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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

diário Político 232

d'oliveira, 06.05.21

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Paisagem desprotegida

d’Oliveira fecit,  6 de Maio

 

Há males que até podem vir por bem, Enfim, que podem ter alguma serventia. Ou seja poderão ser úteis se os poderes central, regional e local tiverem vergonha na cara o que pode ser demasiada exigência.

Agora, foi Odemira. Subitamente, pelos vistos, toda a gente descobriu que naquele enorme concelho alentejano há migrantes a viverem abaixo de quaisquer condições mínimas. Pior, há suspeita fortíssima de tráfico de pessoas, de mafias criminosas que negoceiam a vinda de pobres desgraçados para trabalhar nas estufas por dez mil euros!

Dez mil euros e, para qualquer português uma soma alta. Imagine-se quão alta será para os deslocados do Bangladesh, do Nepal, da Índia, da África sub-sahariana ou mesmo dos países do Leste europeu.

São as famílias e os amigos que se associam para poder enviar um migrante que, uma vez ma terra (alegadamente) prometida lhes irá pagando. Primeiro a dívida, depois a ajuda e finalmente se tudo correr bem até custeando oa vinda de outros para cá.

As “mafias” quase todas de lá conseguem até estender os seus tentáculos ao destino final, alugando casas que “bem divididas” são outro negócio da China, Assim uma casa com dois quartos e que custe 1000 euros poderá albergar uma boa dúzia de pobres criaturas que pagarão em média 130/150 euros. Convém clarificar que este negócio também é levado a cabo por habitantes locais que  não são menos gananciosos.

Toda a gente conhece esta realidade desde que o negocio das estufas foi implementado em Odemira. Aliás, noutros pontos do Alentejo também atingidos pela agricultura intensiva, a mesma situação repete-se. A televisão mostrou uma reportagem no Baleizão de Catarina Eufémia que faz esta e os seus camaradas parecerem ricos e privilegiados face a este lado ainda mais sombrio dos trabalhadores agrícolas alentejanos. Cenas do mesmo teor repetem-se nos distritos de Setúbal e Santarém, provavelmente menos evidentes mas qualitativamente semelhantes.

Também convém dizer que nem todo o patronato local (em Odemira)  esconde a situação ou tolera (e aproveita-se) do mercado negro de seres humanos. E que, de quando em quando, a câmara municipal foi advertindo o Governo e as autoridades, nomeadamente as ligadas ao sector agrícola e à segurança social ou à segurança tout court.

Todavia, de pouco serviram avisos, exposições, reclamações ou queixas. A burocracia (isto é o Estado) lá estava vigilante para , como é seu bom princípio, torpedear, empatar, adiar, assobiar para o lado. No caso de criação de habitação  condigna, a coisa começou logo pelo facto de se estar numa “área protegida” da Costa Vicentina. Em bom português, a paisagem, alguma bicheza, o estado impoluto das praias tiveram a primazia sobre os seres vagamente humanos que por lá vagueiam, trabalhando duramente, aumentando a riqueza nacional, as exportações, os impostos municipais, movimentando o comércio local e tudo o resto.  A conta deste magno problema em que a paisagem pesa mais do que o homem (este homem pobre, desqualificado, que não fala português, que faz o que já nenhum português quer fazer). Andam há três anos em conversa fiada. E mais andariam se não fora o covid que, deu forte e feio em Odemira devido, diz-se a um par de infecções começadas na Assembleia Municipal. )Pelos vistos os emigrantes tão desprovidos de tudo nem ao vírus terão tido direito! A miséria como anti-viral é mesmo algo de alucinante!

A solução definitivamente provisória como é habito nacional foi meter alguns (os com mais sorte, apesar de tudo) em contentores que, segundo uma conspícua dirigente socialista teriam até “ar condicionado” (acredite quem quiser que nanja eu.

A PJ e o SEF andam em profunda investigação há dois ou três anos. Percebe-se que a coisa seja profunda pois aquela gente vem praticamente dos antípodas.

As “máfias” tem pois alguns anos de bons lucros à sua frente, O mesmo sucede com os proprietários locais que alugaram casas ou algo que faz idêntico papel. Parece que começaram a aparecer negócios (mercearias, por exemplo) que benemeritamente importam e vendem aos “monhés” acepipes lá da terra deles. Os géneros podem ser indianos ou nepaleses mas os peeços esses são bem portugueses, versão Alentejo litoral. Uma negociata! Uma chatinagem de alto gabarito.

As excelentíssimas autoridades, incomodadas com esta descoberta do que estava à vista de todos prometem medidas. Uma delas é instalar os migrantes sãos num complexo turístico falido. Como esse complexo se continua por um bairro de segundas moradias pinocas, os proprietários destas  que, coitados de nada sabiam ,nada viam, nada suspeitavam, os pobres inocentes, juram que tais medidas de mera e curta solidariedade “no pasarán!”

Hoje o “Público” traz uma reportagem sobre a comunidade indiana em Portugal, isto é em Lisboa. Os números oficiais dão conta de um crescimento gigantesco: eram, há poucos anos 5000, são hoje cinco vezes mais. Pelos vistos, trata-se de uma comunidade exemplar. Zero crimes, boa integração, boa convivência (hindus, muçulmanos e católicos, indianos paquistaneses e sikhs, para além dos indo-moçambicanos que, em vagas sucessivas foram chegando à antiga metrópole. A comunidade também tem um índice educacional bastante alto porquanto a  esmagadora maioria dos jovens passa pela universidade.

De resto, o actual Governo tem três figuras de origem goesa que além do 1º Ministro integra os ministros das Finanças e  Aliás, já o anterior governo tinha um Secretário de Estado (da Cultura) de origem goesa.

Porém, parece haver indicadores que demonstrariam a existência de uma diáspora indiana de quase cem mil membros ( quem são, onde estão ?) . É que, exceptuados os trabalhadores temporários e semi-temporários dos campos do sul  (10/15 ou 20000?) não se descortina assim tanta gente.

Seja como for, esta comunidade tem-se integrado com relativa facilidade e êxito. O mesmo se poderia esperar destes outros, e menos felizes, novos habitantes que pelo seu trabalho bem merecem outro acolhimento e sobretudo a protecção que, até à data, tem miseravelmente falhado. E aqui ninguém poderá, doravante, desculpar-se: o abcesso rebentou, o escândalo está à vista e impõe medidas rápidas, fortes que nos permitam, a nós portugueses, deixar de nos envergonharmos.

Eu faço parte dos que se lembram das desastrosas condições de dezenas (ou centenas?) de milhares de emigrados portugueses que se amontoavam em zonas absolutamente degradadas na cintura imediata de Paris. Hoje nada ou quase nada recorda essa odisseia de sofrimento e esforço. A imensa maioria (aliás, os filhos e/ou os netos estão integrados na vida francesa, são franceses quase todos e começam a ver-se nomes portugueses nas candidaturas políticas. É um bom sinal. Assim se passe o mesmo com os que agora nos vem pedir trabalho, dignidade e esperança. Sejamos, por uma vez, dignos de algo que sempre alardeamos como virtude portuguesa: a absorção de outros que queiram partilhar os nossos valores.

a ilustração representa uma página dos Vedas

  

textos alheios 3

d'oliveira, 10.04.20

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Ed è subito sera

Ognuno sta solo sul cuor della terra
trafitto da un raggio di Sole:
ed è subito sera.

 

Estamos todos sós sobre o coração da terra

Varados por um raio de sol;

E, subitamente. É noite.

