Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

a varapau 19

d'oliveira, 13.07.15

publishable.jpg

 

A nova teoria do golpe de Estado

( variações semânticas e não só)

 

A senhora deputada Catarina Martins deve pensar que nasceu para ser uma reencarnação de Dolores Ibarruri, vulgarmente conhecida como Pasionaria.

Faltam-lhe porém a circunstância e o modo. E a origem de classe que, diga Gramsci o que disser, tem a sua importância. Catarina, apesar do nome, não é ceifeira, não nasceu na ditadura, vem da burguesia média e educada, e anda perdida num Portugal semi post-moderno. Já é azar!

É actualmente porta voz de um agrupamento que se tem vindo a dessangrar em abandonos, zangas, exclusões e outras coisas do mesmo teor e substância que geralmente ocorrem nestas frentes imperfeitas de radicalismos juvenis.

Foi, domesticamente, uma das mais acirradas defensoras do que ela (tomando a nuvem por Juno, e presumindo-se pitonisa) entendeu ser uma “revolução” grega. E, mesmo que não deva ter lido Lenine, lá terá entendido que “uma centelha pode incendiar toda a pradaria”. Nem sempre, nem na maioria das vezes, melhor dizendo quase nunca.

Com o Syriza no poder, os ameaços do “Podemos”, a melancólica solidão do sr Melenchon em França e umas já quase esquecidas manifestações de indignados, aqui e ali, eis que a referida catequista de esquerda, depois de ir em peregrinação à Grécia, regressou exaltada e ungida pelos apóstolos helénicos pregar a “boa nova” entre os indígenas do cantinho lusitano.

Quando ocorreu o “referendo”, foi vê-la qual liberdade guiando o povo, exaltada e fervorosa a declinar todos os casos que eventualmente poderiam cair sobre uma Elefteria de que provavelmente desconhece tudo como também provavelmente desconhecerá tudo da atormentada Hélade antiga e da cópia em calão em que se transformou a actual.

Hoje, ao saber do dramático acordo que Tsipras assinou de cruz veio às televisões perorar sobre o triunfo de um “golpe de Estado” (sic) que teria torpedeado o Syriza, e já agora os gregos.

Conviria explicar à mimosa criatura que os golpes de Estado são sempre obra de uma minoria contra extensas maiorias. Ora, o que na “Europa” ocorreu foi um acordo entre 18 países e um décimo nono que ainda há quinze dias poderia ter assinado um documento cem vezes menos gravoso do que este que terá de levar ao parlamento. Aquilo que há 15 dias era uma humilhação é hoje pontapé no cu desdenhoso que Tsipras leva.

Foram amigos destes que terão convencido o cavalheiro grego que conseguiria em nome do seu povo, da sua antiquíssima democracia (outro engano que prova que nem sequer a História da Grécia clássica ou até somente a de Atenas foi lida com atenção) obrigar os seus credores a voltar a emprestar-lhe dinheiro. Foi a inconsciência das Catarinas e dos Danieis portugueses (e não só) que eventualmente encantou o cavalheiro que se tomou por Aquiles (manifestamente um bruto invencível que morreu pelo pé) ou até (ó escândalo) por Ulisses, o astuto. Tsipras é apenas Tsipras, os cidadãos gregos parece que preferem o euro mesmo com incomensurável sacrifício e a situaçãoo que era má em Janeiro, horrível em Junho vai ser medonha na próxima quarta feira, dia em que o parlamento irá (ou não) votar o “diktat” dos 18.

Catarina, sonha com revoluções, pensa que é uma revolucionaria prestes a conquistar o Palácio de Inverno ou a Cidade Proibida, mas não passa de uma senhorinha perdida num mundo globalizado em que não bastam as proclamações ruidosas e grandiloquentes.

Não ganha na Grécia e, julgo, nunca ganhará em Portugal. Neste, de 2015. No outro com que eventualmente sonha, o da Resistência, não duraria (caso entendesse combater o Estado Novo) três dias.

A Revolução não é para os entusiasmos de quem não consegue perceber a realidade exterior.

d'Oliveira fecit 13.07-15

(na estampa: golpe dos coroneis)

Diário Político 185

mcr, 07.11.12

Uma vitória especial



Convém lembrar os mais distraídos que as coisas cá não são transponíveis para lá ou vice-versa.

Nos Estados Unidos há dois partidos e bonda. Não há, mesmo se nas margens do sistema campeie um ligeiro folclore, outros grupos políticos capazes de influenciar o Congresso.

Lembrar, depois, que o Congresso, o "novo" Congresso saído destas eleições continua republicano, ou seja, que Obama tem pela frente muito jogo de cintura, muita paciência, e seguramente irá averbar algumas derrotas. Não que seja desejável, pelo menos por mim, mas neste ponto não há volta a dar-lhe. A enorme diferença de votos para os grandes eleitores não corresponde a uma igual diferença nos votos populares. Ou seja, o desfecho desta eleição cheira a alívio mas não repete a quermesse popular de há quatro anos. 

Obama recolhe um voto de brancos em cada três mas ganha quatro votos em cada cinco nas minorias étnicas. É um sinal positivo por um lado e preocupante por outro. Significa que as minorias hispãnicas, asiáticas e negras começam a sentir-se mais dentro do sistema mas não poderá esquecer-se que o repúdio de dois terços dos WASP pode significar um regresso (ou uma permanência?...) do racismo.

