem cóquetel,

que nós não podemos ter os teus oitenta,

nem com uísque, nem com água de Juventa,

Manuel!

 

*na gravura um livro de ONeil publicado pela Einaudi em 1966, com tradução de Joyce Lussu, uma intelectual italiana de grande prestígio e resistente contra o fascismo. O nome Lussu vem do marido, Emílio, também ele conhecido na esquerda europeia e italiana e autor de vários importantes ensaios entre eles "A teoria da insurreição". Ambos foram resistentes e "partigiani".  Emílio foi (depois do Partido da Acção sarda. um dos fundadores do PSIUP, senador membro da Assembleia constituinte italiana. Há mesmo um museu Joyc e Emilio Lussu que guarda um enorme espólio de obras de ambos. Durante um pequeno período Emílio e Joyce estiveram em Portugal mas ele cedo partiu para Inglaterra tendo depois entrado clandestinamente em França (ocupada) para com outros membros da Esquerda Itliana constituir um dos primeiros núcleos políticos contra o regime de Mussolini. Durante a estadia em Portugal Joyce conheceu os poemas de O Neil e preparou esta edição de "Portotogallo mio rimorso"  que comprei por duas vezes pois ofereci o primeiro exemplar a uma amiga italiana e andei mais de trinta anos atrás de um novo que já consegui na rede alfarrabista italiana, sinal que mesmo aí o poeta foi lido, apreciado e guardado.

** O título do folhetim recorda uma excelente antologia   ("Tomai lá do O'Neil", ´círculo de leitores,  1986) organizada por António Tabucchi com fotografias de  Alexandre Delgado O'Neil, 1º filho, já falecido, do poeta