(trad. d'Oliveira)

 

* Salvatore Quasimodo. Sicilia, 1901-1968. Prémio Nobel de 1959

 

textos alheios 2

d'oliveira, 08.04.20

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Gato dormindo debaixo de um pimenteiro: gato amarelo folhas verdíssimas pimentos vermelhos: sono redondo: sombras pequenas de pimentos vermelhos no sono do gato: folhas sombrias dentro do amarelo: pimentos dormindo num gato vermelho; verdes redondos no sono do pimenteiro:

o amarelo: da cabeça do gato nascem pimentos verdíssimos de sono: sono vermelho: sombras amarelas no gato redondo de sono verdíssimo debaixo de um pimenteiro amarelo: a sombra do gato dando folhas redondas sonhando amarelo sobre dormindo os pimentos: a água: secura sombria do gato vermelho: o sonho da água dorme no pimenteiro: a sombra da cal das paredes secas dorme no gato de água amarela: a cal dá pimentos que sonham nas folhas do gato: o sono da cal dá sombras redondas no gato enrolado no vermelho: a água é uma sombra o gato é uma folha o sono é um pimenteiro: a cal é o verdíssimo do sono seco dando sombra no amarelo: pimenteiro redondo: pimento de cal enrolados no sonho do silêncio amarelo: o silêncio dá gatos que sonham pimentos que dão sono na cal que dá sombra nas folhas que dão água na secura do tempo vermelho: o tempo enrola-se debaixo da cabeça do pimenteiro que se enrola no gato de cal do sono amarelo: o sono de dentro dos pimentos debaixo do redondo verdíssimo enrolado no sonho: e dorme o pimenteiro com as sombras do gato redondo enrolando-se nas folhas: silencio de sonho sono de tempo: tudo amarelo: noite de pimenteiro sono de cal folhas do gato sonho das sombras do verdíssimo vermelho: secura da noite: noite do gato na noite da cal com a noite das folhas dentro da noite do verdíssimo debaixo da noite do sonho diante da noite do pimenteiro após a noite do amarelo desde a noite das sombras consoante a noite redonda para a noite de dentro durante a noite do vermelho detrás da noite dos tempos debaixo da noite sem à frente do com da noite conforme a noite conforme: a noite dos tempos: um gato de dentro desaparecendo num pimenteiro: pimenteiro desaparecendo: a cal morrendo no sonho das folhas pequenas: o silêncio de tudo no mundo inteiro:

etcaeteramente vosso inteiro:

herberto helder:

em Janeiro de mil novecentos e sessent e três

diário político 213

d'oliveira, 21.02.19

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Notícia de um naufrágio iminente

d'Oliveira fecit (Fev 2019)

 

(declaração de interesses: sou- ainda- beneficiário da ADSE. Tenho 44 (quarenta e quatro) anos de quotização. Nos primeiros quarenta e dois (42) anos nunca enviei para a ADSE qualquer pedido de pagamento de despesas feitas e pagas por mim. Por preguiça e porque entendia que eram demasiado pequenas para estar a mobilizar aquele serviço. E, passe a modéstia, porque pensei que assim auxiliava o meu seguro de saúde e o mantinha financeiramente robusto. Nestes últimos anos, fiz uma operação ao pé direito (joanete), um exame médico de alguma importância, duas consultas médicas e sou seguido -mas pago 40 euros de cada vez- por via do diabetes. Se tivesse sido recorrido ao SNS, é provável que a operação ainda não tivesse sido marcada pois todos sabemos que o problema é considerado de pouca importância pelo que fica adiado quase sine die, mesmo com sapatos que se deformam ou que –como no caso da minha mãe se têm de comprar com números diferentes, das dores que se sentem). O exame a que acima me refiro foi realizado oito dias depois de ter sido pedido – no SNS esse prazo nunca é inferior a 90 dias e a média sobe para os 140/150 como, aliás me foi dito nos dois hospitais públicos em que tentei informar-me. A consulta bi-anual de diabetes é por mim marcada com oito/dez dias de antecedência e até posso escolher a hora. Consta de uma entrevista prévia com um enfermeiro e da consulta propriamente dita com uma excelente e simpática médica. Como não há convenção específica o hospital (Instituto CUF Porto) cobra-me um preço especial - € 40- cujo recibo posso enviar para ADSE (coisa que até à data nunca fiz por pensar que o posso suportar e para contribuir para as finanças ainda sólidas deste “seguro de saúde” dos funcionários públicos e dos aposentados do mesmo sector). As poucas consultas que fiz foram –me cobradas por um preço praticamente simbólico. No que respeita à parca saúde oral, tenho uma excelente dentista “não convencionada” mas, pelos motivos que muito acima aduzi, também me vou esquecendo de requerer à ADSE a parte que me cabe.

Todavia, mesmo sem praticamente aproveitar, tenho-me mantido fiel à ADSE para onde desconto praticamente 100 euros mensais! O futuro é sempre incerto e a minha idade aumenta assustadoramente e a mais elementar prudência aconselha-me a fazer esse esforço financeiro).

 

A ADSE é um seguro de saúde dos funcionários públicos, abrange mais de um milhão de pessoas (no activo e reformados), nunca entrou em ruptura financeira, bem pelo contrário, e é a inveja do resto dos cidadãos que tendo direito ao SNS estão cada vez mais desprotegidos.

De facto, os hospitais públicos estão saturados, há cirurgias que demoram anos, exames – colonoscopia - que chegam a demorar mais de três anos (ainda ontem, uma paciente de Grândola denunciava o facto no programa televisivo diário “sociedade civil”), faltam enfermeiros, médicos (especialmente anestesiologistas), o quadro de farmacêuticos hospitalares tem um défice de 150 profissionais – pelo que há farmácias hospitalares que fecham ou estão na iminência de fechar - e há especialidades que pura e simplesmente “empurram” os pacientes para o “privado” (o caso da fisioterapia, para não ir mais longe).

Nos últimos anos, o panorama tem-se agravado, não havendo sector que não se queixe (médicos, enfermeiros, técnicos de todas as categorias e especialidades). Já não há conta certa do número de direcções de serviço que se demitem ou ameaçam demitir-se.

Entretanto, e depois de Paulo Macedo, os ministros que se tem sucedido ou saem varridos pelo desastre ou, no caso actual, mentem descaradamente quando afirmam que há alternativas eficazes à eventual denúncia de contrato dos grupos privados. A Cruz Vermelha, os hospitais das Misericórdias e os das forças Armadas não tem capacidade (e é até discutível a sua qualidade) para atender os mais de 600.000 utentes da ADSE que frequentam normalmente os hospitais denunciantes do acordo.

Esta senhora Ministra, chefiava até há pouco um serviço público que (alegadamente) o Tribunal de Contas acusou de falsificar dados. A sanha ideológica que anima a criatura e que tem sido visível a cada nova intervenção pública (pelo menos na TV) faz prever um desastre absoluto. As greves anunciadas ou previsíveis, a continuada falta de resposta aos mais elementares pedidos de reforço em gente, meios, e dinheiro, o desprezo com que são encarados os problemas decorrentes da existência ou não de PPP em hospitais públicos (e o caso de Braga é bem expressivo tanto mais que, ao que parece, houve boa gestão e muito maior eficácia do que em muitos ou todos os hospitais públicos) tem como resposta única e míope (se não cega) a afirmação de que tudo correrá melhor, no melhor dos mundos se só houver SNS.

Todos os especialistas (nacionais ou estrangeiros) afirmam que para um bom e são SNS é necessária a complementaridade privada e social. Só os arautos do naufrágio nacionalizante” (PC e BE) que subitamente se esqueceram da falência absurda, do desastre medonho dos seus modelos estrangeiros, é podem impunemente afirmar que há medidas fáceis, economicamente viáveis, para este estúpido e desnecessário confronto mas, até à data, não propuseram nenhuma medida prática que baseie a sua posição. Nenhuma! Tudo o que deixam no ar, será pago por mais impostos, por muito mais impostos!