Curiosamente - e já aqui foi dito por um colega - Obama arrebata todos os Estados Yankee e perde em todos os estados de grandes minorias negras. Eis algo que deve fazer meditar no que acima se dizia mesmo se seja previsível que na América será cada vez maior a influência dos hispânicos, asiáticos e afro-americanos onde se registam as taxas mais altas de fecundidade.

Um outro ponto que merece realce é este: Obama (com o primeiro ministro holandês) é o único líder ocidental reeleito. Portugal, Espanha, França, Itália e Reino Unido sujeitos como os EUA à crise persistente viram todos os seus dirigentes varridos do poder e por fortes percentagens. Não é façanha  a depreciar, bem pelo contrário.

A última questão deste apressado comentário prende-se com a falsa (e perigosa, porque desmobilizadora!) ideia de que esta eleição vai operar milagres na Europa ou, mais modestamente, nos nossos problemas domésticos. Não vai. Excepção feita à urgente desmobilização no Afeganistão (que aliás é um dramático bico de obra)  Obama vai prioritariamente dedicar-se à política interna quanto mais não seja por que o desemprego tem (na órbita americana e, particularmente nos eleitores de Obama) um volume dramático. E nem todas (ou nenhuma) das medidas a tomar poderão ser interessantes ou estimulantes para nós europeus e/ou portugueses.

Obviamente uma política levada a cabo por Romney também não traria ao resto do mundo melhoria que se visse. com uma agravante: a criatura não tem sequer uma ideia sobre política internacional. Mesmo se, enquanto mórmon, tenha gasto um par de meias solas a calcorrear como missionário o nosso continente. Deve ter-se esquecido ou então nem sequer se apaercebeu que gente era esta a quem ele vinha generosamente propor mais outra religião. 


D'Oliveira fecit 07.11.2011

  

 


Diário Político 180

mcr, 20.12.11



Fixem este nome: Kim Jong-Un

 

 

 

Morreu uma criatura a todos os títulos desinteressante para não dizer algo que me traga algum processo judicial. Ou coisa pior!

 

O morto herdou do finado pai o posto de Presidente da Coreia do Norte, perdão da República Popular Democrática da Coreia e, segundo tudo indica, deixá-la-á ao mimoso filho, acima nomeado que, aos seus vinte e quatro aninhos, já é general de quatro estrelas.

 

Como se vê o triunfante marxismo-leninismo em versão coreana do norte reinventou o conceito de monarquia absoluta e hereditária de que já não se tinha memória.

 

Andei anos a queimar pestanas lendo sólidos cartapácios de Marx, Engels, Lenin, Stalin (até esse!...) e Mao. Não contente, avancei por epígonos, iconoclastas, heterodoxos e demais autores de esquerda.
Nunca vislumbrei quaisquer referências abonatórias das práticas em uso  neste curioso e esfomeado país. Receio mesmo que os pais fundadores do comunismo insultassem com toda a espantosa verve que possuíam (e nesse ponto – mas não só - Marx é imbativel ) a corja que se instalou no comando do Partido e do Governo da RPDC. Porque os dois ditadores finados e o próximo que se anuncia não surgiram do nada. Há um Partido de figuras servis mas acomodadas que os toleram, que os amparam, que são por eles amparadas. E há um conjunto de Partidos e de governos todos mais populares e democráticos uns que os outros que os apoiam de longe ou de perto, que os defendem, que impedem a comunidade Internacional de intervir com a mesma capacidade com que de longe em longe vai interferindo noutras regiões qualificadas de ditatoriais. Mas de sinal contrario, claro.

 

Neste onda mansa e desculpabilizadora aparece um bem próximo que (sic) reafirma «a sua posição de respeito e de solidariedade para com a soberania da República Democrática Popular da Coreia - RDPC, o direito que lhe assiste a determinar o seu rumo próprio de desenvolvimento em condições de paz e não ingerência nos seus assuntos internos, e o objectivo da reunificação pacífica da nação coreana».



 

E acrescenta: 
«Lembrando a posição há muito expressa face a fenómenos e práticas da realidade política coreana com as quais não se identifica, reafirma a solidariedade para com o povo coreano perante as pressões, agressões e tentativas de desestabilização do imperialismo, a que, desde a Guerra da Coreia, no início dos anos 50, o povo coreano e a RDPC têm estado permanentemente sujeitos»,

 

Também não podia faltar o repúdio pela “agenda intervencionista do imperialismo, designadamente dos Estados Unidos, na península coreana e região da Ásia-Pacífico».

Este partido “expressou as suas condolências ao povo coreano e à direcção do Partido dos Trabalhadores da Coreia pelo falecimento do seu dirigente Kim Jong-Il»

 

Relembre-se, apenas, que o imperialismo citado deve ter a ver com a intervenção americana (e mais tarde das Nações Unidas) após a invasão da Coreia do Sul pelos exércitos do Norte. Mais tarde serão as tropas sulistas que tentaráo passar o paralelo 38º mas, queira-se ou não, o começo da guerra foi desencadeado pelo Norte. Ao fim de três anos e três milhões de mortos, celebrou-se um armistício que deixou os dois territórios exactamente como estavam antes. Sem guerra mas sem paz e com um povo dividido.

