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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 536

d'oliveira, 20.10.22

gasoduto para quê?

mcr, 20-10-22

 

O dr. António costa (com a colaboração eventual dos senhores primeiros ministros da Espanha e da Alemanha) anda de há uns meses a esta parte a propor a ligação de Sines por gasoduto às franças & araganças. 

Pelos vistos os navios carregados de caz liquefeito chegavam aquela simpática povoaçãoo alentejana, descarregavam o gaz que seria modificado para poder ser transportado em gasoduto e daqui seguiria, atravessando Portugal e a Espanha, para um destino europeu mais propriamente para a Alemnha e restantes países a montante. 

O sr Macron fez sempre má cara a tal projecto alegando que era desnecessário e, sobretudo caro. O sr Macron tem na sua bela terra de França vários portos capazes de receber osm mesmíssimos barcos que viriam a Portugal.

Por outro lado, as más línguas sempre anti-patrióticas!, alegam que este projecto é caro, caríssimo e que Portugal não possui tecnologia para o levar a cabo, tão pouco o quer pagar mas apenas receber a comissãozinha devida à descarga em Sines e ao atravessamento do território.

Percebe-se mal a posição de Espanha que tem gasodutos a dar por um pau e, sobretudo três portos de mar muito mais próximos dos Pirineus. A saber Bilbau, Valência e Barcelona.

Por outro lado, hoje mesmo foi assinado um acordo para estabelecer um gasoduto entre Barcelona e Marselha, sempre debaixo de água (ao contr´rio do proposto ou apadrinhado ou sugerido ou sonhado por Costa. 

Também parece estranho que, havendo às portas da Alemanha (em Roterdão, na Holanda) um porto imenso e dotado de tudo inclusive de terminais petrolíferos não se pense nesta cidade.

Eu sou pouco de ver televisão nacional mas ontem, por imperdoável descuido, enquanto esperava por uma reportagem sobre os impressionistas, caí na SIC Notícias  ouvi cinco doutos cavalheiros que, com inefável doçura e maldosa insistência estraçalharam a ideia do gigantesco cano através da península.

As criaturas citadas pareciam portuguesas e, sobretudo conhecedoras deste tipo de coisas ligadas à energia.

O argumento de vários portos muito mais próximos do centro da Europa e aptos a receber o gás pareceu-me sensato mas, como já afirmei, disto sei tanto como de poesia tártara do sec. XVI. Ou menos ainda, se possível.

Porém a geografia, o bom senso e o facto insofismável de certos países do centro europeu estarem bem mais apetrechados em técnicos, tecnologia deste ramo, leva-me a olhar com benevolência para umaa hipótese longínqua de Portugal e do Alentejo. 

E há ainda o problema simples mas definitivo de saber quem paga. Alguém acredita que o dr. Costa pense pagar do aflitivo bolso dos portugas um único tostão (ia a dizer cêntimo mas este é mais caro do que aquele) os custos seguramente substanciosos do cano, mesmo que só de Sines à fronteira. 

Alguém avisa que anda por aí nos espíritos iluminados a ideia de depois se pensar em hidrogénio verde que seria igualmente fabricado em Sines com auxílio da aguinha do mar que, para já está barata. Seia apenas necessário um estrutura dessalinizadora do género da que existe em Porto Santo ( mas maior, muito maior!) A referida estrutura cujo interesse não refuto seria aliás utilíssima no fornecimento de água para a malta beber, tomar banho, regar os campos, encher as piscinas e cuidar dos campos de golf  que medram em todo o lado como coelhos.

Estes meses de secara pura e dura serviram para nos avisar que o futuro hidrológico nacional está, digamos, comprometido. As barragens estão a 7% ou pouco mais. As chuvas fazem-se mais raras, a Espanha corta nos caudais dos rios internacionais, as energias alternativas dependem de factores que não dominamos sejam eles o vento ou a quantidade de sol.

Como acabámos com as centrais a carvão que agora, nesta crise fariam um jeito do catorze, como não usamos (nem queremos, Jesus, Maria, José” Abrenúncio! ) Centrais nucleares  estamos um bocado à rasca (permitam-me a expressão a que só recorro para não usar outras mais vicentinas que aprendi em Buarcos, menino e moço logo no primeiro dia de escola. Convém informar que à chegada a casa, agarrei o meu irmão mais novo e às escondidas no pátio repeti a dúzia de palavras aprendidas , coisa de que ele ainda hoje se lembra apontando-me um dedo acusador...)

Voltemos, porém ao gasoduto apenas para fingir que perguntamos ao dr. Costa e aos outros cavalheiros (e não são assim tão poucos mas sempre igualmente sapientes!) quem paga o cano. Qual o prodigioso serviço que prestará aos portugueses entre Sines e Elvas.

Também perguntaria, se valesse ac pena, em que pé está o estudo do famoso hidrogénio verde para exportar.

E arriscaria perguntar, hoje estou impatrioticamente curioso!..., se os restantes países europeus não saberão sobre o assunto o mesmo ou, blasfémia! mais do que nós?

Eu sei, oh se sei, que Portugal é um torrãozinho de açúcar, um jardim à beira mar plantado, nação valente e imortal, que demos mundos vários ao mundo (e não soubemos guardar ao menos um para a rapaziada...) mas uando vejo a imaginação teatral de uma heroína de Gil Vicente subir à cabeça de um cavalheiro político fico com algum receio. Como se lembrarão os cultos leitores, uma camponesa levava um bilha de leite à feira. Tinha a intenção de o vender e comprar ovos de pata com para incluída, o que daria patinhos que, engordados valeriam muitos morabitinos com os quais a intrépida moçoila com mais dois negócios faria fortuna e arranjaria dote capaz de seduzir algum vilão ricaço e bem parecido. E esta ideia, aliás excelente, tê-la-á feito dar uns passos de dança e, zás, catrapás!, deixou a bilha espatifar-se no chão perdendo todo o leite! 

Todavia, parece que já ninguém lê o mestre Gil como também não lê os outros, aliás. 

 

(o texto que agora aqui se publica é o resulta de uma ida a uma gentil dentista que armada com tremendos objectos, ajudada por uma luz intensa e pidesca, me tirou uma raiz de um dente deixada por uma anterior colega! Convenhamos que não doeu mas impediu-me de almoçar umas riquíssimas sardinhas, estou com a boca a latejar, não pude beber o meu chá e provavelmente, amanhã, quando for pelas primeiras bicas terei de as deixar arrefecer antes de as englutir.

Arre!   

 

 

au bonheur des dames 412

d'oliveira, 30.09.21

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...Outra na ferradura

mcr, 30-9-20

 

 

Sei bem que o trocadilho que estou a usar não é do melhor gosto mas também sei que, no caso em apreço, o visado não merece mais trabalho.

Vejamos então: correu nos mentideiros habituais que em Portugal são a única fonte possível de notícias descarnadas e sem o tal toque de fantasia com que costumam adornar-se, que o sr Ministro Cravinho não gosta do chefe de Estado Maior da Armada.

Pelos vistos, este, terá sido demasiado sincero quanto a algumas opções ministeriais. Convirá, entretanto, esclarecer que as opiniões expendidas pelo CEMA tiveram lugar no local próprio e altura própria nada transpirando para o exterior. De todo o modo o almirante em questão disse o que entendia dever dizer porque lhe foi pedido/perguntado/sugerido tal

Ora a opinião do representante da Matinha não coincidiu com a do Ministro. Todavia, isto, este desencontro de ideias é exactamente o que pode ocorrer sempre que o sr. Ministro quer saber qualquer coisa. Umas vezes haverá concordância, noutras reticência. É normal e o contrário seria surpreendente.

Portanto, desde há duas três semanas corri o zunzum de que o Ministro queria “despachar” o marinheiro para uma qualquer doca seca e substituí-lo por alguém que parecesse mais concordante.

Entretanto, e paralelamente, começou a falar-se no vice-almirante Gouveia e Melo que estava já de âncora levantada do seu último teatro de operações. Dizia-se té que, caso não se encontrasse tarefa digna deste excelente servidor público, ele teria de passar à reforma por qualquer razão que já não recordo.

As condições para uma tempestade perfeita combinaram-se. Gouveia e Melo, justamente aureolado, pelo êxito de uma missão limpa e honrosamente cumprida, aclamado dentro e fora do país , parecia ser um bom substituto para o CEMA que entretanto só terminaria normalmente o seu mandato em 2023.