Nada tenho contra os hospitais públicos, recordo com profundíssima gratidão e igual emoção, a noite em que o meu Pai chegou em coma (de que não saiu) à Urgência do Hospital Santo António. Vi toda uma equipa médica que, desconhecendo que o paciente era médico, corria velozmente para tentar salvar aquela anónima vida. Um amigo meu estava nesse grupo e depois veio falar-me, prevenir-me, consolar-me. Viva eu mil anos e não os esquecerei. A minha mulher foi, no mesmo hospital, atendida e assistida duas ou três vezes. Bem, muito bem. Exactamente como, actualmente, no Hospital CUF do Porto. Com uma diferença: aqui tudo foi muito mais rápido, as instalações eram muitíssimo melhores e o atendimento exemlar. Sempre que a acompanho lá, posso esperar na cafetaria cuja limpeza, qualidade e serviço é incomparavelmente melhor à dos hospitais públicos que conheci.

Dito isto, vamos ao confronto agora existente e profundamente soprado pelos adeptos da “nacionalização” e da sanha a tudo o que é particular e privado.

A primeira questão que se verifica é que parece que o simples facto de haver lucro na prestação de cuidados de saúde é um crime. Capitalismo puro!

O “negocio da saúde”! Então qualquer médico de consultório aberto anda a “roubar” os pobres doentes. Meu Pai, enquanto exerceu clínica, numa terra pobre referia que só 20% dos doentes pagavam. Os restantes não podiam. Mas saíam do consultório com uma nova esperança, com medicamentos provenientes das “amostras” deixadas pelos representantes dos laboratórios e eram “visitados” em casa se estavam de cama. De borla. O meu pai não era excepção. Mesmo hoje podemos ver médicos a fazer o mesmo. Serão menos mas não é isso que lhes tira grandeza à generosidade e ao empenho.

O que se pede a um hospital, público ou privado, é que trate da melhor e mais adequada maneira quem o solicita.

Tudo o resto é fantasia tonta e ideologia barata.

Continuando: O SNS, melhor dizendo os hospitais públicos abandonaram há muito tempo, determinado número de especialidades que obviamente caíram no domínio da actividade privada. Razões para isso são várias mas podemos sempre começar pelo financiamento (Este actual Governo cativou mais de 150 milhões que obviamente redundam em menos serviço, pior serviço, falta de serviço. Basta isso para levar muitos utentes para o privado), pela falta de investimento, pelo continuado adiamento de reestruturação ou de construção de hospitais novos (o caso do “Joãzinho” no H. S. João do Porto é uma gritante prova) .

Ter o arrojo de afirmar que o sector privado “come” 1200 milhões do Orçamento é uma acusação irresponsável à luz das evidentes limitações do SNS.

Isto num país onde o simples facto de se precisar de uma análise só se consegue em tempo útil recorrendo aos laboratórios privados. Os hospitais só fazem essas análises aos internados e com longo tempo de espera a algum que outro “externo”.

Especialidades como a fisioterapia são, nos hospitais públicos, algo de inacreditável. Novamente, a minha mulher, conseguiu (com uma cunha do tamanho da légua da Póvoa) que, duas vezes por semana, lhe tratassem de uma mão. Ao mesmo tempo, eu, com uma maleita semelhante, recorri a uma clínica privada e convencionada, e em trinta dias e vinte e seis sessões, puseram-me como novo. Ao fim de duas semanas e quatro tratamentos, a cara metade rendeu-se ao óbvio e num prazo de tempo idêntico ao meu lá sentiu as melhoras necessárias.

Toda a gente sabe que, desde há muitos anos, com a notável excepção de Paulo Macedo, houve sub-financiamento crónico, aumento da despesa, problemas de recrutamento (ou melhor de não recrutamento) de profissionais.

Desde há meses, que se vinha adivinhando, este (mais que previsível) embate. Eram as PPP (no caso de Braga, denunciada pelo grupo particular) que mesmo contra a evidência de melhor serviço e maior produtividade, eram crismadas de más, malévolas e contrárias ao interesse público, era a campanha (ainda ontem recordada nas palavras de Catarina Martins) de que os privados sugavam o dinheiro de todos (no caso da ADSE que é exclusivamente alimentada pelas contribuições dos beneficiários não se vê tal situação) o que ou indicia ignorância da líder do Bloco ou simples mas descarada asneira, tenha ou não também má fé.

Agora surge um conflito acerca da exigência da ADSE (ou de quem lá manda e que não foi eleito com voto dos que pagam e são directos interessados) em cortar 40 milhões na despesa e em exigir aos privados 38 milhões “facturados a mais”. O segundo problema está nos tribunais e o primeiro deixa-me estupefacto: para já o país envelhece e isso traduz-se em mais e mais frequentes pacientes; depois, os medicamentos, as próteses e tida a restante parafernália são cada vez mais caros embora de melhor qualidade e eficácia.

Não quero, porém, deixar de fora a famosa questão que o primeiro problema aflora: ninguém, e eu muito menos, entende a disparidade de valores (de medicamentos, de actos cirúrgicos, de próteses) apresentada por diferentes hospitais. Nesse capítulo, também ninguém entende como foi possível a quem geria a ADSE permitir desde o primeiro dia esta aberrante disparidade. Cumpre a uma justiça célere e séria responder já a este problema. Melhor dizendo: cumpriria...

Na falta de solução dos tribunais, há que imediatamente pôr as partes em contacto, se possível à vista do público para, de uma vez por todas, solucionar uma situação que só angustia os utentes da ADSE.

E lembrar aos militantes radicais que a ADSE não é deles mas de quem a paga. E lembrar aos mesmos que a AR tem poder para obrigar o Governo a financiar decentemente o SNS. Antes isso do que mudar o horário de trabalho de Função Pública de 40 para 36 horas (quantos milhões custa isto?), de fazer tábua rasa do IVA a 23% nos restaurantes (para proveito dos turistas estrangeiros), de baixar propinas e assim diminuir o orçamento das universidades (já com graves problemas), de ,por vários meios, criar novos encargos para o Estado e assim malbaratar o dinheiro dos impostos que (convém lembrar) todos pagam e alguns muito mais do que os outros (caso do IRS).

Hoje mesmo, o dr Correia de Campos, antigo ministro da Saúde, veio, no “Público” pôr os pontos nos ii. Leiam-no, por favor. Aliás, quem o devia ler era essa inepta ministra e os fanáticos social-populistas do PC, do BE e de alguma “esquerda” (?) do PS, ideologicamente falida e politicamente ignorante.

No fundo, bem no fundo, há da parte dos alegados amigo do SNS um profundo ódio à ADSE que acaba por passar por uma “regalia” da Função Pública. Volto a lembrar que essa regalia é paga (e bem paga) pelos 3,5% qie todos mensalmente descontam para a instituição!

A rasoira desta gente é sempre a mesma: igualar por baixo, cada vez mis baixo. O crescente empobrecimento ideológico (para não referir o ético, o cultural e o social) acompanha a tentativa de pauperização crescente dos cidadãos.

(a propósito: algumas criaturas com forte desmemória juram a pés juntos pela herança do dr. António Arnault, “pai” do SNS. Assim se esconde uma longa história começada duas décadas antes pelos muitos empenhados e perseguidos cidadãos que fizeram o “Relatório das Carreiras Médicas” e sobretuso se atira para um buraco negro da História o dr Miller Guerra, professor (sempre ao lado dos estudantes – crise de 62, p ex), deputado na ala liberal (onde iniciou o debate parlamentar sobre um serviço nacional de saúde) cargo de que se demitiu em protesto contra o cerceamento das prometidas liberdades do incio marcelista, deputado à Assembleia Constituinte e bastonário da Ordem dos Médicos. Isto não diminui Arnault que, enquanto Ministro, pode avançar – logo que o país alcançou um mínimo de estabilidade- com uma lei que bebia quase tudo no longo e produtivo (e corajoso) combate de Miller Guerra e dos seus companheiros de duas dezenas de anos de luta e sacrifício.

