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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Um ano de incertezas

José Carlos Pereira, 18.01.24

Na edição de hoje do jornal "A Verdade", publico um texto de opinião acerca da situação política nacional e internacional que temos pela frente:  

"Entrámos em 2024 com poucas certezas sobre o que nos reserva o futuro próximo. A nível internacional, o novo ano fica marcado por eleições em dezenas de países. Do Parlamento Europeu aos Estados Unidos da América (EUA), da Rússia à Ucrânia, da Índia ao México, da Bélgica, no coração das instituições europeias, a Portugal. Sem esquecer as eleições em Taiwan, ocorridas já na semana passada, e que deram a vitória a um candidato repudiado por Pequim e defensor de uma crescente aproximação ao Ocidente. A importância de Taiwan no contexto internacional releva do facto de ser um potencial foco de conflito entre a China, que reclama a reunificação com Taiwan, e os EUA, defensores do regime democrático da ilha. Acresce que o facto de Taiwan ser o principal produtor mundial de semicondutores poderia provocar um autêntico bloqueio da economia mundial em caso de disputa militar.

Em termos económicos, o ano transacto terminou melhor do que aquilo que se podia perspectivar no início de 2023. Na realidade, os preços do petróleo e do gás natural baixaram significativamente, a inflação desceu, as bolsas estão em alta e a economia global cresceu na ordem dos 3%. A confiança dos investidores aumentou e a taxa de desemprego na Zona Euro, em Novembro de 2023, fixou-se em 6,5% (6,6% em Portugal).

Poder-se-á dizer que a economia andou, de certo modo, em contraciclo com a realidade geopolítica. À invasão da Ucrânia pela Federação Russa, uma guerra prestes a completar dois anos e que tem motivado um grande esforço financeiro e militar dos países ocidentais no apoio à Ucrânia, acrescentou-se em 2023 um novo foco de guerra entre Israel e o Hamas, que administra a Faixa de Gaza, com repercussões graves nos restantes territórios da Palestina e também no Líbano. Os recentes ataques de rebeldes Hutis, do Iémen, a navios no Mar Vermelho são uma consequência da escalada militar na região e já motivaram resposta por parte dos EUA e do Reino Unido. A rota do Mar Vermelho é fulcral para a logística e as cadeias de abastecimento globais e não pode ficar refém de investidas terroristas.

Neste quadro internacional difícil, Portugal tem também o seu quinhão de incerteza com a realização de eleições legislativas antecipadas. Marcelo Rebelo de Sousa decidiu-se pela dissolução da Assembleia da República e pela marcação de novas eleições para daqui a menos de dois meses.

O Governo de António Costa cessa funções, segundo o Banco de Portugal, com um crescimento económico de 2,1% em 2023, um dos mais elevados na Zona Euro. Registe-se também a redução da dívida pública para um valor que deve ficar situado abaixo de 100% do PIB, o crescimento das exportações e do emprego e um novo excedente orçamental.

A marcação de eleições para Março apanhou os partidos de surpresa e fez com que todos tivessem de ajustar rapidamente protagonistas e estratégias, designadamente os que aspiram a liderar o próximo governo de Portugal.

O PS elegeu Pedro Nuno Santos como secretário-geral, numa disputa interna aguerrida com José Luís Carneiro. A eleição de Pedro Nuno Santos deixa claro que o partido terá mais facilidade em voltar a entender-se com os partidos à sua esquerda, em caso de necessidade, muito embora o novo secretário-geral socialista venha dando mostras de querer mitigar o “radicalismo” de que o acusam. Seja nas questões orçamentais, na relação com o Presidente da República ou nos contactos mantidos com empresários, Pedro Nuno Santos tem vincado uma linha de continuidade com os anteriores governos socialistas, naturalmente com o impulso renovador próprio de quem inicia funções.

