O Orçamento do Estado que se pôde arranjar
Está ao rubro a discussão sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2016. Talvez nunca como neste ano foi tão longe a análise pormenorizada de dados, indicadores, multiplicadores, taxas e impostos. Ainda bem.
Depois da clivagem entre as duas metades do país que defendiam soluções diferentes para a constituição do Governo saído das eleições legislativas de Outubro, essas mesmas duas metades de portugueses dividem-se agora quanto à avaliação que fazem do OE, da sua execução potencial e do seu impacto na economia e nos credores internacionais. Uma das metades parece mesmo torcer desalmadamente para que tudo corra mal, à espera que o poder lhe caia novamente no regaço.
Este OE não satisfaz verdadeiramente ninguém. Nem sequer os seus próprios proponentes. A título de exemplo, já ouvimos o primeiro-ministro dizer que “gostava mais da versão inicial do Orçamento” e o ministro das Finanças proclamar que “este não é o cenário fiscal que eu queria”. Não seria de esperar outra coisa de um documento que teve de procurar o equilíbrio entre o programa do PS, os acordos com os partidos à sua esquerda e as regras orçamentais da União Europeia.
Numa negociação há sempre cedências de parte a parte e terá sido isso que sucedeu. O Governo fez bem em insistir em algumas medidas emblemáticas do seu programa, mas teve naturalmente de ceder e de ir mais longe do que desejaria, nomeadamente na receita fiscal. Sobretudo porque, como observou há dias na TSF a antiga ministra Maria de Lurdes Rodrigues, a União Europeia adoptou de há uns para cá uma espécie de via única em termos orçamentais, deixando de ter lugar para acolher políticas sociais-democratas de redistribuição.
Não creio que tenha havido, nessa negociação, entradas de leão e saídas de sendeiro por parte do Governo de Portugal. O executivo manteve-se fiel a muitas medidas que aumentam o rendimento das famílias (reposição de salários na função pública, pensões e apoios sociais, redução da sobretaxa e de taxas moderadoras, fim do quociente familiar no IRS, etc.). De acordo com o primeiro-ministro, o conjunto dessas medidas ascende a 1.372 M€, enquanto as medidas de subida de impostos estão avaliadas em cerca de 600 M€, o que fará com que as famílias tenham mais cerca de 700 M€ de rendimento em 2016.
É certo, porém, que o Governo foi obrigado a alterar as suas previsões iniciais para o défice e para isso teve de aumentar a receita fiscal. É nesse balanço que encontraremos com facilidade medidas com as quais simpatizamos mais do que outras.
Não apreciei particularmente a opção de adiar a redução na TSU para os salários até 600 euros, de agravar os impostos sobre os combustíveis, pese embora a promessa de que não haverá aumentos nos transportes públicos, de aumentar o IMI para o comércio, a indústria e os serviços, de fazer cortes nos subsídios para aquisição de carro eléctrico e nas deduções fiscais nas patentes industriais.
Talvez preferisse ver prolongada no tempo a reposição dos salários na função pública, como acabou por suceder com a sobretaxa, e com certeza que não faria da reposição das 35 horas na função pública ou da redução do IVA na restauração traves mestras do meu programa.
Este é o orçamento possível no enquadramento político e económico existente em Portugal e na Europa. Se estivesse em condições de aconselhar algo ao Governo seria no sentido de que os governantes acertassem rapidamente o discurso e assegurassem uma certa prudência orçamental, como bem lembrou ontem Vital Moreira.
Portugal não está sozinho no mundo. O Governo deve bater-se pelas suas opções políticas naturalmente, mas lembrando-se que lá fora, goste-se ou não, há um carrossel, que compreende mercados voláteis, agências internacionais de rating e juros da dívida pública, a que é necessário estar muito atento.
Um discurso reflectido, concertado e assertivo será muito mais eficaz do que a proliferação de entrevistas e “anúncios fiscais” que se sucedem quase a cada dia que passa, seja sobre combustíveis, doações ou o que mais houver.