E assim, pela calada, o sr Ministro, chamou o CEMA para em conversa privada, sem conhecimento do “comandante supremo das forças armadas” (isto é, do Presidente da República que no caso é sempre chamado a intervir) e informou este oficial superior e, pelos vistos, reconhecidamente competente, que não engraçava com a sua cara, ou com as suas opiniões (sempre estrictamete reservadas) ou com seu modo de fazer a continência.

E sempre pela calada, esperava o senhor governante que o almirante saísse de cena (se possível pelo seu pé...) para espantar o mundo com a nomeação de  Gouveia e Melo.

Ocorre, porém, que o Presidente da República, que é quem nomeia os altos cargos das forças armadas, ficou furioso por, sem lhe dizerem nada, resolverem armar uma borrada em que ninguém ficava bem (Presidente, ministro, demitido e convidado).

Resta saber se Gouveia e Melo sabia disto ou se, na altura certa, seria apanhado na rede  de pesca. Ao Governo convinha muito, uma figura altamente prestigiada e conhecida dos portugueses. Mais: difícil seria para o convidado escusar-se sobretudo se o CEMA saísse por seu pé. Ou por claro desentendimento público com o Ministro (aliás ninguém sabe se há ou não divergência forte de opiniões, divergência insanável que não permite coabitarem juntos no mesmo barco. Por junto, fontes eventualmente próximas do Ministro terão veiculado para fora esses desaguisados mesmo sem os precisar).

O PR que é, eneste caso com razão, muito senhor do seu nariz, interveio com fogo a toda a peça avisando com meridiana clareza que, com ele, não há batalhas navais de papel. Que isso é para meninos rabinos, nas aulas chatíssimas que tem de aguentar.

E está lançada a polémica pelo país.

Disto, desta eventual tonteirada ninguém, ou poucos, saem bem. Mal sai sem dúvida o Ministro que já tinha estado no centro do furacão da nova lei sobre a questão das chefias das forças armadas. Oficiais generais na reserva, incluindo os mais prestigiados, tinham manifestado o seu incómodo. Os oficiais no activo, remetidos ao silêncio dada a especial disciplina que os inibe, calaram-se de tal odo que nem sobre o tempo que faz se pronunciavam. Tanto silêncio, tanta reserva, também acabam por ser ruidosos...

Gouveia e Melo que saiu pela porta grande, está queira ele ou não, metido numa camisa de onze varas que provavelmente não merece.

 Ministro não tuge nem muge depois da declaração bombástica do Presidente. Noutro tempos, uma criatura demitia-se mas agora é o que se sabe. Nem o Cabrita, coitado, tão bombo da festa, se lembra de bater com a porta.

Há neste Governo, como aliás observavam vários comentadores (de Júdice a Pacheco Pereira, de Marques Mendes a Lobo Xavier, entre uma multidão de outros – exceptua-se a srª deputada Ana Catarina Mendes para quem, como Pangloss, tudo corre pelo melhor no melhor dos mundos -) algumas criaturas que querem sair mas não sairão sem um lugar aprazível onde descansar das caseiras governamentais, outra não querem sair nem a tiro e outras que preferem andar aos tiros aos colegas – é o caso do ministro das perninhas alemãs a tremer de pavor -  enfim uma trapalhada. E o dr. Costa impávido e gordinho como lhe compete....

Se alguma coisa, depois, do trambolhão das autárquicas, não convinha a ninguém, mesmo aos que entendem que o Governo está esgotado, fragilizado, encostado às cordas, sem chispa, agarrado à futura bazuca, era que agora se visse alguém na forja a dar uma no cravinho e outra na ferradura.

Mas é o que temos...

 

 

Au bonheur des dames 412

d'oliveira, 23.08.20

O galo que faz serenatas

mcr, 23 de Agosto

A vida numa quinta, mesmo convertida em alojamento local não escapa ao que a rodeia Nesse contexto (não ministerial, como está na moda – e quem sou eu, velho e descartável, por enquanto escapado à tragédia dos lares, sejam eles quais forem, para não assumir patrioticamente a definição da senhora Godinho?) um galo, que confunde a noite com a madrugada, não é nada de excepcional. Provavelmente, é a maneira do galináceo protestar conta a invasão do interior pelos prófugos lusitanos temerosos das multidões estivais e marÍtimas, atemorizadas pelas recomendações por vezes ilógicas da DGS ou de alguns opinion makers apressados (e não me refiro a nenhuma figura nacional como alguém, cavilosamente, poderia acusar-me). De todo o modo, não me posso queixar da escolha do local de férias, mesmo se a palavra férias não seja a melhor para se aplicar ao meu caso. Em férias estou eu há anos, depois de ter suado as estopinhas servindo um patrão que, não premeia o mérito mas apenas, e mal, a antiguidade e a subserviência política. Todavia, a família tem a força que tem e um neto ainda mais. Força e irrequietude se é que a palavra existe: como é que um menino de dois anos e meio consegue escapulir-se à mínima distração de quatro adultos prevenidos é que é um mistério dos gordos. Mas, de facto, o pequeno guerrilheiro aproveita qualquer vago indício de distração e ei-lo que corre desabaladamente em direção à piscina. É duvidoso que, uma vez lá chegado se precipite nas águas mas nestes casos não se pode confiar nas nossas dúvidas metódicas ou não. E lá vai um adulto em corrida célere para o apanhar... Os dias passam sem pressa nem outros sobressaltos. Aqui acaba por haver tudo ou quase. Falta o jornal (o Público) que estranhamente só é recebido ao domingo! Porquê ao domingo eis outro mistério. Entretanto, informaram-me que, antes do covil chegava todos os dias. Agora é o que se vê. Vamos lá que o Expresso também aparece! No meio disto tudo e deste dolce farniente, estou a aclimatar-me ao I Pad. E não é coisa assim tão fácil, habituado que estou aos Mac que uso. Eu já sabia disso mas, desta vez, nem hesitei. Aproveito a companhia caminha entrada e do meu genro e lá vou tentando. Este é primeiro post dessa nova era informática. A ver vamos como sai. À cautela termino aqui Bom Verão para vocês que me aturam

Au bonheur des dames 475

d'oliveira, 15.03.19

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Instantâneo na cafetaria

mcr (nos idos de Março)

 

Odeio a apalavra “cafetaria”: trata-se de um espanholismo mais do que dispensável mas que se impôs devido ao desuso de “café”. Hoje, os estabelecimentos do género foram desaparecendo ou transformaram-se em pastelarias-padarias, com um vago serviço de refeições que, elas mesmas, não são exactamente almoços e, muito menos, jantares, mas apenas um desafogo da fome que nos dá por volta do meio-dia, uma hora.

Eu, que já não me posso considerar uma novidade (eis outra palavra decaída: dantes novidade era bem mais do que uma notícia acabada de chegar. Significava também alimentos frescos, da estação, entre muitas outras coisas. Novidade era frescura, algo que, no capítulo da alimentação também já vai carecendo de sentido) ainda recordo os grandes cafés de antigamente, aqueles a que se era fiel toda uma vida, onde se podia até receber o correio e recados variados.

Havia cafés que além dos salões de jogo e dos bilhares ainda ofereciam outros serviços. O “Montecarlo” em Lisboa até tinha barbeiro, vejam lá. Para já não falar dos engraxadores, oficiais de ofício humilde mas útil que nos davam um ar novo e resplendente ao sapato. Hoje, também, os sapatos de couro vão desaparecendo, melhor dizendo, vão-se reduzindo a uma clientela rica, a única que pode dar-se ao luxo de comprar sapatos portugueses de grande qualidade e preço compatível.

Mas os cafés lá vão acabando, tornando-se mais pequenos, mais cafetarias, já quase não há bilhares e os que há são de snooker, ou melhor de uma variante do snooker que é bem distinta e mais fácil do que aquela modalidade que o Eurosport oferece amiúde e me põe doente só de ver como aqueles jogadores dominam a arte. Eu tenho cá por casa uma mesa de bilhar, bilhar francês , versão normal, nada daquelas grandes mesas onde se jogavam partidas “às três tabelas”. Mesmo assim, já não tenho parceiros e contento-me em jogar sozinho contra mim próprio o que, convenhamos, é pouco interessante.