Do lado do centro-direita, o PSD trouxe para o seu lado o CDS e o PPM para recriarem a Aliança Democrática (AD). Mais de quarenta anos depois da constituição da AD original, nada é igual. As lideranças, a energia e a novidade que caracterizaram a AD de 1979 não são repetíveis. Luís Montenegro sabe que as próximas legislativas são o tudo ou nada para a sua liderança e a aposta na AD procura galvanizar eleitorado que tem estado afastado do PSD e dos seus parceiros de coligação.

No momento em que escrevo, todos os partidos estão a ultimar as suas listas de candidatos a deputados, um processo sempre delicado e que costuma abrir algumas feridas internas. Seguir-se-ão os programas e a campanha eleitoral, que se deseja esclarecedora.

A vida será mais simples para o PS do que para o PSD. Se ganhar, Pedro Nuno Santos deve poder contar com os partidos à sua esquerda para viabilizar uma solução de governo, apesar de acreditar que é mais provável o PS vencer as eleições do que a esquerda no seu todo alcançar a maioria absoluta. Se perder, desde que não seja com um resultado catastrófico, que não se vislumbra, ninguém exigirá a sua cabeça.

No caso da AD, Luís Montenegro está obrigado a ganhar. E, sem maioria da AD, passa a ter no meio da sala um elefante chamado Chega. Será capaz de manter o seu “não é não!” ao Chega? Resistirá à pressão da maioria dos militantes e dirigentes, que certamente defenderá nesse caso um acordo com o Chega para se alcandorar ao poder? No caso de sair derrotado, Montenegro não terá alternativa à demissão e a dar lugar ao líder seguinte."

Guterres, Israel e a Palestina

José Carlos Pereira, 26.10.23

O embaixador Seixas da Costa, nesta entrevista de hoje ao "Diário de Notícias", faz uma análise assertiva acerca das recentes declarações de António Guterres sobre o conflito israelo-palestiniano.
Guterres não fez mais do que afirmar os princípios de sempre das Nações Unidas, condenando o ataque e os "actos de terror" cometidos pelo Hamas, mas sem esquecer a ocupação forçada e "sufocante" que Israel faz de territórios da Palestina há dezenas de anos, contra centenas de deliberações das próprias Nações Unidas.

O ridículo liberal

José Carlos Pereira, 04.05.23

"Youtuber vai ao Parlamento a convite da Iniciativa Liberal e publica vídeo com ofensas ao primeiro-ministro"

Eh pá, é fixe ser radical e informal na política, não é? E levar cromos a "discursar" no púlpito do parlamento? E a proferir insultos? Dizem eles que é assim que se atrai os jovens para a política...
E um pouco mais de sentido de Estado e de noção dos deveres por parte dos senhores deputados liberais?

Rádio Renascença a tapar o sol com a peneira

José Carlos Pereira, 03.03.23

O jornalismo isento e rigoroso é indispensável para a saúde de um regime democrático. Mas o jornalismo, dos órgãos públicos e privados, seja ele político, económico, desportivo ou de âmbito social, também deve ser escrutinado.
O que dizer do facto de, hoje, as rádios TSF e Antena 1, pelo menos, estarem em directo da conferência de imprensa da Conferência Episcopal Portuguesa, sobre o candente tema dos abusos sexuais de crianças por membros da Igreja, enquanto a Rádio Renascença, emissora católica, emitia publicidade e a seguir o programa desportivo "Bola Branca"? Omitir a discussão do assunto à espera que os devotos esqueçam?!

Perspectivas para 2023

José Carlos Pereira, 12.01.23

Na edição de hoje do jornal "A Verdade", publico um texto de opinião acerca dos desafios que se colocam ao país no novo ano:

"O novo ano que agora se inicia é fortemente marcado pelos efeitos decorrentes da evolução da situação internacional em 2022. A guerra na Ucrânia, a crise energética, a ruptura das cadeias de fornecimento, a escassez de matérias-primas, a inflação, a subida das taxas de juro e a perda do poder de compra mudaram a vida dos portugueses e do mundo ocidental em geral.