Só por isso, ou também por isso, Miller Guerra é o rosto da gravura de hoje. É uma pequena homenagem do então jovem estudante preso durante a crise académica de 62 e que não esquece o punhado de professores que se solidarizaram com os estudantes

 

Diário político 213

d'oliveira, 16.11.18

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É a economía, pá!

d'Oliveira fecit 16.11.18

 

No “Publico” de hoje, sexta, 16, o sempre excelente Luís Afonso no seu diário “Bartoon” compara o eventual futuro IVA das touradas (proposto para 6%) com o da electricidade (23%). E pergunta-se se neste último caso estamos perante uma questão de gosto ou de civilização?

Claro que LA sabe bem a resposta mas convirá oferecê-la para algum(a) leitor(a) desprevenido/a: a continha da luz cai em cima de todos quantos dormem debaixo de um teto mesmo se este for pobre e frágil. Logo arrecada-se assim uma receita que, aos olhos gulosos do dr. Centeno, será, no mínimo, voluptuosa. Das touradas a 6 ou a 23% pouco “escorre”. São poucas, sazonais e mesmo que as praças encham, aquilo só dá para trocos.

Este é o segredo da taxa de 6% para os produtos ditos culturais. Livros, discos espectáculos de teatro ou de música pouco rendem se é que o rendimento cobre as despesas com os custos da tributação.

Outro exemplo interessante será o dos computadores ou dos telemóveis. Aqui, sim, há “carne da perna”. Primeiro, o preço médio destas aparelhagens é sempre avultado. No caso dos telemóveis nota-se até uma tendência para escoar com maior rapidez os mais caros. Aliás há muita gente que gosta de ter mais do que um telemóvel. Só uma fiscalidade descerebrada cairia na asneira de, em nome do acesso à informação (e da comunicação instantânea), baixar um imposto que rende milhões. Os combustíveis, os automóveis e outras já correntes necessidades básicas permitem arrecadar fortes somas. Querer que sobre este tipo de artigos haja uma baixa de IVA é um desejo pueril, para não usar outro adjectivo mais contundente.

Alguém, porventura, me saltará ao caminho, apontando as propostas de baixa de impostos (na electricidade, por exemplo ou no gasóleo para a agricultura) vindas de grupos políticos que normalmente se consideram de esquerda. Mesmo aí há que reparar que se estabelecem, para eventuais beneficiários, limites de rendimentos globais bastante baixos. E fantasia-se com aparentes números muito expressivos que, depois das contas feitas, são sempre inferiores aos enunciados pelos generosos defensores do “povo”.

É o género de medidas tipo baixa de IRS para emigrantes que regressem. A coisa, em abstracto, parece maravilhosa. Na prática, ver-se-á, que serão poucos os que regressem confiados nesse privilégio. No rendimento global de um trabalhador, uma baixa da taxa de IRS, assume valores residuais, sobretudo num país em que os ordenados não são famosos. Por outro lado, alguém acredita que, súbita e patrioticamente, afluam à pátria madrasta dezenas de milhares de emigrantes já estabelecidos no país onde vivem e trabalham e onde, normalmente, tem melhores salários, melhores cuidados de saúde, melhores condições de habitação e de ensino para os filhos?

Todavia, a medida, apareceu. E porquê?, perguntará alguma azougada leitora, convencida que um Governo quando anuncia uma benesse é porque acredita que ela tem valor. Pois, simplesmente, porque assim se passa uma mensagem imediata de que se está muito “mrppemente” a “servir o povo”. Só quando a poeira assenta é que se tem a possibilidade de desmontar a maquinaria propagandística e se verifica que “depois de abertas as portas com fragor só resta silêncio e escuridão e nada mais” se é que me é permitido citar Antero de Quental que sobre a pátria sabia muito. Tanto que se suicidou sentado num banco que tinha escrita a palavra “esperança”.

(em guisa de final s ainda sobre a temível palavra – que não conceito – “civilização” – relembremos à Sr.ª Ministra que a arremessou no hemiciclo, o título do conto homónimo de Eça de Queiroz onde uma certa civilização “apanha para tabaco”. E boa leitura...)

(a alusão ao slogan “servir o povo” convirá dizer que não foi o MRPP o seu inventor. Mao Tse Tung (ou Mao Zedong, se quiserem) já enunciava o princípio que, aliás, vinha da velha civilização chinesa. A tradição m-l e a a comunista no geral usava e abusava de frases e títulos (sobretudo nos jornais) que corriam naquele fechado e pouco imaginativo universo. Assim o jornal das ”juventudes” do MRPP seguia o título de um jornal originalmente porta-voz da UJCm-l grupo que mais tarde dará origem à “Gauche Proletarienne” (1969-1973). Tal título serviu a mais de uma dúzia de organizações de vários países e continentes. Como se vê, a originalidade, campeava.)

 

Diário Político 212

d'oliveira, 09.11.18

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Aventuras do IVA

d’Oliveira (pagador líquido de impostos) fecit ).11.2018

 

O benemérito Governo que nos apascenta rumo aos amanhãs que cantam entendeu na sua sábia generosidade baixar o IVA num par de actividades culturais desde que elas se processem em recinto fechado. Os aplausos choveram mesmo que minguadamente. Actividades culturais em recinto fechado serão o teatro, os concertos de música clássica, o bailado (e ousaria referir a tourada que, ao que sei se processo em praças de touros Isto caso se considere que a arte tauromáquica é uma actividade cultural, coisa questionável por muito e pela sr.ª Ministra da Cultura).

Ficam de fora os mega-concertos em estádios (que ao fim e ao cabo também me não parecem espaços especialmente abertos e os chamados festivais de música mesmo se, até nestes casos haja claramente uma definição de muro e de porta(s) de entrada. A bem dizer, em vez de espaços fechados ficaria melhor a expressão de espaços cobertos e aí fora os teatros e restantes salas de espectáculos mais nada se descortina.

Vejamos, porém, o porquê destes “espaços fechados” atendendo, fundamentalmente ao que lá se passa. Teatro, cinema (desconheço se aqui o IVA é reduzido, ou se o é só em relação so ciema português e por aí fora), música erudita em todas as suas variantes, recitais e ópera. E o fado, claro, a alegada “canção nacional” que cabe em casas exíguas.

O resto, os espectáculos multitudinários continuam, se não erro, a ser alvo de um IVA de 23%.

A única razão que descortino para este gravame fiscal é de uma simplicidade encantadora. Estes eventos atraem milhares, dezenas de milhares de criaturas. Assim sendo percebe-se que a redução do IVA causaria uma séria quebra de receita para o, aliás simpático, Estado.

Ao contrário, em espectáculos em que a freguesia é diminuta, mais rara do que andorinhas no inverno, baixar o IVA não tem qualquer expressão significativa. Mais: a música erudita, o teatro e o bailado são substancialmente alimentados pelos cofres públicos, podendo, sem receio, afirmar-se que este auxílio estatal representa a maior (quase a totalidade) do orçamento dessas pequenas empresas.

A ideia que se apregoou para justificar a descida do IVA foi a de que, assim, os preços cairiam e o número de espectadores aumentaria. Com perdão dos estimados artistas, tenho as mais fortes e pertinazes dúvidas de que, repercutindo a baixa do imposto no preço final do bilhete, daí haja qualquer efeito quanto a aumento de público. E se, porventura, isso se verificasse, tal aumento teria seguramente uma expressão mínima. Custa dizê-lo mas esta é uma verdade pela qual aposto cem contra um.

Lembraria que a bolsa dos cidadãos, sobretudo nesta época de falsas vacas gordinhas, se mostra aberta aos mais extravagantes gastos e pouco dada às coisas da “cultura”. A menos que englobemos nesta mais do que elástica expressão, a televisão com o seu cortejo de novelas mal amanhadas, os cinquenta programas sobre o futebol, o “casamento à primeira vista, os medonhos reality shows, as longas tardes (e manhãs) de programas onde a ninharia é, apesar de tudo, o menor dos males. Ver aquelas sessões diárias em que um(a) apresentador(a) espertalhaço/a dá à manivela perante uma plateia de criaturas que aplaudem quando lhes é indicado, é, creio-o sinceramente, penitência para muitos pecados mortais. Mas pelos vistos é cultura. Como o é também a edição (toda ela) sem curar de distinguir manuais, de romances, ensaios de propaganda, relatórios de obra de criação científica.

