O leitor (im)penitente 278
Eça degredado
mcr, 8-1-25
Eça de Queirós saiu da sua inventada Tormes em direcção a Lisboa, mais propriamente ao Panteão Nacional.
Cento e tal anos depois da sua morte, eis que o autor de" Uma campanha alegre" continua, depois de morto, a percorrer os cemitérios da pátria.
Recordemos brevemente que, falecido em França foi o seu corpo transportado para Portugal num navio militar e em Lisboa foi alvo de um enterro de Estado tendo o cortejo fúnebre sido acompanhado por uma enorme multidão.
Se relembro este facto é porque julgo que logo aí o país lhe rendeu a homenagem devida.
O jazigo onde o corpo foi depositado foi muitos anos mais tarde declarado abandonado e uma das suas descendentes entendeu e muito bem que o caixão deveria ir para o cemitério mais próximo da sua "Tormes" e perto da Fundação que leva o seu nome.
convenhamos: o panteão de eça é a sua absolutamente admirável obra que continua viva e aser lida e editada.
Há um par de anos terei recordado aqui uma crónica admirável sobre o Afeganistão onde peba certeira do escritor descreve com talento e ironia os desastres militares do Império britânico nas suas relações com esse longínquo país. Os secessivos intentos de grandes nações desde a URSS até aos EUA de controlar aquela zona copiam exactamente, mas com menos graça e maiores desgraças para o povo local e para as tropas invasoras. Tudo o que Eça escreve, desde Londres, em 1880 pode ser lido como acontecendo nos finais do século XX primeiro com os soviéticos e depois, já no século seguinte com os americanos.
A História repete-se, disse alguém e a a história da Hstória padece do mesmo mal
Os leitores apenas terão de ir ào primeiro texto das "cartas de Inglaterra" e ler, babando-se de gozo o artigo "Afeganistão e Irlanda. Está lá tudo: a inteligência, a graça, a escrita admirável, o bom senso de alguém que de muito longe olha para o mundo e o descreve com precisão cirúrgica mas amável.
Agora, mais uma vez, os restos mortais do escritor mudam de poiso. Como se isso acrescentasse um milímetro a sua obra e à procura constante da obra por parte de leitores de todas as idades.
Eu nada tenho contra Santa Engrácia que, de resto é uma bonita igreja reconvertida. Também nada tenho contra os restos verdadeiros ou imaginados do quarteirão de notabilidades que lá estão. Aliás, até me felicito por saber que ninguem, até ao momento se lembrou de retirar de lá os caixões de Carmona ou de Sidónio Pais. Os mais exaltados abrilistas que nasceram com o êxito da revolução, não se lembraram daquele venerável edificio situado perto da feira da ladra e pouco ou nada frequentado. Provavelmente, muitos nem saberiam quem eram estes dois nomeados o Teófilo Braga e Manuel de Arriaga também eles panteonizados e que pouco dizem (se é que dizem alguma coisa) às gerações mais recentes, incluindo até a minha ...)
Pelos vistos, no ano que passou foram 170.000 os visitantes do "augusto lugar". Valeria a pena saber se se trata fubdamentalmente de turistas estrangeiros, criancinhas das esscolas ou de alguma escolha mai séria de cidadãos interessados na História nacinal.
Tormes (que é apenas o nome da estação) recorda o último romance de Eça que anos antes foi a Santa Maria do Douro (concelho de Baião) reconhecer uma propriedade herdada por sua mulher. Aí se ergueu com energia, sacrifício, pertináia e apoios vários de ecianos e instituições a Fundação Eça de Queirós, obra de uma grande senhora (Maria da Graça Salema de Castro) que tive o prazer e a honra de conhecer quando desempenhava o cargo de Delegado Regional de Culrura do Norte.
Dizem-me que a população tinha enorme orgulho naquele túmulo de alguém que com simpatia e justeza descrevera aqueles montes longe de tudo. A Fundação ataía (e atrai) visitantes , desta vez sabedores do que querem conhecer conheço gente que muito fez pela obra.
No panteão, Eça é, apenas, mais um e não creio que o seu futuro poiso seja mais visitado ou propositadamente visitao como acontecia nas terras durienses de onde foi desenterrado.
A família, ou parte dela, foi favorável à trasladação e a Assembleia da República deu luz verde (por unanimidade!...) a uma proposta do PS.
Esquecceram-se as ilustres luminárias dos retratos impiedosos e hilariantes que Eça fez do Parlamento em várias "farpas" constantes de "uma campanha alegre"!
Não me atrevo a pensar no que o "pobre homem da Póvoa do Varzim" diria desta última homenagem, dita nacional. Mesmo assim, parece-me ouvir um riso escarninho e tumular soprado das folhas do livro que alguém entretanto com oum sorriso luminoso e feliz lê descansadamente à luz baça de um dia de invernia.
*na vinheta nesta estante estão três monstros da literatura portuguesa a daber, Eça, Aquilino e Camilo (Camões, Pessoa e Antero) não couberam aqu e estão nas estantes de poesia da mesma sala) acompanhados por um punhado de escritores (Isabel da Nóbrega, Cardoso Pires, Nemésio, entre outros que conheci e me acompanharam até na prisão de Caxias. Junte-se-lhes Xenofonte que frequento desde o meu 6ºano do liceu e que constantemente ofereço a quem entendo que o merece conhecer)
Na fila de baixo está um quarteirão de obras sobre Eça e no armário fechado outras tantas acompanhadas de ensaios , biografias e dicionários sobre alguns escritores portugueses. Falta ( porque não cabia) na estante das obras de EQ a edição monumental e belíssima do Centenário. que anda por aí ao desbarato. Não se vê mas estão lá em cima no canto esquerdo os quatro livros ilustrados de Eça publicados pela Lello
Vai o folhetim em memória de Joaquim Patrício Curado, meu tio, quase um irmão mais velho, que lia e relia Eça ou ensaios sobre a sua obra sem parar...