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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

diário político 232

d'oliveira, 19.12.20

Da responsabilidade e dos perigos de a alargar excessivamente

d’Oliveira fecit 19 de Dezembro

A responsabilidade, contudo, não acaba na directora do SEF ou no ministro. Vai até ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. Vai até ao Parlamento e aos partidos. E vai até cada um de nós enquanto cidadãos. Quantos, políticos e cidadãos, se indignaram ao longo destes longos meses com o caso? Nem as redes sociais fizeram grande eco... O meu camarada JCP publicou um útil post sobre a vergonha do aeroporto. O excerto com que abro este meu comentário é, quanto a mim, interessante, provocatório mas perigoso. Quando algo de repelente sucede, há que buscar os seus agentes. É evidente que, neste caso, tudo se desmoronou no exacto momento em que houve uma tentativa, canhestra aliás, de falsificar os dados. Todavia, rapidamente, se começaram a conhecer os contornos sinistros do crime. Nessa altura, a primeira reacção de quem mandava no SEF seria não só mandar fazer um rigososo e rápido inquérito, suspender os elementos criminosos já conhecidos, contactar com urgência os familiares da vítima e pedir responsabilidades a quem de direito. No caso, a directora do SEF. Era imperioso apresentar ao ministro a sua demissão que poderia até não ser aceite. Isso não ocorreu. Aqui entra a responsabilidade do Ministro: a extraordinária atitude da Directora só poderia levar a um resultado: demissão. Isso não ocorreu. A inacção do Ministro durante tantos meses mereceria uma conversa de pé de orelha com o 1º Ministro. Houve? Até agora, tudo leva a crer que não. Mesmo assim, e os leitores sabem que não sou meigo, uma medida de demissão contra o Ministro parecia eventualmente demasiada. Só começou a parecer mais grave, depois de se verificar que o Ministro não só não fazia nada mais que os mínimos mas sobretudo nem esses cumpria. A saber um contacto com a família da vítima e medidas contra a Direcção do SEF. Depois da conferencia de imprensa do Ministro, das palavras de Costa, começa a fazer sentido a crítica ao Governo. Porem, no caso do Presidente da República . onde já vamos! – já começa a sentir-se algum exagero de JCP. Claro que o dr Rebelo de Sousa, tem o hábito de intervir superlativamente a propósito de tudo e de nada. Por isso o seu silêncio foi difícil de aceitar. Mas daí até ima assunção de culpa .... E o parlamento? Teria ficado bm alguma reacção. Tanto mais que há parlamentares que não perdem ocasião. Ah, se Ihor fosse negro!... Não era. E assim os anti-racistas sempre alerta não se mexeram. O ucraniano era branco, loiro, europeu e isso não entra nas categorias a proteger nesse novo canon da indignação por medida. Tamvém aqui atirar sobre o parlamento parece excessivo. Não que não ficasse bem um pedido de esclarecimentos, um comentário mas não podemos alargar tanto a rede de culpados, de respomsáveis, de cúmplices. E no que toca aos cidadãos, aos nove/dez milhões de cidadãos começa a raiar o exagero. E houve, JCP dab, houve muitos cidadãos que, logo que começaram a informar-se, começaram a protestar. Aliás, foi essa pressão cidadã repercutida por vários jornais que desencadeou, que obrigou os responsáveis directos a sair da toca. Foram os protestos cidadãos que demitiram a criatura do SEF. Foram os protestos cidadãos que alargaram o âmbito dos inquéritos. São os protestos cidadãos que dão coragem ao aparecimento de novas queixas, que esbatem o medo de muitos que foram maltratados pelos torcionários do SEF. E começa a tornar-se evidente que as maçãs podres nessa polícia são muitas mais do que os três acusados e meia dúzia de cúmplice. E, finalmente, é bom não esquecer que este crime ocorreu durante o decurso de um gigantesco desastre que tocou e toca todos. Entre a angustia da infecção, o medo do desemprego, o desconhecimento sobre o futuro, os portugueses talvez não tenham dado ao acontecimento toda a atenção que ele merecia. Daí até à culpa colectiva, à responsabilidade vai um passo de gigante que me recuso a dar. Uma culpa colectiva, dilui as culpas individuais e isso poderia conduzir à desculpa oi à indiferença. E JCP decerto que não quer isso, bem pelo contrário pois escreveu este texto que comento agora. Foi excessivo o que não esconde a generosidade. E pede reflexão o que, nos tempos que correm, é essencial Agora é tempo de julgar, de castigar, de reformar o que é reformável e de garantir que nunca, mas nunca, mais nos envergonharemos colectivamente. E isso requer os culpados objectivos e só esses. Quanto aos outros, e especialmente o Ministro começo a desconfiar que não vale a pena. Ele ainda não percebeu. Quanto ao 1º Ministro também ainda não distinguiu exactamente quais as fronteiras entre a política e a amizade.

textos alheios 1

d'oliveira, 07.04.20

gata e Marilyn.jpg

Gato num Apartamento Vazio

 

Morrer – isso não se faz a um gato.