A invasão da Ucrânia pela Federação Russa veio acelerar bloqueios que já se faziam sentir de forma mais ténue, nomeadamente no contexto do crescente afastamento entre os Estados Unidos da América e a China. O ano de 2022 representou uma recuperação forte de vários indicadores da economia internacional face aos anos da pandemia criada pela covid-19, mas trouxe realidades de que muitos de nós já não tinham memória, como a subida galopante da inflação e das taxas de juro ou a escassez de determinados bens de consumo.

Se centrarmos a nossa análise no caso português, vemos que a economia nacional respondeu em 2022 de forma muito positiva, contando com o contributo essencial das exportações. A última estimativa revelada pelo ministro das Finanças indica que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6,8%, o segundo maior crescimento da União Europeia (UE), apenas atrás da Irlanda.

Mas ninguém esperava assistir a uma inflação média anual de 7,8%, um número verdadeiramente impensável no início do ano transacto, nem a uma subida dos juros com tamanho impacto na dívida pública e privada. Recorde-se que a taxa directora do Banco Central Europeu, que estava em zero no início de 2022, cresceu até aos 2,5%, com tendência para ainda vir a aumentar. O nosso país, de resto, já sentiu na pele o aumento dos juros quando teve de emitir nova dívida pública, triplicando o respectivo custo ao longo de 2022. Empresas e particulares viram também crescer de forma significativa o custo dos seus créditos.

Para o corrente ano de 2023, o Banco de Portugal prevê um crescimento dos preços de 5,8% e uma forte desaceleração do crescimento do PIB (1,5%), com uma progressão residual do consumo privado. A perda do poder de compra dos portugueses advém não só da subida da inflação e dos juros, mas também do facto de apenas um reduzido número de empresas admitir subir os salários reais dos seus trabalhadores.

Com este quadro pouco animador, num mês de Janeiro que começa com aumentos generalizados, importa reflectir sobre o que se pode esperar dos poderes públicos, designadamente no estímulo e no apoio a cidadãos e empresas.

Portugal deve ser capaz de tirar proveito dos esforços feitos nos últimos anos na consolidação das contas públicas. O facto de alcançar um défice público inferior a 1,5%, como se antecipa para o final de 2022, e de sair do grupo restrito dos países com maior dívida pública, registando um valor inferior a 115% do PIB, deixa o Governo em melhores condições para apostar em investimentos estruturantes para o país e em apoios direccionados às empresas e às pessoas, sobretudo às mais fragilizadas.

Neste início de 2023, Portugal tem pela frente o desafio de conseguir executar na plenitude o que resta do Portugal 2020, colocar em marcha o Portugal 2030, recentemente aprovado pela UE, e acelerar os investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência. O conjunto destes três instrumentos coloca à disposição do país, só durante o corrente ano, cerca de 15 mil milhões de euros.

Ao Governo caberá a responsabilidade maior pela aplicação destes fundos e pela bondade dos investimentos apoiados. O país não pode desperdiçar a oportunidade de ultrapassar os obstáculos e limitações que se colocam ao nosso desenvolvimento nos mais diversos sectores da economia e da sociedade.

Ao nível local, as Comunidades Intermunicipais e os Municípios têm um papel determinante na implementação de projectos ambiciosos e impulsionadores do desenvolvimento dos territórios. A gestão de proximidade faz com que os seus responsáveis políticos tenham um conhecimento mais aprofundado dos investimentos prioritários e das necessidades sentidas pelas populações.

Sem perder de vista as questões sociais e o apoio aos mais desfavorecidos e aos excluídos, o poder local tem hoje pela frente o desafio de atrair e fixar talento, de modo a conseguir criar condições para captar investimento e emprego qualificado. A sustentabilidade dos territórios reclama uma economia local com empresas líderes nos seus sectores de actividade, inovadoras e alinhadas com os melhores padrões dos mercados internacionais.

A todos desejo um excelente ano de 2023!"

Guerra e paz na Ucrânia

José Carlos Pereira, 01.06.22

Na edição online do jornal "A Verdade" , publiquei um texto de opinião acerca da situação de guerra na Ucrânia:

"A guerra na Ucrânia tem já mais de três meses e estamos longe de vislumbrar o fim dos combates. A Rússia acreditava que alcançaria com relativa facilidade os seus objectivos políticos e militares, que iam muito para lá da denominada região do Donbas, mas não contava certamente com a reacção enérgica dos ucranianos e com o apoio que os países ocidentais prontamente prestaram ao país agredido.

