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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 627

d'oliveira, 02.08.24

g3 - cópia

A gata Ingrid Bergman e já uma saudade

mcr, 2 de Agosto 

 

Há um deus único e secreto

em cada gato inconcreto

governando um mundo efémero

onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda

nos seus vastos aposentos

de nervos, ausências, pressentimentos,

e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis Bergman

e compassivo o deus

permite que o sirvamos

e a ilusão de que o tocamos

(Manuel António Pina)

 

 

 

Ao fim de dezassete anos de pura alegria, de mimo de prodigiosos saltos e correrias pela casa, a gata Ingrid Bergman esgotou as suas sete vidas

Em termos humanos era pouco mais velha do que eu e mil vezes mais carinhosa, bem disposta, aventureira e curiosa.

Decerto mofo, ela parecia mais dona da casa, estantes incluídas, do nós. Tirando o colo da CG que ela considerava o seu lugar de eleição para o sono das seus da tarde, havia no mínimo uma duzia e meia de poisos onde era possível encontrá-la deitada a dormir o sono dos gatos bem aventurados. Isto não contando com outros sítios para onde se esgueirava quando via um gavetão aberto, uma porta de armário mal fechada.

Nesses  momentos a CG corria a casa desesperada mesmo sabendo que a gata estava lá dentro e, em princípio, livre de qualquer perigo. Com o passar dos tempos inventámos um método para a encontrar mesmo se isso nos custasse bastante tempo.

Um dos segredos era pensar onde é que ela não poderia logicamente estar. Devo dizer que em trinta por cento dos casos era tio e queda. Estava exactamente aí nesse local que julgávamos inalcançável.

Os gatos são, sabemo-lo todos, curiosos e há mesmo um dito inglês  (curiosity kill the cat) que vem desde Ben Johnson e Shakespeare.

No caso da Ingrid, a curiosidade vinha a meias com o habito de dar as boas vindas a quem quer que nos batesse  à porta. Fazia amigos de quem quer que nos aparecesse tanto mais que, ao contrário da Kiki de Montparnasse, sua companheira de sempre, era absolutamente intrépida e, como o velho chefe gaulês, só receava que o céu lhe caísse na cabeça  ("mais ça ne sera pour demain!").

A idade avançada, um coração subitamente frágil e mais três ou quatro complicações, levaram-na sem sofrimento mas com aflição extrema da CG. na tarde de anteontem.

Uma gata que já era da família (dezassete anos) sempre a partilhar a casa e os dias connosco deixa um rasto de saudade  que vários amigos e familiares já começaram a partilhar.

Este Verão é como o nome de um grande filme de Zurlini, um verão violentoe faz-me lembrar que não é primeiro, sequer o segundo em que apanho subitamente com a notícia da morte de seres queridos mesmo se já esperávamos (desesperávamos...) má notícias. No caso da gata  ela não se queixava mas apenas ia murchando, ia-se afastando, passava longos tempos escondida debaixo de um pequeno maple como se quisesse preparar-se para morrer escondida de todos. morreu com várias pessoas à votla, eutanasiada, na veterinária. Recusei-me a despedir-me dela e menos ainda a vê-la morrer. quero conservar como última imagem dela  o breve momento em que para gozo dela a escovei na varanda à janela. 

Há um par de anos, li uma crónica de Eugánio Lisboa em que este  excelente crítico  referia a morte de uma gata que também acompanhava a família há longos anos- Agora percebo melhor o desgosto que se reflectia no seu escrito. Todavia, o Eugénio, já também cá não está  para eventualmente me ler

*na  vinheta as gatas Ingris Bergman e Kiki deMontparnasse, A A Ingrid é a amarela

 

au bonheur des dames 627

mcr, 24.07.24

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Os meninos em liberdade

(E os adolescentes, os jovens estudantes e mais tarde os adultos com pouco tempo...)  

(no ano de 53...)

 

O jornal traz hoje a notícia da reabilitação e abertura da piscina mar da Figueira da Foz. E acrescentava a extensa notícia que a ideia fora de Santana Lopes, actual presidente da Câmara.

Convenhamos que depois de vários outros presidentes da mesma Câmara, quase sempre  socialistas esta novidade em um gosto entre o amargo e o doce. Eu tenho por Lopes a pior das impressões  mas a equidade, o bom senso  e ofacto de ser um pobre homem de Buarcos obrigam-me a aplaudir a Câmara que, aliás, foi quem tomou a cargo a obra. 

 

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Santana, de resto, já havia iniciado as obras do Mercado, um edifício de ferro dos princípios do século passado e foi o impulsionador do Centro de Artes. Tudo isto feito por fulano que nenhuma ligação tinha à Figueira e que só se apoderara da Câmara porque o PS a certa altura dividiu-se ao meio e abriu uma avenida triunfal para um político que falhou todos os objectivos a que se propôs 

Foi  nesta piscina de águas salgadas que aprendi a nadar. Melhor dizendo a nadar defeituosamente porque quer eu quer o meu irmão longe da vista paterna nos escapulíamos às aulas de natação para ter mais tempo para brincar.

 

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Quando regressei de Moçambique para fazer o 3º ciclo na “metrópole” passei longas férias na Figueira e a piscina era o meu poiso favorito em Julho. Nessaaltura, o nosso pequeno grupo de amigos (onde estarão elas e eles agora?) tínhamos a piscina toda (ou quase...) para nós.

Anos depois, já formado ainda me hospedei uma ou duas vezes na estalagem da piscina, 

Depois fui sabendo que a sociedade que a detinha a vendera a outros empresários e que pouco a pouco  se fora degradando a pontos de o que há agora (e que parece bom) tem poucas semelhanças com aquela piscina onde tive os naturais namoricos de Verão.