( e já agora, uma referencia à edição discográfica. Passem por uma feira e vejam quantos discos estão à venda sob títulos sugestivos e pornográficos. Não se espantam: vendem-se como bolinhos)

Faltaria falar da imprensa onde tudo o que corre desde o cor de rosa à cor do burro quando foge, tudo passa pelo mesmo canal. Com uma especial atenção à cada vez menor quantidade e qualidade da imprensa dita cultural que anda por aí meio evaporada. As poucas publicações que se reclamam desse labéu (eventualmente infamante) vivem à custa de compras institucionais (Estado, Câmaras, bibliotecas, Institutos de divulgação de Portugal no Estrangeiro, etc...  

Aí estaria um trabalho para essa estranha máquina chamada Ministério da Cultura mas temo que à vista do que sabe, a coisa pareça mais complicada do que os 12 “trabalhos de Hércules” a começar pela limpeza das estrebarias de Áugias. E para a sr.ª Ministra, já agora, se é que a deixam meter (-se) nessa “peregrinatio ad loca incerta"...

* na gravura: cultura, sempre cultura...

diário político 209

d'oliveira, 29.09.18

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O Infarmed, uma comédia de enredos sem grande substância

d’oliveira fecit (27.Set.2018)

 

Este folhetim deveria chamar-se “Portugal no seu melhor” mas, mesmo que seja verdade, custa meter o nome do desgraçado país num caso que tem muito de farsa e pouco de graça.

Vejamos por partes.

Quando a Grã Bretanha entendeu sair da  U.E., começou a pensar-se para onde iriam as agências europeias lá sediadas. De entre elas, assumia especial relevância a do “Medicamento”. Muitos funcionários, muitos visitantes, muito dinheiro.

O Governo de Portugal, apesar de já cá ter duas agências, entendeu que poderia abichar alguma coisinha e candidatou Lisboa. De imediato, começou a chinfrineira do costume: que era tudo para a capital (o que é verdade...) que assim nunca mais se regionalizava (opção aliás já chumbada há uns anos), enfim o habitual.

O Governo, rapidamente fez uma pirueta e propôs o Porto.

O Norte profundo, melhor dizendo o norte litoral, melhor ainda o Porto, ronronou de felicidade. Nem pensou nas dificuldades previsíveis, na sua situação relativamente periférica, na falta clara e gritante de infra-estruturas disponíveis ou de outras comezinhas condições tais como estabelecimentos de ensino em número e qualidade (em língua inglesa, preferentemente), hotéis com capacidade para absorver os milhares de interlocutores da nova agência.

Até o prudente dr. Rui Moreira (que tem experiência de vida no estrangeiro) embandeirou em arco (ou fingiu...)

Como era previsível a candidatura morreu na praia. Amesterdão ganhou limpamente. Eu que lá demorei uns gloriosos três meses, em nada me espantei. A cidade é agradabilíssima, está no centro da Europa, perto de tudo e só perde para o Porto em horas de sol e calor. No resto, desde museus a escolas, parques a hotelaria, ou acessibilidade, ganha em todos os tabuleiros.

O Governo vestiu-se de rigoroso luto e, sem que nada o solicitasse sequer  sugerisse, lembrou-se de transferir para o Porto o Infarmed!

Logo nessa altura me perguntei como, porquê e quando. Em primeiro lugar as centenas de trabalhadores (de que uma forte percentagem é altamente qualificada) teriam de mudar de residência o que, com família, significava um esforço quase impensável. As escolas das crianças, os familiares na cidade, os amigos, a casa comprada (e eventualmente ainda não totalmente paga), as comodidades, os hábitos, enfim a vida, mudariam de alto a baixo. Para muitos –os mais qualificados – abria-se a possibilidade de sair para outros empregos disponíveis nos campos da saúde e farmacêutico. E isso significaria desguarnecer a instituição das suas mais valias. E um largo par de anos para a recompor.

Tenho a experiência suficiente e vivida de como uma súbita mudança de sede de uma instituição a enfraquece e destrói. Há vinte e tal anos, uma luminária da Cultura, o dr. Santana Lopes entendeu transferir a Delegação Regional do Norte para Vila Real. Pensando nas duas dezenas de funcionários desprotegidos, entendi (mesmo sabendo que me dariam um lugar tão bom ou melhor do que o de Delegado Regional) que teria de tornar claro o meu desacordo, demitindo-me.

A coisa processou-se aos trancos e solavancos, todos os funcionários recusaram Vila Real e foram amontoar-se em várias instituições locais. Três ou quatro técnicos superiores recusaram transferir-se e ficaram anos e anos em casa a receber o ordenado por inteiro. A delegação em Vila Real, mísera e mesquinha, acomodou-se numa cave qualquer e foi fenecendo. Dez aos depois até os Delegados começaram a funcionar no Porto, indo à província escassamente. A coisa está nesse pé: em Vila Real continua a “existir” uma coisa com dois ou três funcionários residentes e tudo o resto se trata no Porto. Com uma diferença: o capital de conhecimentos, relações institucionais, parcerias e confiança foi pelo cano e, com muito vagar, vai-se tentando recuperar. Um desastre cultural, institucional e, sobretudo, caríssimo.

O dr. Santana continuou nas suas tropelias, foi efémero 1º Ministro, caiu redondo ao fim de escassos meses de péssima governação, andou por aí e agora, como de costume, partiu a loiça e parece que fundou “uma coisa em forma de assim” (no estilo “concertos de violinos de Chopin”, por ele imortalizados para não dizer inventados).

Baseado neste minha experiência, nunca acreditei no Infarmed tripeiro. A deslocalização de uma instituição pública, recheada de funcionários públicos estava condenada ao fracasso. Ou melhor: nem sequer se punha a sua hipótese.

Parece que, perante o Parlamento, o Sr. Primeiro Ministro cinco vezes (cinco!) afirmou que o Infarmed estava de malas aviadas para o Porto. Em que se basearia S.ª Ex.ª para tantas e tão repetidas profissões de fé?

A pergunta é legítima porquanto, agora, à crua luz da realidade, o mesmíssimo e excelentíssimo chefe do Governo, veio (pasmem gentes!) dizer que se ele tivesse tendências autocráticas o infa-qualquer coisa já estaria a encher-se de tripas e francesinhas. Seriam as cinco (pelos vistos infrutíferas) anteriores declarações um grito de alma, uma confissão de um impetuoso desejo de governar como o antigo czar de todas as Rússias (aliás imitado, e mesmo ultrapassado, pelos restantes cavalheiros que lhe sucederam na governação daquelas imensas terras). Que terá, entretanto sucedido para agora confessar a sua decaída queda para a autocracia?

O dr. Rui Moreira, presidente da edilidade portuense apareceu nas televisões acusador e definitivo: que “ palavra dada – e nunca solicitada – deveria ser honrada”. Mas que, afinal, “tudo como dantes, quartel general em Abrantes”. Ou, corrigiu ainda o autarca, “tudo em Lisboa”.

Finalmente, os órfãos da “regionalização” apareceram em chusma bramindo que a única solução passaria por de novo fragmentar a pátria dos egrégios avós em regiões. Valeria a pena perguntar como é que num país de escassos dez milhões de criaturas se dividem, estes também escassos 89.000 quilómetros quadrados. Sobretudo quando nas duas grandes áreas metropolitanas, que apenas cobrem 6% do território, se acumula mais de metade dos portugueses

Eu sei que em Espanha, na Alemanha ou na Itália há regiões. Mesmo se com diferente sucesso. Em boa verdade só a Alemanha se pode gabar dos seus Länder. Na Itália, as regiões do Sul estão entregues às camorras, máfias, ndranghetta & similares enquanto no Norte prospera o nacional-populismo de resultados cada vez mais visíveis. Em Espanha inventaram-se tantas autonomias quanto possível para afogar as tendências irredentistas de algumas “nacionalidades” mais ou menos (menos que mais, é bom reconhecer) históricas. Os custos da divisão tem sido financeiramente medonhos e os êxitos escassos. Em França, depois da criação presunçosa de uma miríade de regiões diminui para menos de metade o seu número por se verificar que os gastos eram muitos e os benefícios para a população raros enquanto o velho centralismo napoleónico e republicano não permitia um grande desenvolvimento regional. De todo o modo, houve instituições (académicas, militares, p.ex,)   que abandonaram Paris e se estabeleceram alhures na "província".