O exemplo de coragem e determinação que chegava da Ucrânia e as imagens devastadoras de morte e destruição provocaram um clamor emocional, fazendo com que as opiniões públicas pressionassem os governos e ajudassem a ultrapassar as reticências de alguns países no apoio financeiro e militar à Ucrânia.

Num curto período de tempo, Putin fez mais pelo reforço da NATO e pela escalada do investimento em meios de defesa dos países que integram a Aliança Atlântica do que anos e anos de discussão em torno dos fins e limites da NATO. Entre outros casos emblemáticos, vimos a Alemanha decidir reforçar o seu orçamento de defesa como nunca o fizera desde a II Guerra Mundial e assistimos aos pedidos urgentes de adesão à NATO de Finlândia e Suécia.

Nesta guerra não há lugar para meias palavras: a Rússia invadiu um estado soberano, matou, destruiu e pretende colocar sob sua jurisdição boa parte do território da Ucrânia, oito anos depois de já ter ocupado a península da Crimeia. Os que vêm dizendo que a NATO e os EUA contribuíram para esta situação com os seus avanços na Europa de Leste esquecem que nada justifica a invasão de um país por parte de outro. De resto, os acordos que vários países fizeram com a NATO ocorreram por livre determinação desses Estados, que assim se julgavam mais protegidos. A invasão perpetrada pela Rússia na Ucrânia só lhes veio dar razão.

Aqui chegados, o que fazer para encontrar a paz? A necessidade de encontrar resposta para esta questão começa a colocar-se com acuidade, uma vez que a guerra não pode prolongar-se indefinidamente. Seja pelas populações e pelos países envolvidos, seja pelos efeitos dramáticos que isso poderá provocar em vários cantos do globo, atendendo ao facto de Rússia e Ucrânia serem responsáveis pelo abastecimento de cereais essenciais a boa parte dos países menos desenvolvidos, particularmente em África.

O caminho da paz não é fácil de delinear e ninguém parece ter soluções capazes de sentar as partes à mesa. Aqueles que, por simpatia ou cinismo político, defendem que a Rússia terá de ganhar algo (Donbas?) para acabar com a guerra e que não pode sair humilhada parecem olvidar que isso seria beneficiar o infractor. Nesse caso, qualquer país que tivesse diferendos territoriais com outro ganharia um alento suplementar para novas investidas militares. Na Europa, na Ásia, em África…

Por outro lado, querer apoiar as posições da Ucrânia ao ponto de insistir no total restabelecimento do território soberano de 2013, com a reintegração da Crimeia, poderia até ser a solução mais justa, mas perpetuaria a guerra por quanto tempo? Estamos preparados para isso? O poderio militar da Rússia, embora mais frágil do que se imaginava, e o apoio ocidental à Ucrânia arrastariam o quadro actual muito para lá do que seria suportável pela comunidade internacional. 

Se fosse possível voltar atrás, a 2013, e realizar referendos de autodeterminação nas regiões ucranianas do Donbas e na Crimeia, poder-se-ia avaliar a vontade das populações e negociar politicamente um acordo entre a Ucrânia e a Rússia, atendendo aos convénios anteriormente estabelecidos e às ligações seculares entre ambos os países. Hoje, isso não é possível, desde logo por causa da “russificação” levada a cabo nesses territórios através de migrações forçadas de milhões de russos.

Quando um dos contendores da guerra revela um comportamento imprevisível e violador de todos os princípios do direito internacional, como sucede com Putin, é difícil esperar que o país vítima de ataque e as próprias organizações internacionais, como a ONU, consigam olhar para ele como um parceiro fiável e de confiança. Como também não se vislumbra que surja na Rússia um movimento capaz de derrotar e derrubar Putin, vejo com muito cepticismo a possibilidade de se poder encontrar uma via para a paz a breve prazo.