Pelos vistos, Santana Lopes quer refazer a estalagem ou algo do mesmo género. Que as mãos não lhe doam. Se for preciso que o reelejam!

A propósito de piscinas confesso que quase todas as que longamente frequentei estão em mau estado Incluindo a belíssima piscina do Club Ferroviário de Nampula que nas férias grandes /enormes) de Verão  (anos de 62, 63 e 6). Aqui perto de casa a piscina do hotel Tivoli está mesmo escaqueirada e tudo indica que não será reabilitada pelo menos para uso público.

(mais uma herança do BES que até à data não se resolveu fosse de que maneira fosse).

 Durante os anos em que trabalhei na Delegação Regional de Cultura do Porto, fiz um acordo com os meus antecessores e conseguia chegar à piscina antes do meio dia e meia e só sair para trabalhar duas horas depois. Compensava com um horário mais prolongado pela tarde que, de resto, favorecia todos os agentes culturais que só depois dos respectivos empregos podiam ir à DRN resolver problemas dos organismos que dirigiam Nada disto me tirou o prazer do mar desde que houvesse ondas mas uma piscina, se ainda por cima é de água salgada, é a melhor coisa que pode acontecer a quem tem pouco tempo disponível.

 

os leitores perdoarão esta evocação de anos antiquíssimos masquequerem. Estes dias calorosos não dão para mais. De cima para baixo a piscinada Figueira como era nos seus tempos de glória; a iscina do hotel tivoli foco aqui a dois passos como seguramente já não é e a piscina do clube ferroviário de Nampula que, pela fotografia parece estar quase na mesma mas nunca fiando...

 

au bonheur des dames 626

mcr, 05.07.24

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Dizer bem?

(desgarrada estival e saudosa)

mcr,  5-7-24

 

Há muitos, demasiados, anos, um grupo de jovens folgazões figueirenses que se criam imortais, inventou um par de frases que resumia uma inesperada filosofia de vida  numa cidade que vivia de Verão e adormecia beatificamente durante os restantes nove meses do ano: 

                "dizer bem é supérfluo!

                "os amigos não tem defeitos."

Mutros, quase todos, já por cá não andam e tenho poucas notícias dos sobreviventes a quem, de longe, desejo saúde, alegria e curiosidade 

isto , porque me parece mal avisado, usar a velha despedida catalã, ("salut e forza nel canut"") ..."ai afinal, rapaz, o tempo passa! um dente que esava... são e agora não", permita-se-me o regresso a O'Neil  e ao "No reino da Dinamarca", finais de 50 começos de 60, dias de vinho e rosas, de chumbo e silêncio, dias absurdamente felizes e intoleravelmente cinzentos no país triste de sol sal e sul...

Voltando ao título, dizer bem , melhor dizer justo que é o que me leva a outra vez mais saufar uma cronista desconhecida chamada Ana Cristina Leonardo que às sextas ilumina o suplemento do Público com testos saborosos, inteligentes e recortáveis, não vá ela esquecer-se de alguma vez os publicar em livro. 

Desta feita, ei-la que refere alguém que a terá classificado de velha por andar pelos  sessenta e tal. 

que direi eu que lhe levo quase vinte de avanço. Imagino a mesma criatura (esse mcr? Uma antiguidade, alguém do tempo dos afonsinos...)

De todo o modo, ACL escreve bem, com clareza, alegria, humor a pontos de eu ter de recortar os seus textos para os levar mensalmente ao meu irmão (outro que também já não nenhuma  "novidade" mas que persiste em ler, tentar perceber,  viver.)

O país está, dizem, envelhecido. Há uma multidão de criaturas acima dos oitenta e mais de três mil centenários.

Entre os últimos a minha mãe que cainha garbosamente para os 103. Cabeça em ordem mas olhos que a trairam e ouvidos que a isolam. Os olhos, sobretudo, causam-lhe umprofundo desgosto pois ela lia tudo e com a excelente memória que ainda vai tendo, olhava para o país que nos coube em serte com alguma surpresa crítica. 

Estou a vê-la, ainda há meia dúzia de anos, de lupa em punho  a ler todos os suplementos de jornais (incluindo dois espanhóis e um italiano) que eu nas visitas mensais lhe trazia)

Herdei dela a miserável e traiçoeira "mácula", doença do fundo dos olhos que combato com injecções periódicas nos olhos a quase 500 euros por sessão. Não melhoro mas felizmente não pioro.

Graças ao progresso técnico, consigo ler tudo usando lupas electrónicas que, há que dizê-lo não são para todas as bolsas.   

Volta e meia, nas esplanadas que frequento, aparece alguém a questionar-me sobre o aparelho que uso e lá lhe explico que aquilo aumenta até dez, vinte, quarenta vezes o tamanho da letra, e dou logo as direcções das duas únicas lojas que conheço (no Porto e em Lisboa)  onde coabitam com dezenas de outros produtos que socorrem os míopes, os amblíopes e os quase cegos.

A jovem sexagenária Ana Cristina Leonardo  que tenha paciência: há aqui um leitor (aliás dois, ia-me esquecendo do mano) que esperam com natural impaciência pelas sextas feiras para a ler. 

E já que estou com a mão na massa, recordo que em pequenos, oh quão pequenos!, nos disputávamos para às terças feiras ir à loja do sr Bracourt comprar a "Modas e Bordados" para a nossa Mãe. em boa verdade o que nos apressava era um suplemento infantil chamado "Joaninha" que em texto e banda desenhada trazia histórias empolgantes. Hoje já só recordo o longuíssimo romanc  " Sem família" (de Hector Malot (1830-1907) e uma bd "Aninhas e Róró", aventuras de uma menina e do seu cãozinho.