Por cá, por exemplo, os três tribunais superiores que os respectivos juízes frequentam apenas para a sessão semanal poderiam há muito estar distribuídos por Coimbra, Évora, Viseu ou Aveiro. No primeiro caso, há, de pé, edifícios históricos, os colégios da Rª da Sofia onde qualquer destas instituições caberia com largueza. E talvez isso impulsionasse a reocupação pública e nobre dos restantes... Por outro lado, criam-se com facilidade exagerada “altas autoridades” para isto e aquilo ou quase nada. Porque deverão sediar-se em Lisboa? Por exemplo essa nóvel comissão para os fogos de floresta. E por aí fora...

Agora, agarrar numa estrutura pesada, consolidada, com centenas de trabalhadores (ainda por cima da função pública ou algo do mesmo teor e dificuldade em movimentar) não lembra ao careca. Lembrou ao dr. Costa que, aliás, ainda tem bastante cabelo. Antes o tivesse perdido estudando com mais cuidado os dossiers e as promessas. Agora cai-lhe tudo em cima.

E é bem feito!

Diário polítio 227

d'oliveira, 30.07.18

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Silly season

felizmente sem (até à data) fogos

 

d’Oliveira fecit 30 de julho, 2018

 

1 Nada tenho contra Miguel Portas cujas excelentes séries televisivas segui com muito agrado. Se nem sempre concordei, achei-as sinceras, inteligentes e necessárias. Do seu papel de dirigente bloquista ou antes da UEC nada direi. Era com ele, mesmo se a época da sua militância fosse já bem posterior à terrível desilusão de Praga que deitou por terra tudo por quanto as “juventudes” que glorificavam os amanhãs que cantam” eventualmente lutavam.

Todavia, não há nada na sua biografia que permita, sem mais, perceber a Grã Cruz da Ordem da Liberdade. Que diabo o homem tinha 14 ou 15 anos em 1974. E durante o PREC aceitou tudo o que o “partido” ordenava. É bem verdade que a OL já leva quase cem agraciados com a Grã Cruz!!! Quase um saldo! Pior que um saldo!... De todo o modo, gostaria de saber que luta pela liberdade foi a sua, aos olhos do Senhor Presidente, o tal que jurou ser moderado em condecorações e que rapidamente se esqueceu dessa eventual regra limitativa de prebendas. Será que foi pela dissidência do PC? Pelos textos jornalísticos? Pela morte estúpida na flor da vida? Ou apenas, porque sim?

 

2 As aventuras do panteão

 

O Panteão demorou duzentos e muitos anos a ser construído. Depois, não se sabendo o que fazer da Igreja de Sª Engrácia destinaram-no a panteão. Aliás há mais (os Jerónimos; S Vicente de Fora, onde repousam os Braganças; A Batalha onde estão muitos dos reis e príncipes de Avis e finalmente Sª Cruz de Coimbra que alberga D Afonso Henriques e D Sancho). Durante anos o panteão viveu na obscura glória de meia dúzia de mortos até que subitamente e de rajada meteram lá Sofia, Amália e Eusébio. E queriam outros mas as famílias recusaram (Salgueiro Maia ou Eça de Queiroz que jaz em Tormes).

Agora anda muita gente frenética para meter lá Soares. E, na onda, Sá Carneiro. Alguém avançou com Zeca Afonso e mais alguém replicou com Aristides de Sousa Mendes, “justo entre as nações” (com mais dois outros diplomatas que, mesmo se toda a gente ignora, salvaram judeus).

Daqui a pouco não há panteão que chegue. E cada vez mais se confunde alguma cidadania, mesmo se exemplar, com a panteonização. Aquilo começa a parecer-se com o moinho da Joana ou com o eléctrico 28 onde cabe sempre mais um para gáudio dos carteiristas que lá fazem a “féria”.

No caso de Mário Soares, a coisa vai mais longe. A lei expressamente prevê um prazo de vinte anos de intervalo entre a morte e a ida para o Panteão. No jardim à beira mar plantado isso não é problema. Faz-se uma lei para desdizer desta que levou Eusébio para Sª Engrácia. Foi justamente para evitar as comoções do falecimento que se aprovou a lei dos vinte anos. “É demais”, dizem os celebrantes de Soares. E há uns rapazes do PPD que, na onda panteonizadora, aplaudem e metem Sá Carneiro à boleia. Já vi jornais a falar em Amaro da Costa. Até ao fim do Verão ainda inventam mais umas augustas figuras de pais e mães da pátria. Mães sobretudo, porque só lá há duas mulheres o que prova o sexismo da política portuguesa.

“Ai Portugal, se fosses só três sílabas, sal, sul e sol”...

 

nb: o dr Mário Soares foi um grande cidadão. O Estado Novo não o calou e, muito menos o amedrontou. Depois, resistiu ao filo-sovietismo que animou alguma escassa sociedade lisboeta. Chegou por mérito próprio (com o meu pequeno voto também) a Belém. Gostava da vida, dos fatos bem feitos, de boas gravata, de livros (que leitor era!...) e de uma boa soneca reparadora. E de mulheres, benza-o Deus. Está, e muito bem, nos Prazeres nome adequado ao seu espírito bon vivant. Não o desterrem para os lados da feira da ladra!

A ilustração: fotografia do embaixador Sampaio Garrido embaixador em Budapeste e anjo da guarda de muito judeu. “Justo entre as nações” para que se saiba.

 

Diário político 226

mcr, 07.11.17

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A revolução de Outubro foi em Novembro (II)

 

(d'Oliveira fecit 7.XI.17)  

Passam hoje cem anos sobre o inicio da revolução bolchevique (e não Revolução russa, como por aí corre: esta começara havia meses, logo no início do ano com a deposição do Czar e as tentativas de formar um governo que conseguisse segurar a rua, manter a guerra, alimentar o povo e os soldados e criar estruturas democráticas duradouras. Dentre os diversos grupos revolucionários (e eram bastantes) os chamados bolcheviques (maioria) não se distinguiam particularmente. Era mesmo duvidoso que, dentro do Império Russo fossem a maioria do antigo Partido Operario Social Democrata Russo, como começou por se chamar. A minoria (mencheviques) fora batida no exterior (Suiça) mas hoje parece pacífico que no “interior” teria mais adeptos.

Logo que a Revolução se tornou conhecida, Lenine e um grupo de partidários, exilados na Suiça, conseguiram regressar à Pátria num “comboio selado” fornecido pelos alemães que esperavam, com fortes razões, que a chegada deste grupo a Petrogrado aumentasse as dificuldades do Governo Provisório. Corre, em alguns meios, a acusação de Lenin ser um agente dos alemães. Nada o confirma, tanto mais que, desde o primeiro dia, o dirigente bolchevique lançara a palavra de ordem “Paz imediatamente”. Claro que isto favorecia os alemães que assim ficariam livres de uma enorme frente onde aliás a guerra lhes corria de feição. O exército russo, mal armado, mal preparado, mal dirigido só tinha a pequena vantagem do número mas nem isso era importante tanto mais que os exércitos dos impérios centrais tinham soldados de vinte etnias e línguas (muitas delas eslavas) o que enfraquecia sobremaneira a cadeia de comando além do que, como já era conhecido, não garantia a fidelidade de muitos combatentes.

Lenin não é (nem era) flor que se cheire mas agente dos alemães é demasiada ousadia.