 

Todavia, e será bom relembrá-lo, a Coreia do Sul é a 13º ou 12º economia do mundo, o pais é próspero, enquanto a Coreia do Norte, com um PIB 16 vezes inferior, é continuamente vítima de fomes dramáticas e só não está esvaziada de população porque as fronteiras são vigiadas pela sua polícia política. O que não impede fugas constantes e deserções. DE militares, de diplomatas, de membros do Partido, enfim de qtodos quantos se apanham fora da pátria bem amada mas mal alimentada. E, já agora, convirá informar que é a Coreia do Sul quem tem literalmente alimentado o povo do norte pelos constantes envios de géneros alimentícios. O norte já tem a bomba atómica mas não consegue dar de comer aos seus cidadãos.

 

Não sabendo exactamente (porque nunca foram explicitadas) quais as práticas politicas que o partido citado  condena na Coreia, e esperando que as malévolas manobras imperialistas nada tenham a ver com a comida enviada pelo Sul, custa-me um pouco a perceber como é que se analisa á luz do pensamento marxista, do materialismo dialéctico, do idem histórico, do pensamento diamático, da análise concreta da situação concreta (Lenin) a natureza do Partido e do Estado na Coreia do Norte. E a falta de liberdades sejam elas quais forem desde a sindical à de viajar, de eleger livremente os seus representantes para já não falar do desastre absoluto em que aquele país se tornou.

 

E aposto que, daqui a dias, sempre prosseguindo na correcta linha “internacionalista” de não ingerência nos assuntos internos de outro país e de outro partido irmão, este mesmo partido saudará a eleição do general de quatro estrelas Kim Jong-Un para a chefia do Estado e do Partido coreanos.

 

Tudo em nome da paz, do progresso, da amizade entre os povos, do internacionalismo proletário e dos “amanhãs que cantam”.

 

É “pró” que estamos!

 

 

d’ Oliveira fecit a 19.XII.11

 

 

 

Diário Político 178

mcr, 30.09.11

carta a Garcia 3


 

Ao contrário das mitologias da Direita que, as mais das vezes, fedem a naftalina, a desforço e a omissão, poderia a Esquerda fazer o esforço de se libertar dos espantalhos que abundantemente semeou, da tralha delirante (e pequeno-burguesa) com que sobrecarregou meia dúzia de princípios simples e generosos, da retórica populista de que usa e abusa, e dedicar-se ao essencial, à luta política pelo rigor e pela transparência, à denúncia vigorosa dos clientelismos (que fartamente alimentou) ao culto do chefe e do providencialismo que a triste época Sócrates ilustrou ad nauseam, e começar a fazer caminho novo.

 

Já se sabe que, sem o poder, as melhores propostas, as mais inteligentes ou as mais práticas, podem ser recusadas pela aliança dos que efectivamente mandam. Em Portugal à oposição só se atribui um papel, o de “encher”. Perde-se, perdeu-se, com isso tempo, dinheiro, ideias e progresso. Perdeu-se também, e é pior, cidadania, sentido de Estado e sentido de pertença a essa teimosa realidade que há oito séculos perseguimos e não alcançamos ou só imperfeitamente alcançamos: uma pátria para todos, feita por todos e mátria de todos.

 

Mesmo assim, não há outro caminho se é que queremos deixar algo aos que vierem depois de nós.

 

Deixar algo que não seja este permanente sobressalto, esta contínua queixa contra “os outros”, a passividade atávica diante do poder, a tolerância vil ante atropelos, favores, corrupção (grande, média ou pequena, activa ou passiva, instalada por donde quer que se olhe).

 

É intolerável que se repita, em pleno século XXI!!!, um estado de espírito que desculpa os nossos e ataca os outros, que desculpa A ou B porque “rouba mas faz”, que aceita o esfarrapado argumento do “faço o que toda a gente faz”.

 

Quando, por exemplo, um par(a)lamentar se zanga com um jornalista e lhe furta, rouba, subtrai, escamoteia, tira, “gama”, “abafa” um gravador, ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito de lhe vir pôr uma mão debaixo e “compreender” o gesto, aceitar o gesto, aplaudir (como ocorreu) o gesto. A este género de pessoas manda-se-lhe um cabo de esquadra a casa, porque isto não pode caber na definição da imunidade parlamentar.

 

Na América, e Deus sabe quantos defeitos aquilo tem, por menos, muito menos, vai uma carreira ao fundo. Ainda há pouco, por uns mails com fotografias do próprio em trajes menores – ou nem isso – enviados a mulheres que com ele se correspondiam, anda um congressista nas bocas do mundo. E não haja dúvidas: o homem vai mesmo perder o cargo, a reputação política e passar as passas do Algarve, mesmo que não saiba (não sabe) o que isso quer dizer.

 

Não interessa, aqui, que eu esteja ou não de acordo – não estou, pelo menos se é só isto. Apenas chamo a atenção para as exigências de uma sociedade e uma opinião pública que entendem a função política como algo que dignifica quem a exerce e dignifica o país. Como algo exigente e não como um emprego para amigalhaços do poder à espera de melhores dias.

 

Enquanto não houver, por cá, a mesma percepção, nada feito.