 

Mas, como escrevia, estou na “cafetaria”. Contra o costume é agradável, o serviço é eficiente, há algumas ofertas originais para petiscar e, no inverno, há uma lareira enquanto que, no verão há ar condicionado. E fica mesmo em frente da porta da garagem...

 

Ao meu lado, uma senhora escreve com a mão esquerda. Canhota, portanto. Que inveja lhe tenho. Sou canhoto, canhotíssimo faço tudo com a esquerda, menos escrever. Naquele tempo, a escola primária (que alguém dizia que era “risonha e franca”) não estava preparada para meninos canhotos. Fui obrigado a aprender a escrever com a mão direita. Nem sequer me passou pela cabeça queixar-me em casa. Quando, muito mais tarde, falei disso, o meu pai perguntou-me porque é que eu calara aquela horrenda violência. Tarde piei...

Durante anos a minha caligrafia era mais indecifrável que o linear b. Tive de aprender a desenhar a letra. E tão bem o fiz que toda a gente ma gabava. Só eu me queixava de tantos anos de tentativas e de não ter aprendido a escrever com a mão que faz tudo.

Nem imaginam quanto me custa ver outros a usar a esquerda para escrever. E parece que se multiplicam esses canhotos felizes, raios os levem.

É verdade que (com grande dificuldade, há que dizê-lo) consigo escrever com a esquerda mas o que sai é uma caligrafia miseravelmente infantil, sinal indelével de um tempo outro em que, sob outro nome, já havia um politicamente correcto provavelmente menos perigoso e imbecil que o actual.

Vivemos, como afirmava o poeta, tempos realmente extraordinários, em que tudo parece possível e, ao mesmo tempo, extremamente perturbantes: há por aí alguém que seja capaz de me explicar o que se passa com os ingleses, melhor dizendo, os britânicos? Que é que aquela gente quer? Se é verdade que irlandeses e escoceses (e boa parte das classes mais educadas e jovens) votaram contra o Brexit, se como tudo parece indicar, a vida tornar-se-á mais complicada ecara para todos, como é que houve tanta gente a preferir sair da Europa?

O caso mais extraordinário é o do País de Gales grande beneficiário dos fundos europeus e maioritariamente contra a mão que trazia uma cornucópia de euros. Também não deixa de parecer extravagante que seja um pequeno partido do Ulster p principal apoio da senhora May uma fraca cópia de Margareth Tatcher, a dama de ferro. Uma fronteira a sério nessa ilha poderá trazer (ou trará inexoravelmente) a guerra civil larvar que ausou milhares de mortos e consequente miséria mesmo à minoria protestante irlandesa. Sobretudo, quando se vê actualmente uma República da Irlanda próspera e liberta da férula católica que a asfixiava. A Grécia, há pouco tão incensada, por alguns radicais portugueses (que entretanto já não podem ver o senhor Tsipras, herói decaído das senhoras mais representativas do BE (será que o substituíram pelo grande burguês Varufakis ou mais tolamente ainda pelo venezuelano Maduro ou pelos resquícios autoritários do sandinismo que atormentam a Nicarágua?)

E já que se mencionou a Venezuela, então o famoso apagão da semana passada é obra dos americanos? Isto quando se sabe que a principal central eléctrica (Guri) esta sem manutenção há mais de dez anos e reduzida a um terço ds suas possibilidades, como desde há dez anos já se afirmava. Se não foi o traiçoeiro Trump foi o senhor Guaidó... espantalho conveniente num país one há anos falta tudo excetpo a fome, as prisões políticas e os mortos em manifestações pacíficas.

Eu, que já não sou uma novidade, ainda me lembro de um famoso apagão em Nova Iorque que teve consequências tremendas. Olha se os americanos se tivessem lembrado dos mais recentes inimigos vietnamitas (a guerra durou até 1975) ou do “inimigo interno” (estudantes protestatários, black panthers ou outros grupos negros de direitos civis) o que não se teria então dito. Pelos vistos, agora, a versão de Maduro obtém o assentimento beatífico de meia dúzia de cidadãos portugueses, alguns dos quais piedosamente calados durante o Estado Novo. Naquela época o silêncio destes agora buliçosos indignados e venezuelófilos (o neologismo é da minha responsabilidade) permitia conservar os empregos na função pública e escapar ao serviço militar nas colónias, nas frentes de guerra activas e perigosas.

Raios me partam, canhoto que sou, não percebi que estar calado poderia ter-me evitado tantos dissabores e, ao mesmo tempo, permitiria apresentar-me, hoje, de cara lavada e impecável (mas imaginativa) folha de serviços anti-fascistas, anti-imperialistas e anti mais qualquer outra coisa que me viesse à ideia ou estivesse na moda.

Dia seguinte:

Entretanto, mudei de poiso matinal. Na esplanada de sempre com vista desafogada para o jardim. O sol (primavera antecipada que iremos pagar com uma valente seca lá mais para o verão) entra pela vidraça do teto e acerta-me em cheio na cabecinha pensadora. O sr. Luís, dono do pequeno local jura que já encomendou uns panejamentos de lona para proteger a clientela mais sensível a estes excessos luminosos. Só que... ”o sr. dr. Já sabe. Neste país tudo é para se ir fazendo e nada para se fazer já. A encomenda foi feita no ano passado e já vamos em Março...”, lamenta-se.

É bem verdade. Vivemos de projectos, de promessas, de antecipar o futuro para melhor prolongar o passado pegajoso, lento e ineficaz que trazemos no ADN.

Veja-se, para não ir mais longe, o triunfo daquela triste criatura que comanda a lista do PS às europeias. No seu mandato, as promessas acumularam-se. No que toca à ferrovia foi o que se viu. A realidade, sempre essa miserável que só faz desfeitas aos políticos, é menos buliçosa: faltam comboios, falta pessoal de manutenção, as linhas do Oeste (Figueira da Foz –Lisboa), do Algarve e do Sueste funcionam ao pé coxinho, melhor dizendo com os dois pés coxinhos. Em todas as circulações eliminaram-se comboios e, mesmo assim, o atraso é a regra. As linhas de Sintra e de Cascais que carreiam para Lisboa, centenas de milhares de trabalhadores, tem horários rarefeitos tem menos composições, e as que ainda circulam já deveriam estar retiradas por terem ultrapassado há anos o prazo de validade. Um dia destes há uma desgraça e vai-se a ver nunca aparecerão responsáveis. Ou aparecem os do costume, uns desgraçados que não mandam nada, que ganham uma miséria e que são obrigados a conduzir aquilo, aquelas latas de sardinha sobrecarregadas sob pena de, se o não fizerem, se reclamarem, se denunciarem o previsível naufrágio, serem despedidos.

Os polícias manifestaram-se: parece que no que toca a aos de serviço perdidos ainda estão pior que os professores. Parece também que não há subsídio de risco, que não lhes é reconhecido o estatuto de profissão de desgaste rápido, que as esquadras (ou uma significativa parte delas continuam a ter deploráveis condições, para já não falar na falta de viaturas e de outros meios. Felizmente que os criminosos indígenas são mansos e, muito portuguesmente, pouco activos. A apregoada segurança dos cidadãos deve-se não à capacidade policial mas apenas à frouxidão endémica do crime local de baixa produtividade o que, aliás, está de acordo com as mais recentes estatísticas sobre o trabalho nacional. Há males que vem por bem!

* a ilustração: acidente de comboios em Alfarelos. 

 

Au bonheur des dames 474

d'oliveira, 08.03.19

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o oito de março devia ser todos os dias, há de ser todos os dias

mcr, 8.3.2019

 

Se l'operaia non va in paradiso, non va in paradiso è perché
Non sa come andare avanti
se la prende coi padroni, se la prende coi padroni e con i santi
E dio si arrabbia e non la vuole più.

Se l'operaia non va in paradiso, non va in paradiso è perché
Sta a guardare le signore
e si chiede che cos’hanno, e si chiede che cos’hanno di migliore.

Non ha tempo per i figli
Crescono in casa come conigli
Si lamenta del suo stato
Produrre, far l'amore e fa’ ‘l bucato.

Se l'operaia non va in paradiso, non va in paradiso è perché
ha perduto la pazienza, 
non le va di fare più, non le va di fare più la riverenza
E Dio si arrabbia e non la vuole più.

