o leitor (im)penitente 279
"Retouches a mom Retour" d' Eça
mcr, 12-1-25
Pelos vistos, uma grande parte do comentariado ilustre e pago, terá entendido afirmar que Eça estava vivo e que as suas obras retratavam ainda um Portugal idêntico ao de há cento e cinquenta anos.
O colunista, ex-ministro e professor Pedro Adão e Silva vem explicar que esse velho vício português de olhar para a pátria com óculos demasiado antigos não tem razão de ser e não só não revela Portugal como ainda menos homenageia Eça.
esta é uma verdade como um punho mesmo que, nos deparemos, constantemente com alguns dos velhos vícios e laivos provincianos que, em seu tempo, Eça (e demais companheiros) fustigou.
Portugal hoje, tem pouco a ver com aquele do século XIX mesmo se ainda se percebam atavismos antigos e se possam tentar estabelecer paralelismos tão fáceis como falsos com alguma realidade passada.
Pessoalmente, nunca fiz parte desse clube que sofre de patrioteirismo mesmo se não é o de Pinheiro Chagas de quem Eça zombou vezes sem conta .
Todavia, mesmo deixando Eça em paz e não tentando colocá-lo no Portugal de hoje, coisa insensata e sem sentido, conviria lembrar que a nossa História nos fornece um pequeno rosário de escritores (ou de obras) que no seu conjunto definem muito razoavelmente os altos e baixos desta já longa aventura nacional. Pela parte que me toca sinto-me devedor dos poemas de D Dinis, de Camões tanto quanto da Peregrinação e da História Trágico Marítima. Junte-lhes os Sermões de Vieira, "as "viagens na minha terra", o "Amor de Perdição", Cesário, Pessoa, Aquilino e Hélder e poderia fixar algumas bases para uma tentativa de retrato nosso, da nossa gente, desta gente que provavelmente não pôs os pés na cerimónia do Panteão (alguém acusou a chuva, o frio mas eu tenho por mim que aquela cerimónia não excitou quaisquer ânimos, não mobilizou multidões e sobretudo não veio de qualquer modo, tornar Eça mais próximo.
Tenho, de resto, a impressão (agora diz-se "percepção"...) que a unanimidade de votos na Assembleia da República para a trasladação de Eça contou com uma fortíssima percentagem que ou o não leu ou leu-o obrigada e, sobretudo, pouco o percebeu
Sou um leitor entusiasta dele sobretudo de tudo o que não é romance. O mesmo se passa com Aquilino (mesmo o tradutor do D Quixote que não está à altura da radução, também dele, da "Retirada dos 10.000". Leio toda a sua prosa não romanesca com prazer, gozo e reconhecimento.)
Desde sempre, ou desde que a panteonização entrou na ordem do dia, entendi que Eça estava muito bem em Santa Maria do Douro, longe da cidade e perto das serras e estou de acordo com a velada ironia do Presidente da Assembleia da República que se perguntou sobre o que Eça diria daquela cerimónia soleníssima .
Parece que alguém mais "eciano" que Eça terá argumentado com um texto seu sobre a entrada de Victtor Hugo no Panteão francês. Conviria sobre isso lembrar que Eça, mais do que enorme escritor, muito claramente refere o herói da resistência contra "Napoleon le petit" . que durante quase vinte anos de exílio manteve acesa a luta pela liberdade e contra o despotismo imperial que, aliás, levou a França à derrota humilhante, em Sedan. Usar a entrada de Hugo no panteão sem esclarecer exactamente as circunstâncias e o teor do texto é má fé .
Esperemos que a fúria panteonística que eventualmente assola certa inteligentsia nacional poupe Camilo e mais um par de autores que ainda repousam em locais próximos do sítio onde viveram.