 

Vivemos tempos difíceis. Travamos uma “incerta batalha” contra os monstros que o sono da nossa razão criou. E contra mais alguns criados pela desrazão de outros.

 

Todavia,  por muitas medidas (e a maior parte delas é meramente avulsa) que se tomem, por muitos sacrifícios que se peçam, e se aceitem, só chegaremos a bom porto se houver uma mudança radical de mentalidade. Se voltarmos a pensarmo-nos como gente pobre, numa terra pobre e daí extrairmos as devidas consequências.

 

As discussões sobre o Estado do bem estar, o Estado social, a necessidade de defender privilégios, regalias ou uma vida europeia, necessitam de ser aferidos pelo que somos capazes de produzir, de fazer, de poupar. Em suma, temos de acordar do sonho cor de rosa que engendrámos pensando que bastava derrotar o Estado corporativo sem cuidar de tornar as débeis instituições públicas e privadas em algo de forte e de saudável. A única maneira de manter as famosas “promessas de Abril” é criar os meios sólidos e duradouros para que elas se cumpram. E isso só se faz com tempo, com esforço e com uma outra mentalidade. Digamos, sem ironia, nem apelos tontos, uma revolução cultural.

 

 

 

d’Oliveira 30.09.11 (aproveitando um borrão de texto anterior)

a ilustração:  Il quarto stato, 2ª versão, 1901 autor: Pelliza da Olmedo

 

 

 

 

 

Diário Político 165

mcr, 01.05.11

 

 

Bandeiras vermelhas à chuva

 

 

Avanti o populo, alla riscossa

bandiera rossa, bandiera rossa

 avanti ò populo alla riscossa

bandiera rosso lo trionferá

 

Em tempos que já vão longe, era eu jovem como os meus sonhos, num pais velho como todos os meus pesadelos, futurei que morreria num fim de tarde de um Primeiro de Maio. Teria desfilado pelas ruas com uma mulher pelo braço, teríamos cantado, dançado, feito amor e, à tardinha, velho e cansado, mas feliz, vinha a hora em que um coração manifestamente gasto dava o seu último sinal.

E morria, sentado num cadeirão a ver o mar avermelhar-se pelo pôr do sol e a sentir a vida a fugir sem que isso me desse especial cuidado.

Porque vivera com intensidade e inteireza, porque realizara parte dos meus desejos, porque sentia que deixava um mundo melhor do que me vira nascer. Que eu sou do tempo da guerra e da dor.

Muitos dos meus companheiros e amigos já se foram. Alguns inimigos também. O mundo mudou e está, apesar de tudo, melhor. As pessoas vivem mais, vivem melhor e sabem mais ou, pelo menos, têm essa possibilidade.

Tudo melhor? Nem tudo, nem tudo. A esperança, essa planta tenaz mas difícil, rareia entre nós. Só por teimosia a cultivamos e só por raiva a vemos crescer. Há, como dizia o poeta, um “deserto [que] cresce: ai de quem acoita desertos”.

Morrem-me, entretanto, dois amigos. Um lá longe, na pampa, ou perto disso: Ernesto Sábato, autor genial que me acompanha desde Dezembro de 70 (acabo de ver a data da compra e, aliás, da imediata leitura de “sobre héroes y tumbas” uma edição espanhola apanhada em Vigo, nas férias do Natal). Com Cortazar e Borges eis a minha trilogia magnífica dos argentinos fazedores de mundos.

Outro, o David Lopes Ramos, chegado a Coimbra já eu estava perto de sair. O DLR era um miúdo caloroso, atirado para a frente e apanhou com 69 logo à chegada. Depois já só vi (li) como cronista gastronómico, criado à sombra poderosa e generosa do Zé Quitério, outro dos bons velhos tempos, leitor incomparável, fino ouvido para a música, bon vivant e grande, grande companheiro. DLR era um bom discípulo que se autonomizou à força de usar as mesmas boas virtudes do Zé: independência feroz, bom gosto e cultura segura, nariz para vinhos e sentido da comida. Era leitura continuada, nunca lhe devo ter perdido um texto, às vezes irritava-me mas percebia-lhe o gosto, a avidez pela vida o prazer de comunicar e de partilhar. Vai-se assim, de repente, sem que eu, mero leitor que o não via há anos, esperasse.

E quase num primeiro de Maio, DLR?  E com o Sábato? Há bandeiras negras a adejar (bandiera nera è segno di morte, como diz a canção dos battipaglia venezianos que a ela e à vermelha preferiam a bianca, segno di pace... mas não de rendição).

É 1 de Maio mas não parece. A chuva ameaça e os cidadãos devem estar ainda a recobrar-se de vários futebóis gloriosos, do casamento principesco e da beatificação do Papa: demasiadas emoções para quem não sabe que neste dia se celebrava a esperança e a fraternidade.  E a liberdade que esta(va) a passar por aqui... 

* o texto citado é de Nietzsche, num dos fragmentos dionisíacos.

d'Oliveira fecit, Maio, 1, 2011 

Diário Político 161

mcr, 14.03.11

Le nouveau Candide

 

O abaixo-assinado esteve fora durante a finda semana. Foi arejar a cabeça e alguns parcos euros para Paris.