 

para Anna Maria O., florentina, ourives, a quem num momento de estravagante mas nunca lamentada loucura amororosa ofereci "Portogallo mio rimorso" de Alexandre O' Neil . Demorei mais de trinta anos a reencontrar o livrihoe outros tantos a não esquecer este amor de verão su la spiagia, stessa spiagia, stesso mare...

(leitoras - se as há, a letra da canção vai no original pois parece fácil de traduzil e  mais de entender)

*na gravura: "maternidade" etnia Bulu 

Au bonheur des dames 472

d'oliveira, 08.02.19

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Isto é como as cerejas

mcr 7/8 de Fevereiro 

O Sr. Presidente da República foi ao bairro Jamaica porque a) é o presidente de todos os portugueses; b) não pede o cadastro criminal a quem o abraça e se fotografa com ele.

Nada a opor. Nada é um modo de dizer. Corre nos meios próprios um processo sobre o que realmente se passou durante uma intervenção policial. Tudo indica que alguns moradores, mormente uma família jubilosamente fotografada com o mais alto magistrado da Nação, se envolveram num confronto duro com agentes policiais. Segundo uma testemunha do mesmo bairro foi “natural que um dos agressores civis tivesse atacado um ou vários policiais porquanto um (ou vários) destes estariam a agredir um familiar”. Isto passou vezes sem conta na televisão e as imagens não permitem verificar quem começou o confronto. Verdade se diga que essas imagens vem de um habitante local e não é garantido que não tenham sido manipuladas antes de serem dadas à publicidade por alguém.

O sindicato dos polícias terá reagido duramente afirmando que o presidente tomou partido por uma das partes ao mesmo tempo que se tem sistematicamente negado a verificar as condições a que os agentes estão submetidos (desde a miserável situação de muitas esquadras onde não há condições de qualquer espécie até à falta de meios. O sindicato acrescenta que a exígua força policial em causa foi chamada ao bairro para pôr fim a uma zaragata; que qualquer entrada em muitos bairros degradados se torna sempre problemática devido à hostilidade dos residentes; finalmente, que estas situações de embate e confronto resultam sempre em violência bilateral porquanto a polícia, na eminência de uma agressão, reage com violência igual ou superior à usada contra ela.

É perante este cenário complexo que a visita particular do Senhor Presidente não pode ser considerada especialmente oportuna e, muito menos, a fotografia festiva com a família envolvida nos acontecimentos. Provavelmente, houve mais selfies (o Senhor Presidente não é exactamente avaro desse tipo de manifestações conviviais a pontos de eu chegar a pensar que sou o último português a não estar no álbum de selfies presidenciais) com outros moradores mas a que chegou a todas as redacções foi esta. Dir-se-á que nada disto coloca o PR no pelourinho mas também não deixa de ser compreensível a indignação dos polícias. Claro que, mais dia, menos dia, S.ª Ex.ª visitará de surpresa uma esquadra degrada e aí haverá outro festival fotográfico provavelmente sem abraços que os agentes não são exactamente civis mas que poderá ser brandido como resposta a esta pequena querela que, de todo o modo, é significativa da onda populista que o Dr. Rebelo de Sousa, por fas ou por nefas, inaugurou.

Ninguém quer um “presidente ensimesmado em Belém” (sic, Amílcar Correia, Público de 6.2.19) mesmo se a frenética actividade de MRS pareça um tanto ou quanto desajustada da função presidencial, mormente a sua deslocação ao Panamá (oficial ou privada?) por ocasião das jornadas mundiais da juventude católica. O Senhor Presidente de jovem já não tem nada, excepto os netos, a República é laica mesmo se qualquer pessoa de bom senso reconheça que a Igreja Católica tem por cá bastante peso e, sem favor, se posa considerar um dos factores estruturantes de Portugal. Basta lembrar que D Afonso Henriques não descansou enquanto não obteve – a troco de grossa soma de morabitinos ou moeda semelhante – o reconhecimento papal do Reino.

Acho muito bem que MRS dê público testemunho da sua fé, que entre em procissões religiosas ou que comungue amiúde. A religião de cada um é um assunto de cada um e, enquanto isso não importunar a dos outros ou o ateísmo de alguns, parece bem que exista e cresça num clima de liberdade e sadia concorrência com todas as restantes fés religiosas e com a liberdade pessoal de todos e cada um em geral.

Todavia, e para terminar, conviria lembrar ao Senhor Presidente a frase latina (sempre útil e particularmente adequada ao momento) “est modus in rebus”.

 

2 (a cor do rosto)

Num debate pouco pacífico, sempre sobre o Jamaica (o bairro e não a ilha do Caribe onde músicos geniais e corredores de velocidade pura parecem pulular) o senhor Primeiro Ministro respondeu a uma reiterada pergunta da senhor deputada Assunção Cristas que ela ao questioná-lo sobre se condenava ou não as violências ocorridas no bairro, entendeu chamar à colação a cor da sua pele numa (pouco) subtil acusação de racismo da oponente. Cristas ficou espantada, a Assembleia pasmou e Ferro Rodrigues teve mesmo de chamar a atenção do beligerante Costa para a irremediável tolice proferida.

Fora um que outro motorista de táxi, nunca ouvi ninguém chamar a Costa “preto” ou “monhé”. Houve, é certo uma campanha eleitoral em que Costa aparecia rosadinho como um leitão antes de ir ao forno mas isso foi uma burrice do fotoshop partidário que terá entendido não dever mostrar alguém com ligeiros traços de mistura de raças. A cor da pele, em Portugal só é acusação quando o seu portador é pobre (ou cigano, claro mas mesmo aí a coisa não é generalizada). Chineses e indianos (ou nepaleses que agora são muitos) passam despercebidos nesta guerra de cores.

Que bizarra razão terá impelido Costa para vir a terreiro com a sua cor quando há na Assembleia, no governo e nas elites nacionais, várias pessoas “de cor”. Mais: o partido da senhora Cristas teve – e tem – vários cavalheiros de origem indiana, de nomes até indianos, de religião hindu para não falar de mestiços de origem africana. Provavelmente mais, em proporção ou mesmo absolutamente do que o PS (ou o PC ou o BE).

Alguns (míopes) adeptos de Costa juram que Cristas o provocou. Não sou dessa opinião mas, mesmo que isso tivesse ocorrido, um político frio como Costa poderia (e deveria) manter-se impassível e não abrir esta estúpida, inútil e perigosa guerra das cores.

O desnorte da sua resposta deixa-me (e deveria deixar-nos a todos) inquieto. Muito inquieto.

 

Sapateiro, não passes da sandália!

 

O sr. Ministro Matos Fernandes, além de usar barba, é uma pessoa simpática. E tinha, até à data, dado mostras de bom senso e ponderação, qualidades inestimáveis (e pouco frequentes) num político indígena.

Todavia, embalado pela razoável aceitação do pópulo lusitano, entendeu falar do que não sabe nem, aliás, necessita de saber. A saber (perdoem a duplicação): o fim dos motores a diesel.

Disse S.ª Senhoria em tom professoral que os compradores de veículos a diesel deveriam ter juízo e pensar que daqui a cinco anos o valor de troca dos seus veículos seria bem menos razoável do que o que esperariam. Ou seja, o senhor Ministro passou a certidão de óbito destes motores de explosão. “Vem aí o eléctrico”, terá acrescentado.

S.ª Ex.ª exagerou ligeiramente. Quer no futurar, quer na análise do presente. Vejamos:

Em Portugal o peso dos veículos eléctricos é de 1,8% e daqui a um lustro (ai que bela oportunidade para usar esta esquecida palavra!) andará, se o preço baixar muito (muitíssimo) e se a bolsa dos portugueses engordar significativamente, pelos 30/40%. Estes dois “SE” são , há que convir, bastante incertos sobretudo se os quisermos juntos. Digamos, para abreviar, que isso seria a cereja em cima do bolo (estão a ver a pouco subtil referencia ao título do presente folhetim?) mas que os tempos não são assim tão promissores para dar a coisa por favas contadas.

As grandes marcas internacionais não parecem tão seguras. Provavelmente, não tem as luzes proféticas do senhor ministro. Nem a sua presciência... O prazo para as coisas serem como o Ministro Matos Fernandes prediz é, segundo as marcas, mais do dobro.