O que sei é que a solução não passará com certeza pelo envolvimento directo das forças da NATO no terreno, como alguns preconizam, pois isso significaria uma escalada no conflito que poderia levar a um confronto de proporções inauditas.

O tempo acabará, fatalmente, por gerar um ponto final para esta guerra hedionda. Infelizmente, já com um custo elevadíssimo de vítimas e cidades destruídas. Acredito que as consequências materiais do esforço de guerra vão inevitavelmente debilitar a Rússia, fragilizando a sua posição negocial, mas para isso convém que os países europeus se deixem de tibiezas, reforcem as sanções e diminuam o mais rápido possível a sua dependência energética face àquele país, deixando de alimentar os cofres da Rússia em pleno período de guerra. O acordo alcançado no Conselho Europeu desta semana foi mais um passo positivo nesse sentido. "

Mário Soares, Putin e a Ucrânia

José Carlos Pereira, 27.02.22

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Há menos de sete anos, Mário Soares lembrava que Putin era um homem perigoso e imprevisível, evocando já nessa altura as suas responsabilidades pelo que se passava no leste da Ucrânia com o apoio aos separatistas pró-russos. A escalada desta semana, com a invasão da Ucrânia e a morte de civis indefesos, merece uma resposta firme e sanções muito duras da Europa e do mundo ocidental.
 

40 Anos do jornal regional “A Verdade”

José Carlos Pereira, 21.01.22

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Na edição em papel do jornal "A Verdade", associo-me à evocação do 40° aniversário do periódico de Marco de Canaveses, recordando a sua história e a colaboração que encetei na edição número um a convite do primeiro director, o meu querido e saudoso amigo J.M. Coutinho Ribeiro, que foi também editor do Incursões durante vários anos:

"O jornal que tem nas suas mãos completa amanhã 40 anos de vida. A 21 de Janeiro de 1982 saía o número zero do novel periódico marcoense, que se assumia como jornal de intervenção e tinha origem num dos partidos políticos – o CDS – que então integrava a coligação Aliança Democrática, no poder no governo do país e na autarquia de Marco de Canaveses.

O primeiro director do jornal foi o malogrado Coutinho Ribeiro, então estudante universitário de Direito e que na altura dava também os primeiros passos no jornalismo de âmbito nacional, designadamente ao serviço do extinto “O Comércio do Porto”.

Apesar do jornal afirmar desde o início que pretendia intervir politicamente, e assim proporcionar um espaço de debate e reflexão que se afastava das práticas habituais da imprensa regional, procurava igualmente abrir as suas páginas a temas como o desenvolvimento local, a educação, a juventude ou o desporto. Também dava a entender que não procurava resumir-se a um jornal de cariz estritamente partidário, o que poderia limitar as suas ambições.

Com efeito, o número um de  “A Verdade” dá a principal fotografia de capa ao então primeiro-ministro, Francisco Pinto Balsemão, e nas suas páginas alberga, por exemplo, artigos de opinião de jovens alheios ao CDS, mas que tinham uma relação próxima com o director do jornal. Um deles era Luís Pais de Sousa, então presidente da Associação Académica de Coimbra e que viria, anos depois, a ser deputado e secretário de Estado. O outro era o autor destas linhas, que estreava a coluna “Palavras da Juventude”.

Na verdade, o meu amigo Coutinho Ribeiro convidara-me para assinar uma rubrica que tratasse dos temas caros aos mais jovens e eu, do alto dos meus 15 anos, com responsabilidades recentes na Direcção da Associação de Estudantes da Escola Secundária de Marco de Canaveses e na organização política a que pertencia, entendi que fazia todo o sentido aproveitar esse espaço no jornal.

A minha colaboração, contudo, viria a durar poucos meses porque cedo constatei que não podia continuar a colaborar com um meio de comunicação que se ia revelando como um instrumento na estratégia de conquista do poder municipal por parte do CDS e do seu líder, Avelino Ferreira Torres, precisamente em ano de eleições autárquicas.