Não acompanhou, portanto, a discussão sobre a geração à rasca mas, teimoso e cartesiano que é, recusa-se a condenar os que agora desfilam denunciando um estado de coisas que é, usemos o termo, aviltante para os jovens, indigno para os idosos, displicente para os políticos e, sobretudo, mostra a que extremos se chega por desatenção, incúria e incapacidade.

Vai o abaixo assinado ler com atraso os jornais, inquirir os amigos e tentar perceber o que acontece.

 Todavia, importa responder a meia dúzia de perguntas de algibeira.

A situação actual é boa?

Os jovens são todos fils a papa, com casa, comida, diversão à borla a dinheiro de bolso ainda por cima?

São só os ricos que protestam?

Não haverá nos protestantes uma maioria fortíssima de gente verdadeiramente à rasca?

É porventura obrigatório fazer política apenas por mediação dos partidos existentes?

Têm os partidos políticos e as suas subservientes jotas tido uma intervenção compreensível, inovadora, inteligente, eficaz no que toca a boa parte das situações descritas e criticadas no tal manifesto dos à rasca? Manifestar incomodidade é reaccionário?

(Por outras palavras, para provocar um inteligente amigo meu: Maio de 68 foi uma mania, uma moda, uma inconsequência, uma tolice, um orgasmo ou algo mais fundo e mais sentido?) 

Sexta feira, em Paris, boul mich acima, uma manifestação de jovens educadoras e auxiliares de educação infantis marchava a bom ritmo protestando contra uma tentativa de sobrepovoar as creches e diminuir a percentagem de pessoal devidamente qualificado. O abaixo assinado, qui a en vu d’autres, viu-as passar com emoção e respeito. Elas defendiam seguramente os seus direitos mas também, e isso via-se pelos numerosos pais e mães com os respectivos bebés que as acompanhavam, os direitos dos meninos e a tranquilidade dos pais.

A seu lado, a dona da livraria Le petit prince (alguns dos melhores saldos da zona) acenava com a mão para as manifestantes. "Il faut se defendre sinon..." E nestes três pontos ia toda uma longa história de resistência contra a prepotência, o descaso e a ignorância de quem manda. 

E é isso que interessa e é nisso que devemos fundar o nosso juízo sobre as coisas. 

*a gravura: manifestação acima mencionada

d'Oliveira 14.03.2011

diário Político 158

mcr, 08.02.11

 

o que dizem os cartazes

 

Eu nunca consegui perceber inteiramente o PCP. Ou, então, percebo-o bem demais. Ou, ainda, é a sua linguagem simplista, redutora, a sua “langue de bois”, a cassete, que me arrepela o bom senso, a pouca gramática que aprendi e o gosto pelo português claro e escorreito.

Durante a passada eleição presidencial, apareceu um cartaz que rezava assim: “Confiança nos trabalhadores; confiança no povo; confiança nos portugueses”. Isto, assim mesmo, com uma fotografia (se bem recordo) do candidato Francisco Lopes.

Ora atentemos.

Em primeiro lugar não me parece que deva ser o candidato a ter confiança nas pessoas mas estas nele. Claro que a mensagem era tão ambígua que não é seguro que fosse Lopes a proclamar essa confiança. Mas se não era, então o texto peca por mal escrito.

Mas há mais: Será que os trabalhadores não são do povo? E que ambos não estarão entre  os portugueses? Ou sendo tudo redutível á nacionalidade, para quê meter o povo ao barulho? É que povo é toda a gente que habita um certo território (o “povo português”...). Já é mais fácil pensar que nem todo o povo é constituído por “trabalhadores”, palavra fetiche do PCP que parece envergonhar-se da antiga, “proletários”, mais evidentemente revolucionária, pelo menos em teoria, já que na prática bem se sabe que não houve regime fascista ou reaccionário que não visse uma boa fatia do proletariado nas suas hostes. Claro que sempre se poderá retorquir que o PC fala apenas nos proletários com “consciência de classe” um dos seus mais duradouros mas injustificados mitos.

É que trabalhadores é quase tudo. Até o presidente do BCP (ou outro, ou outro...) trabalha. E reclama-se desse estatuto, dos descontos que faz para a Segurança Social para acautelar a sua reforma. Os estudantes “trabalham”, ou isso é afirmado,  dado que hoje a Educação deixou de ser uma aprendizagem para ser qualquer outra coisa esquisita que entretém rapaziada, ministra, funcionários do ME, uma multidão de professores e mesmo os ideólogos do “eduquês” (e são tantos...) que devem achar que as suas extraordinárias elucubrações são trabalho meritório e revolucionário.

Eu, adepto de um português mais fácil, preferiria dizer confiança dos (e não “nos”). Isso seria um pedido ou mesmo, por que não?, uma afirmação forte. O candidato na sua humildade (revolucionária) vinha pedir aos eleitores a dita confiança ou, desafiando os adversários, vinha garantir que, ao contrario dos outros, gozava dela.

Mas deixemos estas águas passadas e vejamos o novo mote: “Mais produção, melhores salários”, sentença que corre o país em cartazes (outdoors, que é mais fino).

Em primeiro lugar, seria bom interrogar que produção se pretende aumentar, dadas as nossas limitações fabris e industriais. É que, como se sabe, ao longo destes difíceis trinta últimos anos, muita da produção tradicional foi à vida. E foi-o porque se passou dum ciclo antiquado e atrasado, de mão de obra intensiva para outro em que é o capital que tem direito ao adjectivo. Os salários miseráveis de outros tempos foram-se mas obviamente o número de trabalhadores dessas industrias tradicionais diminuiu. Isto quando não foram mesmo as indústrias que emigraram em peso para países de mão de obra mais barata e menores direitos políticos e sociais.