Mas há mais: ao contrário do que alguns mal avisados seguidores do senhor Ministro afirmam, num arroubo beato de admiração, neste momento a venda de diesel é ainda superior à dos veículos a gasolina. Os “SUV” estarão na base desta escolha mesmo se, de facto, um carro a diesel só seja rentável a partir dos 30.000 km/ano. Porém, uma coisa é economia, outra o gosto pessoal. E a malta anda entusiasmada com os SUV. Não há volta a dar-lhe...

E volta a haver mais, muito mais: o preço (oh medonha palavra!) dos veículos eléctricos!

Mudei, recentemente, de carro. Tenho o péssimo hábito de pagar a pronto (Horroriza-me andar anos a dever dinheiro). E, contas feitas , saio a ganhar.

Ora o carro eléctrico (e não falo dos Tesla ou do Jaguar I Pace, é sempre acima dos € 50.000) como o “modesto” Nissan leaf que andará à volta dos 35.000. Ou seja: estes veículos custam uma pancada de euros. São caros para 98% dos portugueses. Ponto, parágrafo!

E outra vez mais, que isto não para. A autonomia. Os melhores modelos não ultrapassam os 500 km. Ou seja nem para uma ida e volta de Lisboa ao Algarve! Mas, diria o melífluo ministro, há postos de recarregamento!

Há, de facto umas escassas dezenas dessas coisas num par de auto-estradas (A 1 e A 2). Mesmo se estiverem todas em condições (o que não é de todo em todo seguro) há que contar com dois factores: haver um posto livre e aguentar o tempo de carga que é sempre superior a uma boa meia hora (e estou a ser generoso).

A segunda opção (ter um posto de carregamento rápido em casa) também não é exactamente barata, bem pelo contrário.

Ou seja, e resumindo, o automóvel eléctrico ainda tem muito que penar para ser uma alternativa credível.

Continuando: o sr Ministro parece esquecer alguns factos óbvios:

Há em Portugal e em circulação 700.000 (setecentos mil veículos com mais de vinte (20) anos. Para isso concorre a compra anual de usados que chega aos quarenta e muitos mil cada ano.

As novas disposições da UE referentes ao diesel (e aplicáveis já há dois anos) tornam esta opção bem mais limpa do que aquela a que S.ª Ex.ª se referia.

Os transportes públicos ainda não fizeram, cá, pelo menos, a mudança para fontes mais limpas. Pior: abandonaram-se ( no Porto e em Coimbra) os trolleys que nos anos 50, 60 e 70 já eram eléctricos... Os transportes de longo curso idem, aspas.

A alternativa ferroviária foi absolutamente desprezada mesmo se agora, num descarado esforço propagandístico, se anunciem milhões e milhões de compras de comboios que chegarão -se chegarem - daqui a 5, 10 ou mais, anos. Até umas miseráveis automotoras a diesel e alugadas à Espanha vão demorar meses e meses.

Um pai ou mãe de família com filhos em idade escolar não vão seguramente recorrer aos transportes públicos para levar as crianças às diferentes escolas.

Finalmente, e neste capítulo, o carro individual ainda é uma marca de ascensão social e isso demorará uns tempos largos a ultrapassar pese embora a ingénua e escoteira percepção da realidade do senhor Ministro. Digamos, piedosamente, que S.ª Ex.ª falou mais com a ideologia do que com uma ideia mais próxima da realidade.

Parece que há, neste país, uma central eléctrica a carvão. Saberá S.ª Ex.ª que essa central polui tanto como 45 milhões de automóveis?

Por mera cortesia não vou falar na frota automóvel do Estado que está velha e cuja substituição se pauta pela lentidão do caracol. O ministro que tanto filosofa sobre o diesel dos carros particulares (e dos outros de transporte de passageiros ou mercadorias...) não vê os telhados de vidro da sua própria casa. Devem estar sujos pela contínua emissão de partículas produzida pelas viaturas oficiais.

 

Merece parágrafo especial a afirmação do Secretário de Estado João Galamba quando revela que a substituição do diesel não está nos planos do Governo. Já se sabia que no Governo há filhos e afilhados mas não deixa de ser brutal um desmentido feito por um Secretário de Estado sobre as afirmações de um Ministro. Que este fica fragilizado não deixa dúvidas sequer a um menino do jardim escola a aprender as primeiras letras. No PS actual há os que mandam e os que lá vão fazendo aquilo que lhes deixam. Matos Fernandes que, intelectualmente, me parece bem melhor que Galamba, deu um tiro no mimoso pé.

 

Parece que o Ministro da Propaganda, vulgo do Planeamento, será quem encabeçará a lista socialista ao Parlamento Europeu. Merece essa reforma gozosa: andou estes anos todos a prometer obras e obras, investimentos de toda a espécie que só o futuro (problemático) mostrará se tem pés para andar. O indígena paciente já se contentaria se a ferrovia melhorasse como se previa há vinte anos, se a descentralização avançasse com pernas para andar, enfim se 10, 20 ou 30% dos projectos realmente vissem a luz. A europa que aguente mais esta extraordinária contribuição do génio lusitano que não parece deixar saudades por cá. Lembremos que a taxa de realização do anterior plani de investimentos públicos não ultrapassou –até ao momento- 0s 35%! Mesmo assim, já foi anunciado um outro plano ainda mais ambicioso que começará um pouco depois das eleições. Que conveniente!

 

 

PS: descobri, maravilhado, um disco duplo com inéditos do Zé Mário Branco, velho, velhíssimo amigo. Parte das canções ouvi-as, entusiasmado e comovido, num pequeno bar de Paris (onde o CITAC ia representar - no Théatre de l’ Odéon, se faz favor!!!- nos princípios de 68. Tão jovens que éramos. E tão esperançados.

Vai sair um disco com inéditos do Zeca Afonso, outro velho amigo da mesma época. Creio que parte desses inéditos consiste numa gravação de um espectáculo durante a Queima da Fitas de 1968 ( o mesmo ano, outra vez!). Se sim, eu estava lá e bati palmas até as mãos me deixarem de doer. Comigo, o antigo incursionista António Lopes Dias, poeta e amigo, que depois, durante horas discutiu o que então pareceu ser uma (boa, exaltante) inflexão na poesia do Zeca. Durante esse ano e no seguinte, JA veio várias vezes a Coimbra, solidário e generoso. Também ele, indirecta mas firmemente, fez a grande greve de 69 (deixemos nesta breve notícia uma lembrança terna para o António Mendes de Abreu, cedo desaparecido, e um abraço para o João Nazaré, onde quer que esteja. E que esteja bem! Muito bem! E que dê sinal de vida, porra!).

* Vai a crónica, também, para lembrar a Isabel Alves Costa, na altura casada com o Zé Mário. Militante cultural, a ela se deveu o Festival Internacional de Marionetas do Porto. Morreu cedo, demasiado cedo e alguns de nós recordam-na com uma lágrima e muita alegria.

 

 

Au bonheur des dames 471

d'oliveira, 18.01.19

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Cumprindo a tradição

mcr 18-1-18

Os incursionistas lá se juntaram uma vez mais sob a batuta gastronómica de JVC. Perito nas artes de bem comer e ex-fumador de enormes charutos cubanos (o juízo e a idade   - ah, a p.d.i.!!!-foram mais fortes do que a frenética procura do prazer...) que, desta feita propôs a “Casa Nanda” que mantem jus ao bom nome adquirido. Presentes os resistentes e já lá vão mais de treze anos desta incursão nos misteriosos domínios da cloud e de outras coisas que nunca percebi.

Ao todo éramos cinco, (“mocho atento, que jura que vai voltar a escrever, “o meu olhar”, idem, aspas, aspas e JCM. d’Oliveira fez-se representar por mim, para alguma coisa servem os compadres, presume-se que ele ande por aí (como o dr Santana Lopes, mas sem projecto político que se conheça) pelo que talvez possamos afirmar que o grupo era não de cinco mas de 5+1, sendo este último algo de evanescente um pouco como o fantasma de Canterville (saravah Oscar Wilde).

Para não fugir à regra estivemos de acordo que continuamos em desacordo mas que isso, como nas boas e antigas democracias não impede a convivência, a conversa franca e o companheirismo. Remamos todos na mesma galé e a barca lá avança entre ondas agitadas e ventos nem sempre propícios. Mas lá vamos que o caminho faz-se caminhando (olá, António Machado, velho senhor).