(ai o que eu daria por apanhar a colecção da "Joaninha")

Agora queacabo de citar a Modas e Bordados vem-me à ideia que foi sua fundadora e directora, a Maria Lamas, escritora, democrata e grande Mulher que, neste momento vê reeditada a sua obra "As Mulheres do meu País"

Como diria o Eduardo Guerra Carneiro, amigo desde os anos 60 e poeta de grande qualidade, "isto anda tudo ligado".

E anda, Eduardo, e anda....

*na vinheta as minhas lupas electrónicas. 11. 15, 17 e 64 cm. A mais pequena é para ler mapas e viagem, a seguinte é boa para viajar, a terceira é a que mais uso tem para ler jornais eqnquanyo a quarta é para os livros.graçs ao seu tabuleiro móvel  (horizontal e verticalmente) dá para liros grandes etem um poder de aumento de cerca 40x. 

Au bonheur des dames 625

mcr, 02.07.24

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timoneiro Fausto

mcr, 2-7-24

 

sete exactos anos depois de mim, nascia o Fausto (Bordalo Dias) a bordo de um navio ("Pátria) que, também a mim, alguns anos depois me levaria para África, mis propriamente para "a contracosta" (para usar uma expressão que provavelmente lhe seria cara).

Tivemos amigos comuns( o Adriano ou o Zeca) mas nunca o conhecia nem aliás o ouvi  "ao vivo". 

Temos também em comum um bom par de autores, a começar por esse genial  Fernão Mendes Pinto, continuando pela História Trágico-Marítima que eu tenho por um dos doze maiores livros portugueses. (junte-lhe-se as Cantigas de Amigo, a Lírica de Camões, Um amor de perdição, Viagens na minha terra, toda a obra não ficcional de Eça O livro de Cesário Verde, todo o Pessoa poeta) 

"Mau tempo no canal",  toda a obra não ficcional de Aquilino, O'Neil e Hélder + 2 amigos do coração M A Pina e F Assis Pacheco)

Fausto era, além do mais, desassombrado sobre a nossa história pregressa  e pouca (nada) dado aos revisionistas históricos, woke, , muito anti isto e aquilo que nunca perceberão e nunca perceberão que a nossa viagem de quase oito séculos pela História tem de ser vista com os olhos de cada época, de cada momento e jamais com os antolhos ideológicos do século XXI, muito na moda dos  fracturantes  a quem falta mundo, perspectiva, sentido crítico e bom senso 

Sobre o músico está tudo dito nos obituários (com destaque para o "Público"). Fausto foi um dos grandes vultos, quiçá o mais original  pela íntima ligação à música tradicional e ao imaginário portugueses mas é notória a sua proximidade com os já citados Zeca e Adraino e com os outros dois vultos maiores (Sérgio Godinho e Zé Mário Branco que também são, e por diversas razões, muito  cá de casa) com quem de resto fez um muito disco notável, uma espécie de concerto a três mãos  que diz muito da cumplicidade dos grandes bons músicos  que não se renderam a modas ou a conveniências de todo o género. 

Morre mas deixa, um valioso pacote de discos, cinco dos quais absolutamente admiráveis, que fazem e farão parte de uma antologia essencial da nossa música dita popular mas muitas vezes bem mais erudita do que outras que por aí correm. 

*na vinheta: gravura do "Naufrágio de Sepúlveda" que normalmente aparece em edições da História Trágico Mrítima

Au bonheur des dames 624

mcr, 30.06.24

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muita água ainda vai passar sob o Pont-neuf

mcr, 30-6-24

 

Os primeiro resultados das eleições francesas  estão aí e uma primeira (e nunca rigorosa) avaliação permitem verificar duas coisas 

em primeiro lugar, houve uma corrida excepcional às urnas, coisa que não se verificou nas últimas europeias.

Suponho que há que remontar aos anos 70 do  século passado, altura em que a eterna extrema direita francesa esteve sujeita a um cordão sanitário que a Direita civilizada, o Centro e as Esquerdas.

(o PS crescia, o PC mantinha uma forte presença e a Direita ainda vivia dos rendimentos da figura de de Gaule.  A direita radical era presidida pelo pai da srª Le Pen, que, de resto, foi afastado das lides políticas pela extremosa filha)

Em segundo lugar há que ter em linha de conta o processo eleitoral a duas voltas, a possibilidade de candidaturas tripartidas, de desistências a favor de um dos dois restantes candidatos.

No caso que interessa, barrar o caminho ao lepenismo, não só é pensável que os adeptos de Macron e os republicanos se unam, mas também que haja desistências mútuas entre o Centro e a nova aliança das Esquerdas, cuja primeira (e inquietante) figura continua a ser o sr Mélenchon, criatura a quem, pessoalmente, jamais compraria um carro em segunda mão, Basta-me recordar as anteriores legislativas e que aqui escrevi na altura)

 

A complicada máquina eleitoral francesa, o facto de haver quase 400 hipóteses de duelo no próximo domingo  permite pensar que não obstante ser evidente um forte avanço da direita radical, nada está perdido para o campo democrata e europeísta (mesmo se à Esquerda também haja reservas importantes à UE e ao euro.)  

Sigo apaixonadamente as eleições francesas desde 1960. Posso dizer que raras vezes ganhei mas neste momento tenho o meu escalavrado coração nas mãos que também já não são tão seguras como foram. 

Vai ser umas emana agarrado à TV 5 e ao "Le Monde".

Se uma ida a Lourdes a pé fizesse milagres, estaria já na estrada mas a minha fé é ainda mais fraca do que os meus negros pressentimentos. 

De todo o modo até ao lavar das cestas ainda é vindima...

