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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Luanda Leaks

José Carlos Pereira, 22.01.20

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Sucedem-se nos últimos dias as revelações sobre a acumulação de riqueza de Isabel dos Santos a partir da subtracção de avultadas quantias do erário público angolano. É caso para dizer que o jornalismo se prestigia quando investiga casos de grande relevo público e acaba a pressionar reguladores e elites empresariais e políticas, que agora se deparam com o que sempre esteve à vista de todos.

Muitos cooperaram com o regime angolano e com a nomenclatura Dos Santos, fechando os olhos ao que era evidente. Um dos casos paradigmáticos foi a prontidão e a lisonja com que a Câmara Municipal do Porto entregou a medalha de ouro da cidade a Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos, em troca de uma exposição de arte contemporânea africana e da prometida instalação de uma fundação...de que agora se perdeu o rasto.

Schulz, Angola e Portugal

José Carlos Pereira, 09.02.12

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, sentiu necessidade de vir explicar as suas declarações num recente debate em Bruxelas, amplificadas nos media portugueses, segundo as quais teria criticado a excessiva colagem de Portugal ao investimento angolano e que isso representaria o declínio do nosso país. Refere agora Schulz que o que pretendeu dizer foi que os países europeus devem estar mais próximos uns dos outros e serem mais solidários. Se os países mais frágeis não tiverem os apoios de que necessitam dentro da União Europeia isso significará o fracasso europeu. Assim seja.

De todo o modo, isso fez-me reflectir sobre o protagonismo que os capitais angolanos têm actualmente em Portugal e a forma ostensiva como se apresentam. Depois do imobiliário e do comércio de luxo, os angolanos estão nas empresas dos mais diversos sectores e ocupam posições dominantes em áreas estratégicas. É demais? Não sei. O que me parece claro é que não é saudável para a relação entre os dois países que essa afirmação económica seja tão ostensiva. Tal comportamento não pode servir para reparar mágoas antigas...

O episódio da recente mudança na administração do Millennium bcp, comandada a partir de Angola à vista de todos, antes de qualquer Assembleia Geral, não me parece um exemplo feliz e uma atitude a repetir. Muito menos o corrupio no Ritz sob as luzes dos fotógrafos do "Expresso"...

Verão de 95

sociodialetica, 16.03.11

Estrada poeirenta. Montes de lixo desleixadamente acumulados junto às toscas habitações que traçam o desenho do percurso a seguir. No cimo do morro à direita os contornos do mercado Roque Santeiro, de mil cores e trocas, informal de nome, rico em negócios, poderoso em influências, formal, estatal, organizado nos apadrinhamentos. Caminhamos para Cacoaco no deslumbramento da cidade que fica no esquecimento das nossas costas.

Poucos quilómetros rodados a paisagem modifica-se. Há hortas, há plantas, há espaço. Também há empresas, pessoas e povoações.  Marcados pela urbanidade de um mundo selvagem de cimento, azáfama, esquema, loucura e intranquilidade estranhamos o que vemos, como se o rodopiar agreste da estrada nos impedisse de admitir que para além houvesse mundo.

As linhas de caminho de ferro que há muito não sentem o deslizar das rodas surgem aqui e além, entre estrume, mercados e a sonolência de hoje à espera do dia de amanhã que talvez exista. Linhas paradas mas que continuam a servir com as suas vigas para delimitar terrenos de nada, balizar imundices e esgotos onde as crianças brincam, pescam e ignoram que há um mundo diferente.

A pequena vila surge no desvio de um buraco do maquedame gasto. Azáfama de comércio rudimentar, face visível da produção que quase nunca nasceu. Pequenos restaurantes improvisados, de marketing apurado na captação dos poucos que vão chegando.

Depois de almoço tranquilo, mescla de sabores portugueses e angolanos confeccionados por patroa de grossas almofadas saindo pelos interstícios das roupas largas, procuramos onde labutava vidreira. É aí que nasce a esperança de encontrar lagosta em mercado conhecido.

Ei-lo à direita, em pequeno planalto, recuado na soleira do sol descoberto de cacimbo. Depois do ataque inicial de vendedores de limões, camarões, linguados e outros manjares, feitas as primeiras compras em saco plástico de ocasião, a preços que desconhecemos no contexto da sua ridicularia, percorremos as leiras entre montes de mamões, papais, jibungo, carvão, galinhas, medicamentos, quiabos, vinhos, garoupas e tudo o mais que a imaginação aprouver.

Ignorada a nova moeda são os velhos kuanzas que contam: muitos milhões por qualquer coisa. A nossa tez e maneira de estar e andar não os engana, habituados como estão à caça, ao assalto à presa desprevenida: temos direito à compra de outras mercadorias como de fardos de que se querem livrar. Aquela criança, um mês no máximo, é-nos oferecida por mãe solicita. O seu preço é em dólares. Quatro, que a vida está cara. Bem podemos recusar que o fardo está pesado. Mas a solícita mulher de sorriso de vendedor habituada a essas andanças não desarma. Afinal não percebe porque recusamos oferta tão vantajosa. Uma criança,  animal de leite, por quatro dólares nem está muito mais caro que as galinhas, linguados ou mamão. Até é mais barato que o camarão. E sempre valia mais despachá-la aqui do que esperar pelo novo mercado de fim de semana ou abandoná-la em local ermo da aldeia onde habita.

Como é diferente o mercado em Angola, porque hoje é sábado!