E lembrámos com saudade (muita) o “Carteiro” que se fosse vivo teria acabado de ser avô e todos os camaradas que andam noutra. Que tudo lhes seja propício e que, em querendo, deem aqui notícias dos seus afazeres e prazeres. A casa foi vossa, é vossa, a mesa está posta com mais alguns pratos e talheres.

Não nos esquecemos de muitos amigos e leitores que nos honraram e honram com a sua discreta e amiga companhia. Saravah, malta conhecida e desconhecida, saravah, bloggers conhecidos e desconhecidos, esta nossa campanha não é o facebook onde anda tudo a likes e amigos, muitos, uma multidão e fake news. Aqui a malta diz o que pensa, como quer e quando quer, não likamos envergonhadamente mas explicamos porquê, como e o quê.

Como também é tradição fomos os últimos a sair do restaurante para a noite fria (raios que estavam 5 graus, brrr, eu não me posso queixar que para estas noites luso-siberianas tenho um sólido capote alentejano, com uma imensa gola de raposa legítima, ai Jesus que aí vem o gajo do PAN, oh que medo!... em entrando a invernia, abafo-me, avinho-me (moderadamente) e abifo-me (no caso apeixo-me (como ontem com uma bela posta de rodovalho, peixe nobre que marchou com duas batatinhas, grelos excelentes e um molho que nem vos digo nem vos conto). Os líquidos acompanhantes tinham a chancela de JCP, gourmet e escanção amador de alto gabarito.

Lá para Maio, época de aniversário do blog lá nos veremos de novo, especialmente primaveris mesmo se em questão de Primavera nenhum de nós (exceptuando “o meu olhar”, claro) seja uma especial novidade. Eu mesmo só por boa vontade me intitulo outonal que setenta e sete anos feitos (e perfeitos) já cá cantam bem desafinados.

(nunca percebi como é que gostando tanto de música, ópera, clássica, jazz, soul, rock, etc..., sou tão duro de ouvido. Que ninguém me mande sequer cantar o “dó, ré, mi” que eu até nisso meto a pata. Arre!

Quando éramos novos, cantávamos. Ou melhor os outros cantavam e eu metia a a argolada do costume. Lembro-me duma canção do Pete Seeger em que só me era permitido iniciar o refrão “a wheema whe...( (the lion sleeps tonight que na realidade é uma bela música zulu com o titulo de “Mbube”)). Mas aos negros sul africanos tudo foi tirado até esta música...). Era o meu único e irrepetível momento de glória).

Isto, hoje vai mais em tom intimista mas que querem, eu até preferia este género de temas mas a realidade é dolorosamente outra e alguém tem de se indignar para provar a si próprio que ainda está vivo. Mas os amigos, a lembrança do Carteiro, o jantarinho e o frio de Janeiro puxaram-me para esta “furtiva lágrima” (Viva Donizetti e o seu belíssimo Elixir de Amor).

Uma nota final: a ilustração (uma belíssima gravura estilo “shunga” do grande Utamaro é uma homenagem ao casal Guilhermina e Joaquim que tem um filho no Japão)

 

 

Au bonheur des dames 470

d'oliveira, 17.01.19

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É Pessoa (Fernando) que assassinam

mcr 16-1-19

 

Em vida, Fernando Pessoa teve pouca sorte. Viu os seus muitos e melhores poemas serem ignorados, troçados ou vigorosamente criticados e sempre pelas más razões. Concorreu a um único prémio e a sua excelente “Mensagem” ficou atrás de um livrinho tosco, desinspirado mas “amigo” das entidades premiantes ou de quem elas dependiam. A sua vida privada foi, também ela, banal e nem a paixão pela bela Ofélia o salvou do celibato. E bebia demais mesmo se isso eventualmente afectasse menos o seu emprego do que o facto de fazer versos. A sua glória é toda póstuma e isso deve-se a muitos e desinteressados esforços desde Luís de Montalvor a João Gaspar Simões. A partir de finais de quarenta a sua estrela começou a agigantar-se e nos anos sessenta era consensual considerarem-no o maio poeta do século XX que, apesar de tudo, ainda tinha muitos anos que percorrer.

Depois caiu nas mãos de pessoanos apaixonados que, se vasculharam laboriosamente a sua mítica arca, também produziram muita prosa obnóxia nem sempre boa e poucas vezes excelente. O seu túmulo acabou nos Jerónimos (antes isso que o Panteão Nacional), o seu mais famoso retrato deixou os “Irmãos Unidos”, ali, no Rossio perto da “Suíça” (também desaparecida) e praticamente em frente do “Nicola”, poiso de Bocage e que ainda (por quanto tempo?) resiste. No Chiado, em plena esplanada de “A Brasileira” lá está a sua estátua, sentado a um mesa de botequim, o inevitável chapéu de aba larga, os óculos e uma densa mas discreta melancolia. Agora, aquilo é pascigo de turistas que, aos milhares, se fotografam a seu lado sem sequer saberem quem é que ali está e, muito menos, sem terem lido um único verso do poeta.

Há pouco tempo, os jornais exaltaram-se com a notícia de Lobo Antunes entrar para a gloriosa colecção “Pleiade” (uma (aliás, uma das 165) das razões da minha permanente impecuniosidade). Pessoa anda por lá há anos e não recordo que, na altura, tenha havido alarido semelhante. A “Pleiade” é os Jerónimos vivo e imortal de alguma da melhor literatura mundial. Ainda por cima, trata-se de uma colecção belíssima, cuidadosa, bem apresentada, melhor documentada. Os livros valem os preços pedidos (actualmente aquilo anda entre os 55 e os 65 euros por volume, mas na Internet, na Feira dos Alfarrabistas da Rª Anchieta, ou nos “bouquinistes” dos cais do Sena arranjam-se por preços bem mais módicos. Há mesmo algumas boas e antigas livrarias parisienses que vendem alguns volumes com preços mais baixos e, normalmente, em bom ou muito bom estado. Cito as Gibert (Bd St Michel ou na place St Michel – são diferentes- onde há farta escolha)

Tudo isto para fazer ressaltar a extraordinária notícia de uma edição escolar que apresenta a belíssima “Ode Triunfal” com três versos escondidos sobre um pouco –mas imbecil e canalha – manto de asteriscos.

Eis, a negrito, os versos lapidados pelos lusos talibans acoitados na Porto Editora:

...Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas

...(Ah a gente ordinária e suja que parece sempre a mesma,

que emprega palavrões palavrões como palavras usuais

cujos filhos roubam à porta das mercearias)

e cujas filhas aos oito anos –e eu acho isto belo e amo-o-

masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.

 

As criaturas que organizaram a edição e a própria editora ou ignoram os mais elementares princípios de respeito por uma obra literária ou foge-lhes a mãozinha censória para o “antigamente” rural e sacripanta que, em defesa dos bons costumes, do decoro e da moral varriam para debaixo do tapete ou para trás das grades ( ou as duas coisas) tudo o que as incomodava (a elas ou à “ordem estabelecida”). No caso em apreço, a coisa agrava-se com as declarações imbecis com que defendem o indefensável (no caso a amputação a frio de três versos. À uma afirma-se que a mesma editora (a Porto editora) tem o mesmíssimo poema editado na totalidade; depois pretende-se que esta acção de trucidar um poema dá aos professores a possibilidade de repor a verdade dele, explicando aos alunos as partes em falta dentro do “devido contexto”!

Estamos todos a ver o angelical quadro do “sotor” ou a “sotora” a pontificar sobre pândegos e putas ou ainda melhor a condenar energicamente a referencia pedófila às meninas que masturbam cavalheiros (provavelmente pagantes ou meros familiares) nos vãos de escada. Estou mesmo a pensar no educador que previne os adolescentes de 17/18 anos sobre as maleitas do onanismo (que enfraquece; que conduz à surdez; que isto e que aquilo, não esquecendo que se trata de um feio acto, pouco higiénico e que, como as drogas ligeiras é o caminho certo para actos sexuais mais graves... E por aí fora.)

Ah, como a escola pode ser risonha e franca!

Nada disto é especialmente novo pois recordo o meu longínquo 3º ciclo dos liceus em que Gil Vicente, esse arruaceiro, usava injúrias deliciosas como “fideputa”. A pudica senhora doutora (naquele tempo havia respeitinho) não chegava à rase, antes a saltava e procedia do mesmo modo com partes do Canto Nono que, obviamente, era a única parte dos Lusíadas que líamos. E com a vantagem de ninguém nos mandar “dividir as orações” coisa que ocorria com todo o resto do imortal poema e que provocou em milhares de inocentes uma azia definitiva a Camões.