E acredito que  o velho Pont-Neuf , que só é novo porque foi a primeira ponte de pedra em Paris, já viu casos bem mais desesperados e resultados surpreendentes

(basta recordar a esmagadora vitória gaulista depois do Maio de 68 quando tudo parecia indicar uma vitória da Esquerda. Enganámo-nos redondamente!  E perdemos...)

Esperemos que (la Seine) 

se la coule douce

................................

en passant comme un rêve

au milieu des mystéres

des misées de Paris

(Prévert)

 

 

au bonheur des dames 623

mcr, 28.06.24

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Costa deu à costa dos milagres

mcr, 28-6-24

 

 

O dr António costa nasceu com o dito cujo virado para a lua

em 1915 perdeu umas eleições mas acabou primeiro Ministro graças a uma fada madrinha  que na altura chefiava o PCP e que, já depois do socialista compungido ter declarado a derrota, lhe veio propor aquilo que depois se chamou geringonça.

Mais tarde, houve um enternecido Presidente da República que andou com ele ao colo a tal ponto que, pouco antes das presidenciais Costa proclamava-se seu fidelíssimo eleitor!...

Numa birra que ainda hoje parece representar o início da queda do BE e do PC, estes dois partidos entenderam chumbar o Orçamento (aliando-se "contra-natura" ao PSD). 

essa toliçada permitiu uma surpreendente maioria absoluta  que, mais surpreendentemente ainda, o PS desbaratou de forma inglória com mais de uma boa dúzia de casos e casinhos.

Entretanto, o MP abriu um processo a um par de pessoas  em bo meio de uma notória balbúrdia desprestigiante para a magistratura, houve alguém que conseguiu colocar a cereja em cima do bolo da incompetência mais gritante dos últimos anos da Justiça portuguesa. Um parágrafo insano em que se noticiava que o 1º Ministro era arguido num processo sem pés nem cabeça. 

Costa sentiu-se e demitiu-se. 

Até ao momento apenas foi ouvido como declarante (e não como arguido!!!...)o que diz muito do processo e dos processos de algum MP.

Todavia, verificou-se que um cargo de topo europeu estava ao seu alcance. 

Costa, se não tivesse isdo estupidamente acusado estaria a governar e nunca conseguiria candidatar-se a esse lugar  a menos que copiasse a atitude de Durão Barroso que entendeu que a maçada de governar a "fermosa estrivaria" poderia ser muito favoravelmente substituída por um pingue lugar longe da pátria madrasta. Neste caso a fada madrinha foi uma srª Procuradora Geral  da República que penosamente vai governando aquela barca sem leme nem velas que, aliás Costa e Marcelo  revelo de Sousa entenderam nomear.

Por aqui se vê como uma série de azares acabem numa gloriosa ascensão ao Olimpo da UE

Poderíamos falar de "derrota em derrota até à vitória final  ou de como não há mal que não acabe em bem. Há um ano sabia-se da vontade de Costa e da impossibilidade em a concretizar. Agora é o que se vê.

Cost vai para Bruxelas e arredores apetecíveis, a srâ Procuradora para a jubilação (e não para a reforma... o que tem o seu quê de caricato) o dr Rebelo de Sousa rejubila depois de o ter demitido , esquecendo o pedido da cabeça de Galamba, a srª`ex-presidente da TAP vai receber uma farta dose de euros porque afinal o despedimento com justa causa foi político  e a paisanagem pagante vai entrar em despesas

o dr Panfloss, cavalheiro muito cá de casa, é que tinha razão tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis.

 

( Numa coisa o sr Presidente da República acertou: o optimismo irritante de Costa. além de provar a razão de Leibnitz, levou a melhor contra tudo e todos. É obra!)

* na vinheta: Candide e Pangloss

 

 

au bonheur des dames 622

mcr, 25.06.24

 

Há asneiras que estragam a melhor causa

mcr, 24-6-24

 

A drª Constança Urbano de Sousa, infortunada ex-ministra da Administração Interna, achou por bem citar a PIDE no que toca às escutas usadas em larga e desconforme escala. 

Segundo a citada tal uso desproporcionado de escutas “era o que a PIDE fazia”.

Eu não sei (e também não me dei ao trabalho de ir ver ) qual será a idade da autora deste dislate.

Aposto, dobrado contra singelo que se, porventura nasceu antes de 74, foi por poucos anos. 

Hoje em dia, verifica-se que pouca gente sabe como funcionavam as instituições do Estado Novo, mormente a censura ou a PIDE. 

Nos anos 60 e 70 (os únicos que posso testemunhar) a PIDE lá ia fazendo o que podia para saber o que se passava nos meios oposicionistas. É verdade que já havia “escutas” mesmo se, dado o atraso tecnológico até em relação ao que ocorria noutros países, as escutas fossem (felizmente) pouco eficientes. 

A PIDE recorria a outras fontes de informação notoriamente mais eficientes.

Em primeiro e destacado lugar, havia uma multidão de informadores (todos ou quase todos)  a soldo da polícia que forneciam abundante informação sobre cidadãos desconformes com o regime. 

Provavelmente, havia um número ainda maior de indivíduos que por seu livre alvedrio diligentemente denunciava conhecidos, vizinhos, familiares. No meio disso, devem acrescentar-se as denúncias  por vingança que, em algumas “memórias” de agentes da PIDE são referidas, também não eram poucas.

Uma outra fonte de informação largamente privilegiada pelos polícias era a obtida nos interrogatórios feitos a detidos e pode mesmo afirmar-se que tais interrogatórios (a maior parte das vezes com recurso a violência desenfreada ou aos métodos “científicos” do “sono” e da “estátua”) eram outra preciosa e abundante fonte de informação policial.

Aliás, e ainda neste capítulo, convém lembrar que, mesmo sem violência excessiva, bastava o medo. A policia recolhia assim farta dose de notícias sobre a vida da oposição e dos seus principais membros.