Como se sabe, ou não, a palavra de ordem “todo o poder aos sovietes” ou seja aos conselhos nascidos espontaneamente à imagem e semelhança do que sucedera em 1905, foi o argumento usado para desacreditar e enfraquecer os poderes do Governo em funções.

Lenin era um temível estratego e percebeu, mesmo entre duas fugas para local mais acolhedor, que se a rua tivesse o poder as possibilidades de êxito de um pequeno mas disciplinado grupo de revolucionários, eram incomparavelmente maiores. Mais, com o controle do soviete de Petrogrado (por Trotsky) dotava-se de uma vaga legitimidade que mesmo sem a respeitar, lhe servia para desacreditar os adversários.

A tomada do Palácio de inverno foi um passeio. A defesa deste desmoronou-se antes de começarem os combates e só uns vagos pelotões de mulheres soldados opuseram algum frágil resistência. Hoje em dia, passam nas televisões filmes heroicos sobre esse curtíssimo episódio mas isso deve-se tão só ao génio de eisentein e de outros seus discípulos. O dia é descrito como uma enorme confusão, com o poder a desabar sem defesa eficaz, sem reação dos sus partidários e perante a indiferença de quase todos. Posteriormente, o golpe de Estado que expulsou a maioria eleita de deputados (não bolcheviques), apenas demonstrou que com audácia, mera audácia, muita sorte e uma gigantesca confusão havia um novo poder. Poder absoluto, não partilhado, que esmagou um a um os adversários (primeiro a esquerda, depois o resto) como até se consegue perceber em John Reed (o cavalheiro americano que escreveu o hagiográfico voluminho “1o dias que abalaram o mundo”).

A Russia exausta queria apenas comer e deixar de morrer na guerra. Exércitos inteiros retiraram-se das frentes de batalha, os sindicatos “contra-revolucionários” desorganizaram tudo nomeadamente os transportes o que permitiu aos bolcheviques, assentar o poder em Petrogrado e Moscovo, recrutar nas fábricas as suas tropas de choque e começar a organizar (sempre Trotsky) o incipiente Exército Vermelho.

De todo o modo, a escassez alimentar não cessou, as perdas militares continuaram e em breve a guerra civil voltou a aumentar as dificuldades, a fome e a morte de civis.

O Governo (o “conselho de Comissários do Povo”) bolchevique não hesitou em usar mão dura contra os opositores, coisa aliás, muito em voga na Rússia onde o poder nunca fora meigo e muito menos defensor de quaisquer direitos humanos. A temível Okhrana dos czares foi substituída pela Tcheka que se notabilizou logo de seguida na repressão a anarquistas, socialistas revolucionários sem esquecer obviamente os partidários do antigo regime.

(convém recordar que a hostilidade para com os socialistas revolucionários levou uma militante (Fanny Kaplan, presa de 1906 a 1917 na Sibéria) a atentar contra a vida de Lenin. Não teve todo o êxito que previa mas na verdade o dirigente bolchevique nunca mais se recompôs dos ferimentos.)

Não vale a pena desfiar o rosário dos dramáticos acontecimentos que se seguiram mas que podem reconduzir-se a quatro ou cinco pontos (esvaziamento rápido dos poderes dos sovietes, governamentalização dos sindicatos, desaparecimento rápido das independências das nações submetidas ao Império mesmo se estas tenham subsistido formalmente na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A ditadura do proletariado esfumou-se atrás da ditadura do partido único, a repressão política depressa cresceu exponencialmente até ao momento dos processos de Moscovo onde foi liquidada toda a velha guarda revolucionária e bolchevique. Antes, aliás, já tinham sido esmagados (por Trotsky) os famosos marinheiros de Kronstad, ferro de lança da revolução e últimos defensores do falecido slogan “todo o poder aos soviets”. A guerra civil e as grandes fomes (especialmente a da Ucrânia que se mediu em milhões de mortos e em cenas atrozes de canibalismo) consecutivas à perseguição dos kulaks não impediram um crescimento gigantesco da industrialização mesmo se até fins do século a URSS sempre tenha sido um país de severo racionamento de bens fabricados desde os sapatos aos automóveis privados e destes até, pasme-se, aos pensos higiénicos. A repressão atingiu paroxismos nunca igualados que mesmo se mitigados nunca fizeram desaparecer o gulag ou seja a miríade de campos de trabalho forçado que durou até à era de Gorbatchev. Do ponto de vista cultural, o panorama também foi assustador. Ainda hoje se fala da estranha morte de Gorki, dos suicídios de Marina Tsvetaeva Maiakowsky ou Essenin, de Ossip Mandelstam e Isaac Babel (mortos no gulag) e censura a muitos outros, Vassili Grossman, Ana Akmatova ou Boris Pasternak, dos músicos silenciados (e aí vale a pena recordar o fim de Prokofiev e da perturbada vida de Shostakovitch, herói durante o cerco de Leningrado e acusado de formalismo anos depois, esteve em risco iminente de ser deportado). A grande revolução das artes plásticas durou o momento de um suspiro e se hoje se fala de pintura russa apenas se podem referir os emigrados (Kandinsky ou Chagal) que os não saíram foram rapidamente considerados formalistas e inúteis. Não foi preciso Stalin, Lenin e apaniguados espojaram-se em críticas que, mais tarde, Jdanov levou ao delírio absoluto.

Dentre o grupo de dirigentes de topo apenas dois se deram ao trabalho de defender os intelectuais: Bukarine e Lunatcharsky

Em boa verdade, são estes dois bolcheviques quem melhor teorizaram a revolução e as suas consequências. Bukarine foi executado, sorte a que Lunatcharsky escapou porquanto morreu ainda antes dos processos.

Para fazer um balanço da revolução seriam necessárias dez crónicas e mesmo assim ainda hoje não há nenhuma conclusão segura que escape à ideologia. Mesmo com a URSS enterrada, o bloco socialista convertido no que se sabe, o comunismo num estertor medonho que o desvairado líder da Coreia muito bem documenta, a URSS teve uma vida agitada. No fim dos anos 30, Stalin decapitou o Exército Vermelho tornando-se, por isso o principal responsável das primeiras e violentas derrotas sofridas contra os alemães. É bom relembrar que estes tiveram um caloroso apoio da URSS durante praticamente dois anos de guerra (Setembro de 39 -Junho de 41)

Posteriormente, também convém lembrar a fortíssima ajuda americana nos primeiros meses após a invasão alemão. em termos quantitativos os americanos forneceram material e diversos suprimentos no valor de nove mil milhões de dólares o que, se é três a quatro vezes menos do que à Inglaterra é quase vinte vezes mais do que a ajuda à China. Não foi isto que decidiu a guerra, sequer a vitória soviética mas a ideia de que a URSS venceu sozinha e que isso a torna credora do reconhecimento universal é risível. Globalmente, os aliados enfrentaram dois exércitos fortíssimos (o alemão e o japonês) e durante vários anos a iniciativa pertenceu ao Eixo.

De todo o modo, a URSS saiu vencedora e comportou-se como tal fazendo cair sobre metade da Europa uma cortina de ferro que durou quarenta anos. Depois, tudo esboroou como um castelo de cartas. entretanto a “Revolução”, o “socialismo num só país”, a “pátria dos trabalhadores” e outros narizes de cera rapidamente mostraram o que valiam. E os protestos não tardaram. Em Berlim (17 junho 1953), na Hungria em 1956, a “ordem” só foi restabelecida pelos tanques russos. A mesma ordem voltou a cambalear em 1968 em Praga. E a receita foi a mesma. O “Bloco socialista” disfarçava mal um império e, nesse capítulo os dirigentes soviéticos foram discípulos fieis de Stalin. quando foi necessário. Krutchev viu-se “obrigado” a liquidar Beria, depois de vencer Malenkov, Molotov e Bulganin; depois da crise dos mísseis durou pouco e foi substituído pelo imóvel e medíocre Brejnev e durante anos viveu semi preso em casa.