O jornal “A Verdade” viria a ter, de facto, um papel importante no período de afirmação e consolidação do poder autárquico de Avelino Ferreira Torres e do CDS, nunca escondendo que era um órgão de comunicação subordinado a um projecto político. Nesses anos, inclusivamente, teve de conviver com a concorrência de jornais (e de projectos de jornais…) que foram surgindo a partir dos meios da oposição e que acabariam por se esgotar em função dos resultados alcançados.

40 anos volvidos, “A Verdade” fez o seu caminho e é hoje um projecto muito profissional, integrado num grupo de media, comunicação e marketing. Pude testemunhar isso mesmo nos últimos anos quando voltei a colaborar de forma regular com o jornal. A edição em papel mantém a sua periodicidade quinzenal e debruça-se essencialmente sobre a realidade de Marco de Canaveses. O site, que beneficia da parceria com o “Expresso”, e as redes sociais alargam a sua intervenção a toda a região do Tâmega e Sousa, onde é um órgão de comunicação muito respeitado, como ainda recentemente constatei ao fazer a moderação de debates entre candidatos a várias Câmaras Municipais da região.

O que se espera hoje de um órgão de informação regional? Agora como sempre, que seja fiável na informação que veicula, que seja isento e independente dos poderes locais, que ajude a reflectir e a encontrar respostas para os problemas do dia a dia, que dê voz aos anseios e projecte os êxitos dos seus conterrâneos, que aproxime as instituições das populações, que estabeleça um elo de cumplicidade entre os territórios e as pessoas que aí vivem ou que aí têm as suas raízes.

“A Verdade” tem procurado cumprir estes desígnios, mas, se tivesse de deixar aqui um desafio ao director e à administração do jornal, talvez recomendasse que dedicassem mais tempo e espaço às grandes questões da vida política, económica e social de Marco de Canaveses (e dos municípios do Tâmega e Sousa no caso do site). Problematizar, entrevistar, questionar, polemizar, ouvir o que têm a dizer as forças políticas no poder e na oposição sobre as grandes questões da actualidade e do futuro próximo é tarefa nobre do jornalismo. Tal como acompanhar de perto a acção das principais instituições, zelando em qualquer circunstância pelo interesse público.

Apesar do que nos vão demonstrando os dias de hoje, creio que os jornais em papel continuarão a ter uma missão primordial de informação, o que é ainda mais evidente em territórios com menor literacia digital. Num concelho que conta com uma larga tradição na imprensa, faço votos de longa vida ao jornal “A Verdade”, que soube tirar partido das novas plataformas e agora se declina também em meios que estão à nossa disposição num computador, num tablet ou num smartphone. Muitos parabéns!"

Regionalização

José Carlos Pereira, 17.12.21

Acompanho por inteiro a posição do presidente da CCDR Norte, António Cunha, sobre a regionalização, manifestada em recente artigo no "Jornal de Notícias". Deve preparar-se com tempo um processo que tenha bases sustentadas e que permita explicar, de forma clara, aos portugueses o que têm a ganhar no seu dia a dia com a institucionalização de um modelo de governação do território mais próximo das pessoas, das empresas e dos seus anseios de desenvolvimento.

A (in)justiça arbitral

José Carlos Pereira, 02.11.21
A experiente jornalista Inês Serra Lopes publicou na semana passada um artigo na Revista do "Expresso" acerca das práticas dos tribunais arbitrais, do muito dinheiro que aí circula, das conexões estranhas e das fortes indemnizações a que o Estado e as diferentes entidades públicas são invariavelmente condenados.

Um dos exemplos destacados é o do processo arbitral no diferendo entre a Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a concessionária Águas do Marco, hoje controlada pela ECS Capital, processo em que intervim como testemunha.

Inês Serra Lopes deixa a nu as enormes fragilidades do edifício da justiça arbitral e a sobrecarga de custos que tal representa para o Estado, ou seja, para todos nós. A experiência que vivi no processo entre a autarquia de Marco de Canaveses e a concessionária da rede de água e saneamento faz com que corrobore plenamente as teses da jornalista.