Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

A voz ao mercado, se a tiver!

sociodialetica, 18.06.11

 

Do Relatório Anual sobre o Governo das Sociedades Cotadas em Portugal – 2009, publicado pela CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, pode-se retirar as seguintes informações sobre o “mercado de trabalho dos conselhos de administração”:

  • Existiam 446 cargos em órgãos de administração das sociedades cotadas que eram ocupados por 426 indivíduos diferentes. Estes administradores exerciam funções executivas e/ou não executivas, em média, em 8,2 empresas (cotadas e não cotadas), subindo este valor para 11,1 empresas entre os membros executivos dos órgãos de administração das sociedades analisadas.
  • Entre os 426 administradores, pouco menos de um em cada quatro desempenhava funções de administração em apenas uma empresa. Constatou-se, porém, que cerca de 20 administradores acumulavam funções em 30 ou mais empresas distintas, ocupando, em conjunto, mais de 1000 lugares de administração, entre eles os das sociedades cotadas
  • Quanto às remunerações dos membros do órgão de administração apurou-se que a remuneração média por administrador, incluindo componentes de remuneração variável com impacto plurianual, foi de EUR 297 mil (EUR 513 mil para os administradores executivos). As remunerações fixas representaram 55,9% do total de remunerações e as variáveis 35,2%, cabendo às restantes remunerações (complementos de pensões e outras responsabilidades de médio e longo prazo) cerca de 8,8% do total.
  • A dimensão média dos órgãos de administração aumentou nos últimos 5 anos em 1,7 membros.
  • Em termos globais, 4% dos administradores eram responsáveis por cerca de 19% dos lugares de administração, em empresas dentro e fora dos grupos. Identificaram-se 17 administradores que acumulavam lugares de administração em 30 ou mais empresas, havendo um caso de um administrador que pertencia ao órgão de administração de 62 empresas. No outro extremo, cerca de 100 membros dos órgãos de administração afirmaram desempenhar cargos apenas na sociedade, dos quais 28 tinham funções executivas.

Destes dados pode-se tirar alguns breves apontamentos:

  • Estamos perante um mercado em que há forte interferência administrativo-politica.
  • Há um pluriemprego, socialmente assustador, em diversas situações, indicativas de uma impossibilidade de exercer adequadamente as diversas funções que desempenham.
  • O relatório não diz, nem tinha que dizer, que alguns desses cargos são uma forma eufemística de pagar os favores que o exercício de um cargo político pode trazer, o que também impede o “livre funcionamento do mercado”.
  • Num país com o salário médio tão baixo, as remunerações auferidas pelos administradores são um indicador de que o “mercado não funciona”. Para que isto acontecesse seria necessário incluir na administração das empresas a ascensão vertical nas empresas que, a partir de certo nível, não existe. Seria também conveniente ter em conta os milhares de jovens que anualmente estudam para serem gestores, a quase totalidade sem um “papá” que fure obstáculos a conselhos de administração.
  • Numa época, pois já estamos a falar de um ano de crise, em que a palavra de ordem política e empresarial é reduzir os postos de trabalho, o aumento dos administradores é uma violação dos sagrados princípios troikianos.

Nós sabemos, tão bem como Bertolt Brecht, quão difícil é governar. Nós sabemos quanto suor escorre da testa dos administradores em cada dia de governação. Mas também sabemos que em qualquer livraria se encontram muitos livros que ensinam como enriquecer em poucas horas de vida.

Em conclusão, há que lutar pela flexibilização do mercado de trabalho dos administradores e “dar voz” a esse mercado, como já tinha levantado num apontamento feito neste espaço.

Porque será que a troika, Merkel e outras mentes brilhantes se esqueceram disso?