Mas suponha-se que a “produção” está definida, é moderna, necessária e tem escoamento garantido interna e externamente. Melhores salários? Claro que sim, se...

E este se é um se dos diabos. Um se difícil sobretudo se (este sem ser a negrito) houver como há uma taxa de desemprego que ultrapassa os 10%.

São essas centenas de milhares de trabalhadores sem salário que têm de ser socorridas em primeiro lugar. Um salário, mesmo o mínimo, por favor. Um salário pela sobrevivência, pela dignidade, pelo amor próprio, pela justiça social. E, ai, pela paz social.

Falar em “melhores salários” pressupõe apenas que se pretende proteger, beneficiar quem já tem emprego.

Desde há muito que se verifica, sobretudo a certo nível sindical, esta ideia. O sindicato protege quem está empregado, quem cotiza para ele e não os outros, os deixados para trás, os desprotegidos, como se essa gente sem eira nem beira nem ramo de figueira, fosse pestífera, incapaz, sem direitos.

Este cartaz, na sua fria crueza, no seu erro palmar e indecente, é insuportável.

Ou, então, e mais uma vez, anda por aí muita gente que precisa de aprender a falar português. E um português que seja compreensível pelos portugueses todos, pelo povo, pelos trabalhadores e pelo raio que parta quem não consegue sequer criar uma mensagem solidária, leal, e...verdadeiramente revolucionária... Mas isso é outro falar...

 

*na gravura: slogan do tempo da guerra civil na União Soviética: "presente vermelho para um ricaço "branco". Brancos eram, como se sabe, os contra-revolucionários, apoiados aliás pelas potências ocidentais em dinheiro, armas e soldados.

Diário Político 155

mcr, 09.12.10

 

 

Polemicando amavelmente com o caro colega JSC

A história do senhor Assanje e do seu site Wikileaks chegou à nossa galera e, pelos vistos, está para durar e lavar. Eu, sobre esta rocambolesca aventura, tenho muito pouco que dizer. Ou tinha.

Até há bem pouco tempo, considerava a Wikikeaks como mais uma bizarra expressão dos tempos confusos em que vivemos. Um site de pequenas revelações agigantadas pela utilização de forte publicidade e pelo cheirinho a escândalo. Uma espécie de paparazzo sem o encanto nocturno de Felinni.

Sou pouco de espreitar pelo buraco da fechadura, seja como “peeping Tom” seja como escrutinador da baixa política. Sobretudo, arreceio-me dos justiceiros solitários que acampam em cruzadas sempre contra os mesmos. Durante anos, muitos anos, li sobre certos países o que Mafoma não disse do chouriço. Durante o mesmo tempo, havia um conjunto de outros países que nunca, mas nunca, eram apontados. De um lado a virtude resplendente da causa do povo e doutro as víboras lúbricas (sic) dos comedores de homens.

Depois, num ápice, tudo ruiu e foi o que se viu. Durante um período largo os antigos bons eram péssimos e os maus da altura eram santificados nos altares da economia e da liberdade. Voltei a fugir destas novas e súbitas verdades que, de facto, tresandavam a velho e a vicioso.

Tenho por mim que a liberdade de imprensa é um bem inestimável que só pode ser limitado por outros igualmente inestimáveis bens. O direito ao bom nome, por exemplo, à honra e à dignidade. O direito de cada um ser julgado em processo limpo pelos seus pares ou por um juiz acima de toda a suspeita. E por aí fora.

Ora, que é que se percebe desta girândola informativa do Wikileaks, dos seus comentadores, atacantes e defensores?

Em primeiro lugar, corrijam-me se estou em erro, o site Wikileaks venderia os seus serviços, o que não tem nada de mal. Os jornais fazem o mesmo, as televisões privadas, idem. Para o tornar atractivo a anunciantes e clientes, fornecia gratuitamente outros serviços. No caso, informações.

Tais informações foram passando paulatinamente de anódinas a escaldantes. Tinham como fonte normal e, suponho que praticamente única, os arquivos secretos (ou não tanto) dos Estados Unidos. Ou por que estes fossem os mais apetecíveis ou, e inclino-me para esta hipótese, fossem os menos bem defendidos.

As primeiras revelações sobre a política musculada (demasiadamente musculada) no Oriente trouxe duas ou três confirmações do que se sabia mal, se intuía ou se suspeitava, e pouco mais.

Agora veio uma catadupa de mexericos sobre a diplomacia americana. Só quem nunca conheceu um diplomata é que se pode atrever a pensar que, para além do jogo do sisudo a que habitualmente se dedicam, nunca terão estados de alma, confidências ou glosas sobre informações e relatórios. Como nós mesmos, na vida de todos os dias. Com algum sacrifício fazemos cara alegre ao maçador mas entre amigos apontamos-lhe os defeitos. Se isto não ocorresse andaríamos todos no sofá do psiquiatra.

