A propósito das comemorações do Dia Mundial do Saneamento – a 19 de Novembro – vieram a público várias reflexões sobre a temática da água e do saneamento básico em Portugal, uma matéria decisiva para a qualidade de vida das populações. Pese embora o esforço desenvolvido nas últimas décadas, com o apoio dos fundos comunitários, Portugal continua a ocupar os índices mais baixos, entre os países da União Europeia, nos indicadores de abastecimento de água e saneamento.
O actual Governo iniciou funções com o propósito de concentrar os diferentes sistemas multimunicipais e de avançar para a privatização da EGF – Empresa Geral de Fomento, responsável pela área dos resíduos, e da Águas de Portugal. Justificações não faltavam: os sistemas têm performances desiguais, as regiões e os municípios têm realidades muito distintas entre si, o défice tarifário cresce todos os anos, as perdas nas redes são enormes e a entidade reguladora não tem sido capaz de “arbitrar” convenientemente o sector.
A concentração e a privatização surgiam, então, como a forma de minorar o efeito dos sistemas menos eficazes e mais endividados, de forma atrair o interesse de grandes grupos internacionais. Contudo, os maus exemplos existentes em várias concessões de exploração de âmbito municipal, onde algumas multinacionais do sector já estão presentes, terão reforçado as cautelas do executivo e particularmente do novo ministro Jorge Moreira da Silva, que sabia de antemão que a entrega do sector das águas a privados era uma matéria que dificilmente recolheria consensos alargados.
O ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território já veio dizer que a privatização das águas “é uma possibilidade, não uma inevitabilidade” e que a prioridade, agora, reside na concentração e reestruturação do sector. Decidida está a apenas a privatização do sector dos resíduos, reunido na EGF, que está a suscitar o interesse dos chineses da Águas de Pequim e dos brasileiros da Odebrecht.
Entre avanços e recuos governamentais, é para mim claro que o executivo não pode deixar de dar uma resposta aos municípios portugueses que estão capturados, é o termo, por concessões ruinosas a privados.
É evidente que as más decisões foram tomadas pelos autarcas que aprovaram essas concessões, mas os principais prejudicados são os portugueses que vivem nesses locais, seja porque são de alvo tarifas de montante incomportável, seja porque as autarquias tentaram renegociar os termos das concessões e estão “prisioneiras” dos tribunais, seja porque, perante o cenário existente, investimentos em infra-estruturas que há muito deviam estar prontas continuam a ser adiados. E se a responsabilidade política foi dos autarcas, foi gritante a incapacidade da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos de intervir como verdadeiro agente fiscalizador e defensor do interesse público.
De vez em quando deparamos com exemplos desses nas páginas dos jornais, mas o caso que acompanhei de perto, enquanto autarca em Marco de Canaveses, das Águas do Marco, uma participada do grupo AGS, é paradigmático da forma como não se defende o interesse das populações, que vivem ainda hoje, nesse concelho, com níveis de cobertura de água potável e saneamento inferiores a 30% do concelho.