De qualquer modo, o calcanhar de Aquiles da “Revolução” foi sempre a economia. E mesmo os grandes êxitos (inicio da corrida espacial) ou a criação de uma formidável indústria de guerra foram interiormente “compensados” por uma escassez crónica de bens de consumo, pela falta de habitação nas grandes cidades, pela existência de passaportes internos que dificultava a circulação de pessoas no território soviético. O Partido comunista era tão só uma imensa teia burocrática incapaz de inovar, de pensar o século XX, de estabelecer metas para o futuro. E como agora se percebe, criou as bases para as grandes fortunas russas do presente onde a ideologia visível se reduz ao poder do dinheiro e a um novo riquismo insultuoso. Não espanta que só meia dúzia de saudosos celebre o centenário. Numa frase de um cinismo aterrador, Lenin terá dito que o “comunismo era o poder dos sovietes mais a eletrificação da Rússia”.   E de facto assim sucedeu. Os ideais marxistas, a herança das duas primeiras Internacionais, foram grosseiramente postergados. A geração revolucionária foi morrendo rapidamente, na guerra civil, durante os processos de Moscovo, na deportação e no exílio. Nem Trotsky, refugiado no México, escapou. Como não escaparam os comissários políticos enviados pelo mundo fora e particularmente para a Espanha. Como não escaparam os agentes secretos do Komintern na Europa. Nem os espiões que informaram sobre a invasão alemã. Hoje em dia, questiona-se o heroísmo e a eficácia de Trepper o mítico dirigente da “Orquestra Vermelha”. A verdade é que, no fim da guerra foi preso e passou dez anos na prisão. Todavia, se como afirma um historiador recente, ele tivesse ajudado os alemães não há duvida alguma que teria sido executado. Assim, limitou-se a sofrer as consequências de ter sido agente comunista. A regra geral era a seguinte: quem tivesse passado demasiado tempo no Ocidente, tornava-se só por isso um perigo pelo que ou o internavam num campo siberiano ou o fuzilavam imediatamente. Nem as centenas de milhares de prisioneiros de guerra soviéticos na Alemanha escaparam a esse destino.

As revoluções não exactamente jogos de salão, nem folguedos de uma noite de Verão. Todavia, a Revolução de 17 deu origem a um imenso desastre, político, cultural, étnico e económico que aliás teve sequências no Revolução Cultural ou nos poucos mas sangrentos anos de domínio dos kmeres vermelhos no Cambodja.

Pelos vistos há quem a queira celebrar. E há saudosos. Exactamente como em Itália há ainda quem celebre o triste Mussolini enquanto na Alemanha aparecem uns cabeças rapadas travestidos de Juventude hitleriana. Mas, neste (e noutros casos em outras latitudes) caso é bom lembrar Marx: A história repete-se mas da segunda vez é como farsa.

*na gravura: cartaz dos tempos da Revolução. Com Lenin, um extraordinário estratego mesmo se, do ponto de vista teórico, deixe bastante a desejar. As suas grandes obras -aliás pequenas e muito datadas- tem a ver com o dia a dia revolucionário. E são nesse domínio certeiras. Ao contrário, as suas incursões pela filosofia (Materialismo e Empirocriticismo" ) deixam muito a desejar: longas, chatas e francamente desinteressantes.

** Sobre os "conselhos operários" não são os russos quem interessa. cita-se para quem queira dois autores Anton Pannekoeke e Rosa Luxemburgo que teorizaram sobre o conceito que deu origem aos sovietes. 

Diário político 225

mcr, 30.10.17

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o incendiário palavroso 

d'Oliveira fecit 30 Out 17

 

Domingo, noticiário das oito. Subitamente o ecrã aparece ocupado por uma criatura exaltada, crispada, tonitruante, ameaçadora. Primeiro poder-se-á pensar que se trata de um porta voz do Daesh, de um radical catalão, de um adepto furioso do Brexit. Depois, as coisas tornam-se mais simples: a criatura falava português, um português primário mas português, apesar de tudo. E ameaçava.

Vai-se a ver trata-se de um homenzinho presidente eterno da Liga dos bombeiros que, num dia extremamente perigoso, se reunira numa espécie de congresso a que o Primeiro Ministro teve de assistir.

De seu nome Jaime Marta Soares, consta do seu currículo que foi sete vezes deputado, varias vezes presidente da mesma câmara e candidato infeliz à de Coimbra, há poucos meses. Terá passado pela Faculdade de Direito mas não concluiu o curso que na altura, anos 60, tinha as suas pequenas dificuldades. todavia é, ou foi, bombeiro e preside à Liga.

Já há uns meses, tinha anunciado com espalhafato que sabia umas coisas do incêndio de Pedrógão. Pelos vistos tal declaraçãoo morreu solteira e na praia perante as insistências do Ministério Público. Na altura, alguém me disse que a criatura tinha muito destas atitudes: entradas de leão e saídas de sendeiro. Porém, as televisões adoram-no. O abencerragem é um sanguíneo, um espalha brasas (o que é mau num bombeiro mesmo sem actividade na linha da frente) e tem topete coisa que fará muito efeito nas sociedades recreativas por onde passeia a jactância e o bigode e barba farfalhudos.

Ontem, perante um Costa surpreendido mas calmo, o “revolucionário” Soares ameaçava com “os bombeiros na rua”! Ai querem afrontar-nos? Pois vão ver em que se metem!

Cheguei a temer que, muito cgtpinamente prometesse uma greve tremenda: o país a arder e os soldados da paz a assobiar para o lado. Parece que nem tanto. Os bombeiros ofendidos e unidos ocuparão ruas e praças do país em boa e civilizada gritaria contra Costa, contra a profissionalização, conta a futura Alta Autoridade, contra a unidade de missão, contra sei lá que mais coisas. Pelos vistos, sentem-se injustiçados. E vítimas! Às tantas foram eles que morreram às dezenas por esses pinhais fora onde ninguém os via. Também quem os não viu não volta a vê-los: debaixo de sete palmos de terra os falecidos não atinam com os vivos que passam perto. Nem com o tal Jaime Soares.

Para minha surpresa, Costa, desta feita, respondeu com prudência, contenção, civilizadamente, à berrata que, dizem-me, foi coroada de aplausos.

Não duvido que numa casa onde não há pão todos gritem e ninguém tenha razão. No momento actual, com meio país ardido, é fácil encontrar culpados e, mais ainda, encontrar desculpas. Agora, que se tem de rapidamente arranjar soluções (reconstrução, pastos para o gado sobrevivente, alfaias agrícolas, destino a dar ao material ardido, solução urgentíssima para as colmeias que restas cujas abelhas correm o risco de morrer à fome na terra queimada e devastada, etc) conviria que o cavalheiro Soares adoptasse uma pose menos comicieira, menos ameaçadora, menos de ferrabrás de feira e, mesmo se, provavelmente, ambos não tenhamos Costa em alta estima, tratar com respeito um primeiro ministro que até foi ao congresso. A um congresso que se realizou quando o país corria riscos elevadíssimos de novos fogos! Ou, por outras palavras para ver se me entendem: A um congresso que, no caso de catástrofe repentina como a última, poderia ser responsável por forte inacção dos bombeiros cujos comandos ali estavam todos para re-eleger o senhor Soares que, há que dizê-lo já tem idade para deixar essa tarefa a gente mais nova. Mas, pelos vistos, a criatura é assim: quarenta anos de poder local, sete vezes deputado, dezenas de anos bombeiro e variadíssimos presidente da Liga. E não se cansa ou pensa que não se cansa, que é imprescindível, o melhor da rua. A triste cena do congresso prova à evidência, mesmo se o reelegem a 70%, que a criatura está gasta. Tão gasta quão gasta e inútil foi a sua deposição sobre os incêndios de Pedrogão.

Façam-lhe uma estátua, dediquem-lhe duas ruas e mandem-no para a reforma, aparar o bigode.