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Incursões

Instância de Retemperação.

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"Porto turbulento"

José Carlos Pereira, 03.07.17

Na sequência de um novo convite de um dos blogues mais lidos no país, publico hoje no Delito de Opinião o seguinte texto sobre as autárquicas no município do Porto:

 

"Rui Moreira apresentou no sábado a sua recandidatura à Câmara Municipal do Porto. É um mero formalismo, pois o autarca portuense há muito que assumiu esse propósito.

Rui Moreira foi eleito em 2013 por um movimento que teve a sua base na burguesia liberal da cidade, nos homens de negócios endinheirados da Foz e de Nevogilde, o meio de onde é oriundo o próprio autarca. A isso juntou o apoio mais ou menos discreto de Rui Rio, seu antecessor, tendo beneficiado, ainda, do facto de grande parte da cidade se ter mobilizado para travar a candidatura populista de Luís Filipe Menezes (PSD), que tinha deixado em Gaia um rasto de despesismo, endividamento e alguma leviandade.

A vitória de Rui Moreira, contudo, não foi suficiente para governar em maioria, pelo que o novel presidente teve de procurar quem lhe desse a mão. Manuel Pizarro (PS), que ficara em segundo lugar nas eleições, decidiu viabilizar essa aliança, contra muitas vozes no interior do seu partido, que já então se interrogavam sobre a situação em que ficaria o PS nas eleições de 2017. A aliança entre o PS e o movimento de Rui Moreira encontrou pontos de vista comuns e os socialistas acabaram a assumir dois pelouros determinantes para a cidade, habitação social e urbanismo, nas mãos de Manuel Pizarro e do prestigiado Arq. Correia Fernandes.

Tudo parecia um mar de rosas na relação entre Pizarro e Moreira, de tal modo que o PS, talvez inebriado pelo exercício do poder, precipitou-se no apoio à recandidatura de Rui Moreira, sem qualquer negociação prévia de políticas e de lugares na vereação. Estava visto que as coisas só poderiam acabar mal, como por várias vezes antecipei.

Rui Moreira, aliás, está longe de ser inquestionável e unânime – o processo Selminho, que envolve uma empresa imobiliária do presidente e da sua família, aí está a fazer o seu caminho, os tiques persecutórios em relação à imprensa fazem lembrar os piores tempos de Rui Rio, a obra pública teima em ver a luz do dia, a proliferação de jobs for the boys é evidente na Câmara e nas empresas municipais (com lugares de destaque entregues a pessoas que vão do número dois e putativo sucessor de Valentim Loureiro em Gondomar até quadros com elevadas responsabilidades na gestão de Menezes em Gaia…) – pelo que nunca compreendi o cheque em branco que o PS passava a Rui Moreira. Só para garantir alguns lugares à mesa da vereação?

Depois de declarado o apoio, de cada vez que o PS se referia à recandidatura de Moreira ou algum responsável do partido reivindicava uma participação forte nas listas, como seria natural face aos resultados de 2013, logo surgia uma personagem secundária do movimento presidencialista a dizer “alto e pára o baile”. Como escrevi em determinada altura, o PS parecia "estar prisioneiro do caminho que seguiu e completamente nas mãos de Rui Moreira e dos seus primeiros apoiantes, que olham de soslaio para tudo o que seja socialista".

Na verdade, Rui Moreira e o seu movimento inorgânico deitaram mão de argumentos serôdios para romper a aliança com o PS. No fundo, creio eu, foi o que sempre pretenderam, depois de manietarem Manuel Pizarro e de diminuírem as possibilidades de êxito do PS.

O vereador socialista e presidente da Federação Distrital do PS deslumbrou-se e foi ingénuo na forma como deixou que o PS fosse capturado pelos interesses de Rui Moreira. A sua posição como candidato é agora demasiado frágil para poder almejar a vitória. Resta saber como reagirá, no futuro, no caso de Rui Moreira voltar a ganhar sem maioria, como prevejo.

E o PSD? Perante a dificuldade de encontrar um candidato forte para disputar umas eleições consideradas perdidas à partida, avança com Álvaro Almeida, um universitário desconhecido do grande público e antigo responsável pela Entidade Reguladora da Saúde, que se limitará a procurar reunir os votos do eleitorado mais fiel ao partido. O apoio público que Rui Rio lhe concedeu vale pouco se traduzido em votos.

Nos sectores mais à esquerda, a CDU apresenta a experiente Ilda Figueiredo, que não terá dificuldade em renovar um lugar no executivo municipal, e o Bloco de Esquerda viu-se obrigado, por razões de saúde, a trocar o ex-líder João Semedo pelo repetente João Teixeira Lopes. Com este triste desenlace, o Bloco viu-se privado de um candidato que estaria em condições privilegiadas para alcançar o primeiro mandato do Bloco na Câmara Municipal e os portuenses perderam a possibilidade de contar com um excelente vereador."