A notícia que li não traz –como devia – menção aos coordenadores da edição. Se são professores do ensino secundário –e é quase certo que o sejam – pergunta-se como é que esta gentinha obteve o diploma e quem é que lhes entregou a responsabilidade de citar ou propor Pessoa.

É verdade que algumas vozes se fizeram ouvir e, entre elas, as de representantes da Associação de Professores de Português. Estranhamente, o Sindicato está mudo e quedo. Se calhar, entende que isto não lhe diz respeito. Literalmente, não mas os professores e a sua famosa luta pelos nove anos quatro meses e não sei quantos dias só tem razão de ser se a classe docente, for tida como competente, culta e ao serviço da educação. O silêncio perante esta burrice supina não ajuda, bem pelo contrário.

Há neste jardim (ou “torrãozinho de açúcar”), além a Portuguesa de Escritores, uma associação que protege os direitos autorais. Pelos vistos essa protecção cessa ao fim de umas dezenas de anos. Cessa, de facto, quanto a dinheiros a receber mas deveria permanecer quanto à defesa d integridade da obra escrita, para não referir outras.Pessoa caiu no pântano do domínio público mas merecia ser respeitado e defendido. Publiquem-no, ganhem dinheiro com ele (o dinheiro que ele nunca ganhou) mas defendam a obra. Defendam aquela parcela de património imaterial da Humanidade e sobretudo de Portugal e da língua portuguesa!

(curiosamente o grande opinante nacional ainda não disse nada sobre o assunto. Também não é preciso e, já agora, saúda-se esse silêncio cada vez mais raro .Também são de saudar os respeitáveis silêncios de dois ministros, o da Educação e a a da Cultura. No 1º caso, S.ª Ex.ª teria de explicar ao pópulo a persistência anti económica – e pelos vistos –anti educativa – de, no mesmo exíguo país existirem tantos e tão (na aparência) diversos manuais escolares. Serão todos bons? Será apenas fruto da ganância de editores e de autores?

No caso seguinte, já não se espera da Sr.ª Ministra opinião fundamentada em algo mais do que o seu pessoalíssimo gosto sobre qualquer matéria.)

Na imagem: retrato de Pessoa (Almada) que esteve em anos saudosos nos "Irmãos Unidos". Muitas bicas bebi com o tio Quim à sombra amada e amável do poeta. Acho que, por minutos, nos sentíamos membros do grupo do Orfe, ou pelo menos seus leitores imediatos e contemporâneos.

au bonheur des dames 468

d'oliveira, 27.12.18

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Rui

mcr 27.12.2018

 

É a segunda vez que tenho o Natal ensombrado pela morte de alguém de quem gosto. Da primeira vez, foi a avó Aldina, a Velha Senhora, que os 97 morreu. Já esperávamos o desfecho mas não tão depressa e, sobretudo, nunca na véspera do Natal. A Velha Senhora, acamara um ano antes. De todo o modo, mantivera o sorriso e a boa disposiçãoo. Ela passara por tantas, em tantos remotos lugares, que estar de cama não a impressionava. Nem a ela nem à minha sobrinha Sara que ao ver a bisavó ali deitada à mercê de qualquer um, mesmo de uma catraia que lhe herdara o riso fácil e a alegria comunicativa, agarrou pela mão a Margarida, irmãzinha mais nova, e dirigindo-se à anciã disse-lhe mais ao menos isto: “Avó, antes que morras tens de contar à Margarida aquelas histórias que contaste a todos os netos e vários bisnetos...”

A Velha Senhora não se impressionou e apenas as mandou sentarem na borda da Cama e aí vai disto: duas ou três largas horas de histórias espantosas, contadas como só ela sabia contar. Morreu um ano depois, mergulhando-nos numa afliçãoo mesmo se sabíamos que ela estava por um fio. É que a Velha Senhora queria ainda conhecer uns trinetos nascidos longe e, se possível, vê-los crescer e vigiar naoros futuros, que ela também era muito casamenteira.

Desta feita, foi o Rui. O Rui Martiniano. Alfarrabista culto sempre com uma novidade escondida na banca que, jurava-me, estava guardada à minha espera! E apostrofava-me vigorosamente. “Você tem de ler este gajo que é dos melhores”. E, valha a verdade, quase sempre era. Mas eu resistia. Que o livro era grande e já não tinha pachorra, que cada vez – e é verdade – me interessava a ficção; que tinha um imensa pilha à espera de vez... E por aí fora. Só não repontava com o preço. Uma vez que o fiz, o Rui, truculento e generoso, disse-me: ofereço-lhe. E eu não tinha coragem para recusar e numa breve luta lá pagava o livro por um preço mais de saldo ainda.

Conheci o Rui Martiniano quando, graças ao meu tio Quim, companheiro de dezenas de anos de leituras e peregrinação por Lisboa, comecei a frequentar a feira dos alfarrabistas (todos os sábados, na rua Anchieta ali em pleno coração do Chiado). Na época, a feira ainda era no largo de S Carlos (suponho que é esse o nome) e, no Verão eu maldizia da calorina que ali se sofria. E lembrava o Eça, sempre ele, a afirmar diante do Fradique que o calor estava “de derreter os untos”.

Graças a Deus, a feira emigrou para o actual poiso, a poucos metros da Benard meu poiso para os cafés da manhã, e vagamente resguardado dos músicos de rua que exercem diante da Brasileira e, felizmente, longe da turistagem que se atravanca para a fotografia junto do Pessoa. Não que eles saibam quem é (como ainda menos saberão quem foi o Chiado ali recordado em estátua, ou sequer o Camões, também vizinho ou, ainda, o Eça um pouco mais abaixo na rua do Alecrim). Basta-lhes um cavalheiro sentado a uma mesa com uma cadeira disponível ao lado. E vá de se fotografarem impantes. Mais uma prova que passaram por ali onde, de resto, tiraram mais vinte ou trinta fotografias que, provavelmente nunca mais verão.

Mas eu falava do Rui. De um ex-editor que na “Hiena” (este nome só ele...) publicara umas dezenas de livros quase sempre imprescindíveis na biblioteca de quem gosta de ler e depois passara a vendedor de livros velhos. Foi, justamente, por reparar na pilha dos livrinhos da “Hiena” que chegamos à fala. A “Hiena” foi a editora de “A musa irregular”, do Fernando Assis Pacheco. Este livro, absolutamente essencial para quem queira saber da poesia portuguesa na segunda metade do século XX, deu azo a que nos descobríssemos editores ambos (eu através da Centelha) do FAP, que, por coincidência, também morreu de morte súbita vitimado por um aneurisma filho da puta. E também num Dezembro de má memória...

A partir desse dia, foi sempre a rolar. Nestes já largos anos em que por lá vou, sempre perto do fim do mês, a primeira visita era para Rui só para dizer bom dia. Depois, ia até ao princípio da fila das mesas e começava a explorar com cuidado, minúcia e alguma alegria as ofertas expostas. Em mais de uma centena de vezes, raramente saí da feira sem compras. Fiquei a estimar muitos daqueles alfarrabistas feirantes, sou mesmo amigo de alguns e, claro, amigo certo do Rui.

Conversávamos à rédea solta durante bastante tempo, ou seja até eu ter de arrancar para o almoço. Ajoujado de livros e com a carteira –sempre magra- bem mais leve. Partilhávamos um bom par de autores, lembro-me do Nicanor Parra que, agora descobri através da notícia necrológica de Luís Miguel Queirós (Público 23.12.18), ia directo ao coração de um misterioso Rui André Delídia, poeta com que nunca tropecei senão por via indirecta. Afinal era o pseudónimo do Rui. Irei procura-lo numa última homenagem ao amigo que, sexta passada, por volta do meio dia ainda me vendeu dois livros. Sábado, logo à chegada, um dos seus colegas, na primeira banca logo me deu a “triste notícia”. E a partir daí, todos os restantes colegas, de semblante carregado lamentavam aquele desaparecimento tão a destempo. Com eles, ficamos nós, os leitores e frequentadores da feira, mais sós, muito mais sós. Sessenta e quatro anos. Ao contrário da velha e belíssima canção dos Beatles, ninguém poderá contar com o Rui. O prazo dele esgotou-se.  