De cada vez qque a polícia identificava e prendia clandestinos conseguia abundante informação nas casas dos mesmos porque em algum lugar havia que manter os arquivos . as informações, os documentos necessários à acção política.

(lembraria ainda que no simples acto anual de matrícula nas universidades, os estudantes eram obrigados a fornecer fotografias  que obviamente engrossavam os ficheiros policiais. Ou seja, universidades e diferentes instituições públicas entregavam diligentemente ao aparelho repressivo meios importantes para despistar possíveis oponentes. Não recordo se, depois do 25 A se fez alguma investigação neste campo. 

Finalmente, e como aqui mesmo se ilustra, os CTT forneciam  uma extensa gama de serviços, advertindo as autoridades sobre cartas vindas ou enviadas por gente suspeita que, lá mesmo, dentro das estações eram abertas, copiadas e finalmente entregues aos destinatários sem que estes conseguissem perceber a violação da sua correspondência.

 

Tudo isto, este extenso arsenal de recolha de provas era acompanhado pelas detenções  mesmo quando nada, ou muitopouco, parecia haver contra os presos. 

Pela parte que me toca experimentei pelo menos duas vezes desse tratamento. A primeira pela PJ (que nunca foi inocente no que toca à repressão política) e que verifiquei durante a detenção sofrida em Coimbra, nos cárceres privados da PJ nos subterrâneos do Tribunal Judicial

Tive o raro e pouco recomendável privilégio de bater o recorde de duração de prisão de um estudante durante a crise académica de 69. Aliás, só fui libertado porque esta polícia apesar de tudo respeitava prazos processuais.

A segunda (4ª prisão sofrida) ocorreu em Caxias, depois de largos dias de estadia no último andar da sede da PIDE. 

Lá tive de fazer das tripas coração e aguentar duas longas sessões de “estátua e sono”. Ainda hoje, tenho por certo que o que me salvou de uma qualquer confissão foi apenas o sentimento de vergonha que me atormentava caso “falasse”. Em boa verdade, a PIDE também disparou para o lado no que toca à minha presumível culpabilidade. Quando percebi que me tentavam acusar de pertença a um grupo político que jamais frequentaria, consegui aguentar os restantes interrogatórios sem especial preocupação a pontos de um miserável inspector, de seu nome Tinoco, ter chegado à extraordinária conclusão de que eu era “um revolucionário por conta própria” sem ligações políticas a grupos clandestinos (sic). Saí dos quartinhos do último andar da António Maria Cardoso e fui estagiar por alguns meses na estância termal de Caxias.  Depois, deixando uma caução 50% superior aos restantes presos da mesma fornada fui mandado embora  para aguardar um processo que nunca veio (ou que o 25 A anulou).

Desculpar-me-ão esta nota biográfica mas apenas serve para provar que conheci bem, demasiadamente bem, as usanças das polícias. E digo polícias porque todas colaboraram na mesmíssima e despudorada máquina repressiva.

A senhora Urbano de Sousa faz muito bem, nunca as mãozinhas lhe doam, em apontar a canalhice (e estou a medir as minhas palavras) de andar anos e anos em escutas, como um vulgar cheira merda teimoso (e vicioso).

Poderia também referir o uso e abuso da prisão preventiva de que há bem pouco (caso da Madeira) tivemos prova insofismável

Poderia, igualmente, condenar a surpreendente constituição de arguido sem que este, durante meses, seja sequer confrontado com factos e provas do seu eventual delito.

Esta prática atira para a praça pública pessoas que podem ver a sua vida largamente prejudicada (e aqui cabe o caso de António Costa ou mesmo o de Miguel Albuquerque). 

A sanha persecutória de certas criaturas, protegidas pelo seu estatuto e definição de entidades judiciais, é agravada pela falta de comunicação de que há hoje abundantes exemplos.

Aí sim, poder-se-ia presumir de uma qualquer aparência de semelhança com os antigos métodos mas usar o nome da PIDE em vão é uma patetice, para não dizer um abuso ou, pior ainda, uma estupidez. 

Em Portugal há um determinado número de palavras e expressões cujo uso e abuso as faz perder qualquer utilidade e significado. A existência florescente do Chega prova à evidência que a acusação de fascismo não convenceu um milhão de portugueses. Também outro milhão fez ouvidos moucos à acusação de colaboração com o mesmo fascismo e com a direita radical, imperialista, capitalista e mais uns quantos “istas” que já não mobilizam ninguém. Aliás, também alguns, bastantes conservadores, acham que chamar comunista a torto e a direito tem eficácia. Não teve e continua a não ter.

Não faço ideia se a sr.ª Urbano de Sousa tem influência que se veja para dar aulas de ideologia a quem quer que seja. Confesso que a julgava retirada das lides mas pelos vistos, ainda há quem a entreviste. Curiosamente na mesma altura em que o Dia de Portugal  foi celebrado em Pedrógão. Pelos vistos, já ninguém, se lembra do seu papel naquela tristíssima história. 

 

Vivemos, apesar de tudo, num regime democrático. As instituições funcionam, os direitos humanos são respeitados mesmo se, como é o caso, se verifiquem disfunções  que poem e devem ser anuladas. Todavia, não parece razoável nem decente vir à baila com situações e métodos do passado para qualificar  um instituição que, seguramente, é útil, necessária mesmo se haja deficiências na sua actuação. Aqui a questão é mais de pessoas do que afirmar que tudo anda sem rei nem roque. Um cidadão anónimo e pouco informado poderá achar muito adequado falar em pide ou em KGB ou outra coisa qualquer. Uma ex-ministra, deputada, professora universitária não pode. A menos que, como outro sinistro professor de direito agora na política, também use de má fé. 