Wikileaks entendeu pôr ao soalheiro estas verdades de segunda mão. Com isso, sabia perfeitamente que se expunha. O resultado está à vista. As empresas que controlam os cartões de crédito, os pagamentos via net e mesmo o banco para onde eram canalizados os lucros comerciais de Wl. fecharam a torneira. Como, aliás, nós fechamos quando um amigo desleal vai contar o que lhe dissemos em confidência.

No mundo duro dos que jogam com os dinheiros as coisas passam-se assim. Debaixo da luva de pelica está uma mão de ferro. O sistema defende-se.

Há meia dúzia de anos, as coisas poderiam ser piores. Fosse em que sítio fosse, China, URSS, EUA ou parceiros menores (a Roménia por exemplo, ou Israel, para fornecer exemplos concretos) havia o pouco saudável hábito de lançar uma matilha de agentes mais ou menos secretos atrás do imprudente com a finalidade confessada de o enviar ad patres.

Agora, prefere-se, esgaravatar na ferida e onde mais dói. Ai cantas? Toma lá que já bebes. Ou melhor: não bebes porque não tens cheta.

Entretanto, há uma segunda frente de batalha: a da Suécia e de um mandato de captura por duas alegadas violações de mulheres. Estão identificadas, fizeram há já bastante tempo as denúncias e o Estado sueco (que não consta ser um serventuário dos EUA ou da Grã Bretanha) desenvolveu as normais diligências contra o senhor Assanje. Deveria suspender a sua acção por este cavalheiro ter posto alguns segredos americanos ao soalheiro? Se, como me atrevo a pensar, a Suécia age de boa fé e se, como eventualmente se verificará, há duas mulheres molestadas, deveria a acção contra o fundador e proprietário de Wikileaks ser suspensa  ou anulada por este não estar, pela sua actividade propagandística,  sujeito ao foro normal dos restantes cidadãos?

Faço parte de uma geração que mantém com a America uma curiosa relação. Por um lado, temos o jazz, o cinema, uma plêiade de enormes escritores (de Faulkner a Pynchon ou Roth), de artistas e intelectuais de primeira grandeza. Temos ainda para embevecimento nosso, uma constituição simples e clara, uma acérrima defesa de alguns direitos primordiais e alguma dívida pelo que os seus soldados fizeram pela liberdade europeia.

Por outro, temos os invasores do Vietnam, os perseguidores de Mossadegh (fosse este ou não comunista), os polícias do quintal americano, os defensores dos emires árabes mais reaccionários, os acusadores de Hollywood, os maquinadores  de uma cascata de conspirações contra regimes estabelecidos mesmo se nem todos fossem isentos de culpa. Os EUA dirigiram o mundo, quiseram dirigi-lo, querem continuar (como outros aliás quiseram ou querem, e falo da finada URSS ou da China, vermelha por fora e verde, muito verde, como as notas de dollar por dentro).

Fui contra a invasão do Iraque, mesmo se sabia, como sei, que Saddam era um crápula; não vejo que a guerra no Afeganistão seja uma prioridade defensiva mesmo que se saiba, e sei, que os talibans por um lado e a cáfila de senhores da guerra por outro são absolutamente perigosos e desprezam absolutamente todos os direitos que entendo defensáveis (sejam os das mulheres, os dos não crentes ou os dos mais pobres); sou dos que pensam que Cuba, dirigida por um bando terrorista e sem qualquer apoio que não seja o medo – e quem viveu os anos que vivi num país mudo e manietado sabe do que falo – não pode estar sujeita a um bloqueio que, aliás, fortalece o poder dos que lá mandam; sou dos que entendendo que Israel tem direito à vida não aceitam que isso se faça à custa dos palestinianos, que agora estão mais desarmados face às recentes decisões de não condenação dos colonatos e seu desmantelamento como base prévia a verdadeiras conversações de paz; etc., etc.

Nada disto, porém, me faz alinhar na beatífica visão que faz de Wikileaks uma vítima indefesa e do (já cá faltava o troppo) capital plutocrata um terrível opressor.

Na internet não faltam (bem pelo contrário) adversários do capital, dos EUA, da burguesia e sei lá de quem mais. Nunca vi qualquer desses sites ser atacado pelo Paypal, pela banca ou pela Mastercard. E, todavia, parecem-me sinceros na sua denúncia. Também é verdade que trabalham gratuitamente e não ganham um cêntimo com as suas criticas ao establishment ocidental.

Numa palavra, não são mercenários.

 

 

* fotograma de Le Doulos de vJ.P. Melville

 

d'Oliveira fecit 9.XII.2010

a varapau 11

mcr, 07.11.10

Daily Vampire (portuguese version)

Os jornais deram em descobrir o segredo de Polichinelo: agora num alarde de virtude, tão súbita quanto redutora, trazem para as páginas principais os ordenados de algumas criaturas.

Ontem, foram os da administração de Guimarães capital da cultura. Mais ou menos 17.000€ por cabecinha pensadora. Ou mais comezinhamente 3.400 contos de reis, dos antigos! Convenhamos que não foram lerdos os cavalheiros e cavalheiras que entenderam dotar-se de remunerações mensais que equivalem a a mais de um ano de salário de um técnico superior da função pública, a tal, a perdulária...