Au bonheur des dames 467

d'oliveira, 19.12.18

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O direito à greve não é para todos

(ou do direito ao bom uso de “fake news”)

mcr 19.12.18

O país assiste, com a resignação que o caracteriza, a um mês de Natal em que se cumprirão 47 greves se a matemática não me falha. É verdade que alguns dos pr´-avisos de greve dizem respeito à mesma classe profissional que vai cirurgicamente marcando dia sobe dias e greve sempre perto de feriados ou fins de semana para tornar mais atrativas as faltas ao trabalho e mais difícil a vida a quem usa transportes públicos, tem ir a uma consulta médica, fazer uma operação viajar enfim tratar de assuntos burocráticos numa repartição. Boa parte e mais dramática destas paragens de trabalho e de serviços diz respeito a funções tuteladas pelo Estado como é habitual. No comércio, na indústria, no ensino e saúde privados, nos serviços igualmente privados parece que não existe a famosa “consciência de classe”. Os trabalhadores destes sectores devem ser todos “lumpen Proletariat”, uma gentuça sem princípios, sem coragem, sem consciência da “brutal exploração” a que o “capitalismo monopolista” os sujeita. Não leram Marx (aliás. do lado dos revolucionários grevistas também não consta leituras do mesmo sujeito. Demasiadas barbas, demasiada prosa difícil, conceitos obscenamente abstractos e desnecessários. Felizmente existiram Politzer e Marta Harneker primeiro simplificadores. Depois, vieram os jornais partidários, hoje uma sombra do risível que já foram, que ainda simplificaram mais. E inventou-se uma coisa chamada “marxismo-leninismo” que já teve uma fase marxismo-leninismo-stalinismo e uma outra ainda mais vermelha a que se acrescentava o maoísmo e que até tinha um caderninho vermelho de bolso recheado de deliciosos pensamentos da autoria de um “grande timoneiro” (em Portugal, pais sempre de vanguarda, tivemos o pensamento imortal de um rapazola chamado Arnaldo de Matos que modestamente era apelidado “grande educador da classe operária”).

Durante o PREC apareceram mais alguns profetas do mesmo género, mas menores, e mesmo um militar que se pensou uma espécie e Fidel de Castro sem barbas nem carisma.

Nesses conturbados tempos, a União Soviética era o sol da terra (e talvez também o sal) segundo o dr. Álvaro Cunhal falecido em estado de santidade marxista leninista. E havia uns pândegos que em nome da “revolução”, da “luta final”, se entretiveram durante um par de anos a assaltar bancos (perdão, a recuperar meios de financiar a justa luta) ou a abater uns tristes, vítimas colaterais da luta contra o imperialismo.

É destes anos que datam as duas centrais sindicais, a “boa”, a “verdadeira” e a amarela. Esta demorou a afirmar-se, foi acusada de criar sindicatos paralelos, de servir os interesses estratégicos do patronato. Hoje, se não reina propriamente a harmonia já são raras as acusações mais virulentas. Também é verdade que apareceram ainda mais sindicatos ditos independentes mesmo se, globalmente, tenha baixado fortemente a taxa de sindicalização.

De todo o modo, há sectores onde o peso dos sindicatos é visível. O caso do Estado e das empresas públicas é o mais notório. Se uma greve de funcionários públicos da Administração central pouco ou nada prejudica o público em geral, já certos corpos especiais conseguem grande impacto público devido ao facto das suas greves afectarem a vida dos cidadãos. Os casos mais evidentes são os dos transportes. Autocarros, eléctricos, metro, ferrovia barcos da travessia do Tejo transtornam dramaticamente a vida de quem a eles tem de recorrer. E são sempre os mais pobres, os mais fracos, evidentemente.

E, assim, chegamos à grande controvérsia do momento: a greve cirúrgica dos enfermeiros.

A primeira questão que se põe, e foi a ministra quem primeiro tentou desqualificar a greve falando de crueldade, é a que decorre dos efeitos doa adiamentos de cirurgias, de tratamentos que obviamente terão efeitos prolongados. Uma operação que se adia demorará sempre algum tempo a efectuar-se. Durante esse período é fácil imaginar, a angústia do paciente, dos seus familiares e mesmo, o risco de consequências dificilmente imagináveis para a saúde do “adiado”, morte incluída.

Claro que conviria lembrar que a recente redução do horário de trabalho da função pública (de 40 para 35 horas) que entusiasticamente, e sem medir consequências imediatas ou mediatas, o partido da mesmíssima ministra levou a cabo sem sem que tivesse havido um aumento dos quadros nos hospitais (que, de esto, já pareciam insuficientes) tornou a assistência hospitalar pública (SNS) mais precária e problemática.

(à margem: mesmo sabendo isto, grupos políticos há que propõem um ataque em regra à medicina e aos hospitais privados. Mesmo que a pretendida eliminação da concorrência privada e social não seja a curto prazo, subsistirão dois graves problemas. Uma súbita enchente afogará o SNS e mais se afirmará a diferença entre uma assistência para ricos (privada e rápida) e outra para pobres que já é de uma lentidão escandalosa).

Todavia, o problema suscitado por esta greve é (também) outro. A começar pelas vozes que insistem em tentar negar aos enfermeiros um direito inscrito na constituição. Isto no exacto momento em que o Ministério Público e os Juízes insistem em recorrer a ele.

Depois, o “escândalo”: os sindicatos enfermeiros lançaram uma inédita e pública recolha de fundos para sustentar a greve. Vozes indignadas vieram a terreiro avisar gravemente que esse não é um bom processo. Parece que um grevista português deve sofrer sede e fome até obter ganho de causa. Ora, sempre houve meios de ajudar os grevistas a começar pelos fundos de greve, oficiais ou não, dos sindicatos.

Porém, o pior estava para vir: o fundo de greve dos enfermeiros por subscrição pública pode “eventualmente” ser pago, no todo ou em parte, pelas empresas de saúde privadas com o sinistro fim de prejudicar o SNS. Isto saiu da pena de várias criaturas escreventes nos principais jornais e foi badalado nas televisões e nos facebook e twiter.

Note-se que ninguém identifica os grupos privados que manhosamente auxiliam os enfermeiros. Basta sugerir essa possibilidade, tanto mais que o fundo se alimenta de entregas voluntárias e “não transparentes”.

Eis que os enfermeiros “cruéis”, segundo a nova ministra da Saúde, que, pouco a pouco mas seguramente ,disputa a taça da tolice à sua colega da Cultura, andam afinal a reboque dos hospitais privados. E do mais hediondo “capital”! Aliás, acrescenta-se outra tremenda prova: a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, é uma militante do PSD ou pelo menos uma colaboradora de antigos dirigentes desse partido. Ora, é sabido, que o PSD – e já agora o CDS – sendo um partido “burguês” (ou quase “fascista” e sempre, sempre, “reaccionário”) não tem direito algum a ter peso sindical. Isso estaria reservado aos verdadeiros representantes dos trabalhadores ou seja, prima facie, ao PCP e, vá lá ao BE. A la rigueur, talvez o PS ainda caiba nesse exclusivo clube, mesmo se, e cito uma boa porção de porta vozes comunistas e bloquistas, o PS tenha sempre um fatacaz pela Direita e pela política anti-popular e anti-operária.

Aqui chegados, como diria o inefável dr. Marques Mendes, temos que a greve da enfermagem enferma de graves pecados, todos capitais: é cruel, é, ou pode ser, paga pelos inimigos do povo e é impulsionada por partidos que não devem, não podem e não merecem defender greves mas apenas “lock-outs”.

(declaração de interesses: não conheço nenhum dirigente da Ordem ou de qualquer sindicato de enfermeiros, por junto sou sobrinho por afinidade de uma enfermeira aposentadíssima e cunhado de outra que apenas dá aulas a futuras enfermeiras. Desconheço, de resto, o que é que ambas pensam da greve, coisa que pouco me importa. Estou solidário com todo e qualquer paciente que tem de recorrer aos hospitais públicos e vê as suas legítimas espectativas de ser bem atendido goradas. Sei, porém, igualmente, as razões de uma luta que vem de há anos e que começa no menosprezo do Poder pelos que trabalham na enfermagem, que continua na falta de pessoal, na dureza das horas extra, no desdém pela qualificação profissional de toda uma classe que é, a par dos médicos, a base do SNS.)