 

junta-se uma amostra de relatório de intercepção de correio feita pela PIDE. A carta e´ do signatário e estava endereçada a João (Granjo) Pires (Quintela), refugiado político em Paris.

Consta do  pro cesso 49256/S.R. referente a este escriba e foi encontrado por militares milicianos que tomaram a sede da DGS no Porto nos dias imediatamente posteriores ao 25 A. É pelas minhas contas o 14º processo de que fui alvo sendo que todos os restantes estão depositados na Torre do Tombo para onde este seguirá logo que o fotocopie devidamente

 

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au bonheur des dames 620

mcr, 22.06.24

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Confissão de um (quase) inflo-excluído

mcr, 22-6-24

 

comecei a escrever beste blog em 2005, muito provavelmente, por esta época. vinte anos portanto. 

A coisa sucedeu por absoluto acaso, numa época em que os blogs estavam na moda. O meu amigo e companheiro de estudos desde o4º ano da faculdade, Manuel simas Santos já cá estava e com o beneplácito do Lemos costa e de mais outros residentes , ,convidou-me para integrar o primeiro grupo de Incursões.

Na altura, ao saber que isto era um blog de juristas, avisei que já deixara os ínvios caminhos do Direito há 30 anos e que já não dava (nem conseguia dar) para esse peditório.

Responderam-me com generosa amabilidade que  podia escrever o que bem me desse na real gana. 

E foi o que fiz, desmultiplicando-me em varias séries segundo os temas que me interessavam desde a mera divulgação cultural até |as notas de leitura (o leitor(im)penitente) e mais tarde entendi criar outro heterónimo (d'Oliveira) para escreversó sobre política numa espécie de diário (diário político). 

Na altura, havia um identificador dos bloggers onde além do nom de plume (mcr, e d'Okiveira) constav uma copiosa série de dados identificativos entrev quais o nome da criatura escrevente.

Mais tarde, vários anos mais tarde, o blog transferiu-se com armas e bagagens para o SAPO onde ainda hoje reside. 

Entre varis problemas perderam-se alguns textos meus que ficaram numa espécie de limbo sob a designação "incursões".

Todavia, não são muitos , algumas dezenas, talvez uma  centena, O resto continuou e basta ir a um qualquer mês ou ano para dar de caras com mcr ou d' Óliveira. Com, porém um problema. Quem fez a transferência do blog para a nova casa misturou os dois nomes e nunca mais foi possível separá-los convenientemente. 

Eu sou um info-excluído sans peur ni reproche. Nasci cedo demais para a informática e há coisas que nunca fui capaz de pesquizar no blog desde quantos leitores me aturam até à utilização de músicas ou à indicação de textos alheis que se podem sugerir com grande (dizem-me...) simplicidade.  Burro velho não aprende novas linguagens tecnológicas ou, no meu caso, ´demasiado preguiçoso  (para além de ignorante) para se dar a tais trabalhos. 

De todo o modo há um bom cento de textos que ao longo dos anos entendi terem especial responsabilidade para não se limitarem ao mcr pelo que tive o cuidado de assinar por inteiro mesmo sabendo, ou pensando saber que bastaria ir a uma secção do blog que diz perfil para saber quem é a criatura escrevente.

Aliás, durante todos estes anos, leitores houve que me reconheceram atrás das minhas iniciais  e que se me dirigiram em comentários. comentários que nunca censurei, e a que sempre ou quase sempre tive o cuidado de responder. 

Entretanto, um  leitor provavelmente recente entendeu acusar-me de escrever anonimamente!

Devo dizer que fiquei indignado pois tenho sobre o anonimato uma repulsa absoluta. em boa verdade, mesmo quando por motivos profissionais me aparecia uma denúncia anónima, a minha reacção era a de Cailo: "envia-la para o ventre da mãe terra pelo esófago da latrina 

Respondi ao leitor aconselhando-o a procurar na já referida secção dos perfis tudo o que quisesse saber sobre mim-

E quando depois de publicar a resposta entendi remexer na ferida e provar a esse leitor que falara de mais, eis que me dei conta que na versão actual do "incursões" os ptais perfis estão lá para enfeitar. Ou então não soube procurar convenientemente, coisa mais do que possível para um info-excluído do meu gabarito. 

Resolvi ir aos blogs mais antigos estacionados na outra plataforma e zás, lá apareço de nome inteiro mesmo se, quatro quintos do perfil tivessem misteriosamente desaparecido. Restam. à vista desarmada, apenas as divisas que me permiti adoptar. mcr, tem por divisa "à polícia e aos costumes diz nada!, e tem muito a ver com as minhas actividades políticas entre 1960 e 1974. Não serei grande personalidade mas gabo-me (e há 14 processos da PIDE nna Torre do Tombo para o provar) que este cidadão nunca citou ninguém nos vários e penosos períodos em que este detido e foi longamente interrogado. Devo, no entanto, dizer que nisto também se pode ter sorte e eu tive-a em dose dupla- A polícia nuca me apanhou no que mais importante eu fazia eeu também não era criatura para andar por aí a proclamar actividades clandestinas. Na generalidade, as quatro prisões que sofri deveram-se mais a atitudes públicas, manifestos assinados, presença em manifestações e reunião oposicionistas, do que a algo que também fiz mas que nunca foi descoberto. 

Havia num processo dos já citados um extenso rol de textos que foram censurados em várias publicações, mormente na revista Vértice e no "Comércio do Funchal" de que nem eu me lembrava, nem tinha ´cópia (e continuo a não ter...). Há mesmo, uma capa de um livro que organizei e traduzi  e que foi só pela capa imediatamente proibido. Convém explicar que no caso, o mérito é do capista que nunca conheci e não meu. O livro foi publicado à mesma pela Centelha, uma editora de que fui sócio e fundador. Vai agora a fotografia do livro a servir de vinheta.