Será que as desconhecidas criaturas que preparam para o alegado berço da nacionalidade esse formidável futuro fracasso da capitalidade cultural são assim tão geniais que mereçam uma retribuição superior a de qualquer grande programador cultural alemão ou americano nos respectivos e felizes países? Que obra, que currículo, que notoriedade pública será a destas notabilidades que nos faça pelo menos determo-nos prudentemente a analisar a obra ciclópica a que meteram ombros?

Não sei por quanto tempo estas geniais personalidades irão exercer o seu mandato. Digamos, sem medo de ser cautelosos, dois anos. Ou seja e em números redondos (com subsídio de férias e de natal) meio milhão de contos, dois milhões e meio de euros!

Não está mal, não senhor.

Gostaria de acrescentar que não me move a inveja mas manda a verdade que a confesse. Tenho inveja! Inveja negra e total, pecaminosa no mais alto grau, custa-me admiti-lo. Andei nestas guerras culturais, anos a fio. Com um ordenado francamente decepcionante, apesar de ter feito atempadamente todos os concursos exigidos por lei e de rapidamente ter, com esforço e sacrifício, atingido a categoria de assessor principal que, na época ainda não se concedia automaticamente.
Eram necessários anos (muitos) na carreira, vaga na categoria, concurso público e mais um par de coisas que, no meu caso, e à acautela, supuseram apresentação de trabalhos escritos, de copiosas páginas, sobre tema que fosse considerado de interesse relevante para a prossecução de tarefas públicas. Isto sem falar de currículo, curso superior nesses anos em que a universidade, e antes o liceu e muito antes a escola, exigiam ao estudante não só o domínio da língua e da escrita mas mais um par de coisas que, basta ler, as actuais sumidades do circo mediático, brilham pela ausência numa larga percentagem de formadores, programadores, gestores culturais que por aí se produzem sem sequer corar. Aliás sem sequer perceberem a razão por que deveriam corar...

Falta-me tempo (e paciência...) para falar de outra gente (por exemplo a rapaziada da televisão, apresenadores de concursos, comentadores de serviço, e outrasluminárias que nos servem a pior ou uma das piores televisões do mundo. Perguntem por aí quanto é que as criaturas recebem ao fim do mês e talvez percebam a razão do naufrágio da pátria madrasta para vocês e fada madrinha para eles. Vá lá, perguntem...

 

d'Oliveira fecit (7-11-2010)

Diário Político 150

mcr, 16.10.10

Modesta proposta para impedir os lusitanos de viver á custa do estrangeiro ou do s seus improváveis descendentes e para os tornar úteis ao seu país *

Deficit orçamental,

Era mais que pavoroso.

Era mostrengo fatal,

Neste pais caprichoso.

(estancia CCCXCI de “Grandezas de Portugal”

Capitão Joaquim António Pereira. Lisboa, 1940)


Já alguém reparou que a extraordinária insistência dos ex-presidentes da república, dos patrões da banca, dos comentadores políticos, de grande número de políticos ligados aos partidos do centrão, de inúmeras outras personalidades de todos os quadrantes, da maioria esmagadora da imprensa, e sei lá de quem mais, tudo no sentido de convencer o senhor Passos Coelho a votar favoravelmente o Orçamento, reduz os três partidos restantes (com assento parlamentar entenda-se) a zero? À absoluta insignificância politica, social, ética e cidadã!

E são mais de milhão e meio de votantes, praticamente 30% dos votos registados nas legislativas de 2009, ou seja praticamente um terço do eleitorado!

De facto, não havendo em relação a estes três partidos (PCP, Bloco e CDS) qualquer proposta, pedido, provocação (até) sobre a questão, está-se a passar a ideia que eles ou são demais no hemiciclo, ou são inúteis, ou, pior, são apenas um mero ornamento da democracia portuguesa, Assim sendo, se assim for, não valeria a pena expulsá-los do areópago parlamentar, numa palavra (ousemo-lo!) proibi-los, ao mesmo tempo que, e pelas mesmas razões, se obrigava à fusão do PPD e do PS (que até se reclamam, pelo menos pelo nome, da social democracia) ?

E reatava-se, democrática e festivamente, uma velha tradição, a do Estado Novo. Salazar é, diz a televisão, o politico mais popular de Portugal. Só nos resta encontrar outro, dado que parece ser relativamente difícil usar os restos mortais do lente coimbrão e, quanto a ressurreições, apenas se conhece – e através de testemunhas pouco credíveis – uma registada há vinte séculos numa terra sáfara e longínqua do Médio Oriente.

Ao fim e ao cabo, estamos numa situação relativamente parecida com a de 26. Não houve milícias armadas a governar a rua, escassearam fortemente os assassínios políticos, os governos precedentes duraram muito mais, chegando até a cumprir-se legislaturas, mas o fosso financeiro existe, a falta de futuro adivinha-se, a tristeza e o desencanto estão instalados e com uma ajuda ligeira das policias existentes, ou de outras que se queiram formar, do controle da informação (coisa que até já foi tentada bem há pouco), algum músculo e outro tanto de retórica temos todas as probabilidades de nos instalarmos de novo, orgulhosamente sós, no jardim à beira mar plantado, sonhando com a Índia, a árvore das patacas e a bananeira generosa (e republicana, claro).

Vamos a isto?

* o título, como algum leitor sagaz terá reparado é contrabandeado de Swift

(dedicado a R.F. Lucas e M.ª L. Assis)

d'Oliveira fecit