Portanto e para concluir: Escrevi dois livrinhos, colaborei num terceiro deixei colaboração em jornais (expresso, O Jornal, Jornal de Notícias, Comércio do Porto e Comércio do funchal ) e fora um dos livros em que usei outro pseudónimo  apenas porque tal era necessário para um concurso) sempre usei o mesmíssimo nome.

A talho de foice (sem martelo...) A intensa actividade política que mantive até 1974, cessou gradualmente até aos começos de 80. apenas a mantive em contados casos, eleições de três amigos: Mário soares, Jorge Sampaio e Manuel Alegre em que fui apoiante desde o primeiro momento e "Estados Gerais do PS"  onde participei na qualidade de membro do Conselho coordenador. 

Agora, tenho por certo que já não tenho paciência nem idade para me envolver na política politiqueira ou mesmo na outra, na boa. As pessoas envelhecem e, valha a verdade, não tenho por desejo andar a dar o corpinho cansado ao manifesto. Agora sou apenas uma testemunha, espero que lúcida do que se vai passando. Mantenho este blog apenas porque não tive nunca paciência para escrever um diário.

na vinheta "Os panteras Negras", col Temas, ed Centelha, ainda com o nome de Nosso Tempo, sem data de edição, nem indicação de tipografia, mas com clara identificação dos autores eTradução de de Maria João  Delgado e Marcelo Correia Ribeiro que também aparece como responsável pelas notas  pela bibliografia bem como pela organização geral do livro. 170 aginas , 17,5x 12. 

 

Au bonheur des dames 619

mcr, 15.05.24

À esquina de um passado reticente

mcr, 15-5-24

"saudade burra " diria o Fernando (Assis Pacheco) que em matéria de ternura não pedia meças a ninguém, aquele humor irradiante, que numa fotografia tirada na zona da Ria ele disfarçava com um manguito, encostado a uma bicicleta, sorriso largo a desdizer o gesto...

hoje acordei assim, com amigos velhos já desaparecidos, a saírem-me ao caminho, como se quisessem avisar-me que também eu, agora um sobrevivente cada vez mais só, estou numa marcha irremediável que muito provavelmente nunca me deixará ver o aeroporto ontem anunciado. Dez anos é muito tempo para um octogenário mesmo se veja à sua frente uma mãe e dos tios que juntos somam quase, quase, trezentos anos. E que ameaçam lá chegar...

Por crcunstâancias nada pertinentes, dei com o texto que republico, dezassete anos depois  e neste blog

Desta feita é o Manuel Sousa Pereira, desaparecido na guerra contra o covid que me bate, com insistência, à porta

ém memória deles e com um abraço mais que fraterno ao Manuel Simas Santos, colaborador deste blog em tempos que já lá vão, volto a republicar um texto com dezassete anos (e uns pós...) 

 

Au Bonheur des Dames 47

 

mcr 18.01.07

 

Três amigos conversam diante de chávenas vazias num dia feio, triste e húmido. Estão numa esplanada envidraçada praticamente deserta, frente a um jardim onde vagueia um perdigueiro atrevido. Discutem a vida, o mundo, eles próprios e as suas circunstâncias.

Basta olhá-los para saber que são barcos que viram muito mar, muitos portos, algumas tempestades e, porque não?, uma que outra brisa marinha, fresca e repousante, brisa com cheiros de terra próxima, um vago perfume de laranjais carregados, de acácias vermelhas, de terra quente depois da chuva.

Três amigos como três marinheiros, três pescadores reformados, olhos que viram os nevoeiros da Terra Nova, os sinos de bordo, as roncas do porto discutem o mundo, a vida, eles próprios.

E há alguma vivacidade, demasiada porventura, nos argumentos que trocam, nas interrupções, nos gestos vivos malgrado as cabeças já brancas como as barbas que, estranhamente, ou nem isso, todos usam.

Noutro tempo, noutro lugar, os ecos da conversa alimentariam a ideia de uma discussão apaixonada, quase colérica. Mas basta ver o cuidado com que se dirigem a um deles, o que espeta a orelha, com a mão em arco como se ouvisse mal, para perceber que daquela conversa está arredado o azedume, o escárnio, o sarcasmo. Há nas pausas que fazem, nos pequenos e raros silêncios que ponteiam uma afirmação mais vigorosa, uma subtil teia de carinho a fazer a sua caminhada.

A amizade é um percurso de obstáculos, semeado de saídas falsas, de becos, alguns alçapões. Exige a quem a pratica um constante cuidado, paciência redobrada e fôlego, muito fôlego. Os amigos, diz-se, são o sal da terra e como o sal necessitam de muita água salgada, algum vento, muito tempo, outro tanto de sol. E da constante labuta do marnoto, lavrador de minerais, alquimista humilde e necessário para que a onda nos chegue à mesa, e com uma pinga de azeite um pão, um tomate e duas sardinhas, nos faça descobrir o milagre quotidiano de uma conversa, com amigos, justamente, mesmo que seja numa esplanada deserta, num dia cinzento e triste, diante de um jardim no inverno, com um perdigueiro ao longe que corre sem saber que três velhos companheiros discutem o mundo, a vida eles próprios.

Depois levantam-se, um deles deixa umas moedas sobre a mesa, vestem os capotes, dirigem-se para a porta, abrem-na sem pressas e seguem lentamente passeio fora até à curva do caminho...

 

* Fotografia de grupo: m.s.p. e m.s.s com m.c.r.. numa esplanada 

 

o título deste texto só foi encontrado depois dele estar escrito: fica no fim que é para aprender!

 

 

Au bonheur des dames 618

mcr, 24.04.24

Amava(mos) a vida e  a liberdade

mcr, 24-4-24

 

Quem, generosamente ,me vai lendo e aturando sabe que nestes dias, volto a um tema de sempre, a esse dia inicial e limpo e luminoso que dividiu para sempre a minha vida e a vida de todos queiram eles ou não os que, à época, por cá andavam.  

Por cá, e pelos ásperos caminhos da emigração, da clandestinidade, da aventura, da guerra  ou  e é útil e bom lembrá-lo) estavam encerrados em atrozes enxovias  de que só refiro Peniche ou Caxias (e esta foi a minha casa um largo par de vezes...)

Hoje o "Público" traz além de um par de notícias, uma singela mas justíssima homenagem a Mário Soares  e intitulava um dos textos com o título do folhetim. Mais precisamente "amava a liberdade...

Começo por essa figura incontornável que tive a honra e o prazer de conhecer no rescaldo da crise de 69, em Coimbra, na República dos Kagados, num encontro organizado pelo Luís Filipe Madeira. Soares vinha solidarizar-se com a malta de 69 e, eventualmente, recrutar alguns militantes para A ASP (antecessora do PS). Graças a uma conversa que mantive durante uma boa meia hora com Catanho de Meneses, Soares tratou-me com extrema gentileza  mesmo se eu, inebriado pelos ardores combinados da juventude e do Maio francês não tivesse (coisa de que posteriormente me arrependi e lhe comuniquei por alturas da 1ª campanha presidencial), não tivesse correspondido ao propósito da reunião. De resto, na altura, quase ninguém, tirando o Luís Filipe, tivesse assentado praça na minúscula aventura socialista. 

Nessa reportagem refere-se um modesto hotel na r. de Medicis em Paris  que conheço bem por desde 1968 ter nele pernoitado. Aliás foi quase sempre o meu hotel não só porque era a bom preço mas também porque estava a dois passos do meu mundo parisiense e, além do mais, nas traseiras da enorme livraria Joseph Gibert, quatro ou cinco andares de livros!

Para alguns presumidos (e presunçosos) "pais da democracia" é provável que não se lembrem, ou façam por não se lembrar desta enorme figura que, desde os anos quarenta e picos, esteve em todos os combates e em várias prisões, para não falar na deportação em S Tomé e no exílio.

Também farão por não se lembrar de uma série enorme de portugueses eportuguesas  que comeram o pão que o diabo e a ditadura amassaram , enquanto eles ainda não tinham "visto a luz" nem percorrido a sua especial "estrada de Damasco". 

E, se essas excelentíssimas figuras me permitem, quero aqui chamar  Rui Feijó, Jorge Delgado, Paulo Quintela, Luís de Albuquerque, Joaquim Namorado, Marcos Viana, "Fred" Fernandes Martins JJ Teixeira Ribeiro. Judite Mendes de Abreu, Alcinda Delgado, para só citar algumas das figuras mais velhas com quem privei, com quem aprendi, que admirei e a quem estou profundamente reconhecido.

E acrescentaria, já agora, "rapazes  e raparigas" do meu tempo, a Fernanda da Bernarda, a Fernanda Granado,              o António Mendes de Abreu, o Luís Bagulho, o João Quintela, os dois Alfredos (Fernandes Martins e Soveral Martins), João Bilhau, Alfredo Estrela Esteves,  Abílio Vieira, Jorge Bretão, Carlos Candal, Helena Aguiar, José Augusto Rocha, João Amaral, Aníbal Almeida, José Barros Moura, António Taborda, Francisco Delgado, José Luis Nunes, Mário Brochado Coelho, Irene Namorado, Manuel Sousa Pereira e mais dez, cem, mil com quem convivi, com quem partilhei a prisão, com quem conspirei, todos já desaparecidos.

E se os cito, esquecendo seguramente muitos mais, é apenas porque, desde sempre, pretendi e acredito que a História se faz colectivamente, mesmo se, como a floresta esteja pejada de árvores de todos os tamanhos  que ajudam, protegem  e contribuem para a paisagem, o clima, a retenção da água e do carbono. 

O 25 é isto, o resultado disto, a história disto, um misto de generosidade, civismo, coragem, angústia e esperança. E teimosia, claro, trabalho miudinho, constante sem se perceberem bem os resultados.

Estes meus amigos, todos já mortos, semearam a liberdade e agora fecundam a mãe terra e deixam em quem os recorda um terno, suave, alento

Celebremo-los amanhã seja de que modo for. Marchando Avenida abaixo, reunindo com amigos, conversando cm filhos e netos,  passeando à beira mar e relembrando as canções daquele tempo por exemplo esta com letra de Carlos de Oliveira, outro que tal, luminoso poeta escritos da Gândara que nos deixou um par de livros que teimam em estar vivos e legíveis. A música é, como não poderia deixar de ser, de Fernando Lopes Graça

 

......................

 Terra Pátria serás nossa,

Livre e descoberta enfim,

Serás nossa,

Ou este sangue o teu fim.

 

E se a loucura da sorte 

assim nos quiser perder, 

Abre os teus braços de morte 

E deixa-nos aquecer.‎ 

 

 

*  o poema chama-se Mãe pobre e faz parte das "Canções Heroicas" de Fernando Lopes Graça

Vai o folhetim para Mª João Delgado, Teresa e Luisa Feijó, Isabel Punro, Isabel Coutubo, amélia Campos, João Vasconcelos Costa, Francisco Guedes, Mª Jsé Carvalho e Drancisco Belard 

E em homenagem a dois poetas maiores amigos certos que escreveram em vários tons a vida e a liberdade: Fernando Assis Pacheco e Manuel António Pina