Pois o que há de fazer um gato

num apartamento vazio.

Trepar pelas paredes.

Esfregar-se nos móveis.

Nada aqui parece mudado,

e no entanto algo mudou.

Nada parece mexido,

e no entanto está diferente.

E à noite a lâmpada já não se acende.

 

Ouvem-se passos na escada,

mas não são aqueles.

A mão que põe o peixe no pratinho,

também já não é a mesma.

 

Algo aqui não começa

na hora costumeira.

Algo não acontece

como deve.

Alguém esteve aqui e esteve,

e de repente desapareceu

e teima em não aparecer.

 

Cada armário foi vasculhado.

As prateleiras percorridas.

Explorações sobre o tapete nada mostraram.

Até uma regra foi quebrada

e os papéis remexidos.

Que mais se pode fazer.

Dormir e esperar.

 

Espera só ele voltar,

espera ele aparecer.

Vai aprender,

que isso não se faz a um gato.

Para junto dele

como quem não quer nada,

devagarinho,

sobre patas muito ofendidas.

E nada de pular miar no princípio.

 

Wislawa Szimborska, prémio Nobel, traduzida por Manuel António Pina

 

 

 

Diário Político 217

d'oliveira, 10.05.19

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Pela nossa (e vossa) rica saúde

d'Oliveira fecit. 10/5/19

 

Agora que se está quase no fim da actividade parlamentar, o Parlamento entrou num furioso rodízio de actividade. Para já é a saúde que mobiliza os deputados.

Estou ainda para perceber quais as razões que levaram o PS a recusar o projecto de Maria de Belém Roseira (cujo percurso relevantíssimo inclui o ter sido deputada várias vezes, Ministra da Saúde, Presidente do partido e mais umas quantas altas funções nacionais e internacionais) e avançar com uma proposta canhestra e risível que voga nos limites da realidade nacional e da irracionalidade operacional.

Já assistimos às ameaças à subsistência da ADSE (paga integralmente pelos seus utentes) mas governada por comissários políticos partidários que ninguém elegeu.

Já tivemos uma amostra dos confrontos com os privados de que a ADSE os acusava. devido à (sobre)facturação. Em resposta, os principais grupos hospitalares ameaçaram cobrar à cabeça os serviços que prestavam. Resultado: um milhão de utentes da ADSE sentiu-se ameaçado e, pelos vistos, as coisas compuseram-se e abriu-se um período de negociações. Na realidade, se a ADSE pode ter razão, os privados também a tem na medida em que os acertos de contas ultrapassavam temporalmente todos os prazos naturais e razoáveis.

Os talibans do SNS entendem que qualquer cuidado de saúde exercido por privados é um “negócio” e, pior ainda, uma amaça à universalidade do serviço público. Vê-se que não costumam frequentar os hospitais e centros de saúde onde as bichas se alongam infindáveis. Parece que desconhecem que é a própria eficiência dos hospitais que expulsa dai (e do serviço público) numerosos tratamentos e meios de diagnóstico. Não vale a pena relembrar a demora das cirurgias não urgentes e, muito menos, das outras. Não interessa saber que, em certas (a maioria) zonas do país, uma colonoscopia pode demorar mais de três anos (entretanto, em Deus querendo, o paciente morre e o problema fica resolvido).

O SNS é, de certo modo, vítima do seu sucesso. São precisos mais (muito mais) médicos, enfermeiros e restante pessoal de saúde e, até, de administrativos e pessoal menor. Faltam camas, as urgências estão atulhadas, há doentes em macas pelos corredores e o descontentamento de pacientes e pessoal de saúde generaliza-se.

É verdade que os custos em material moderno e em tratamentos de vanguarda atingiram níveis estratosféricos o que, aliado ao envelhecimento da população (e consequente generalização de doenças próprias dessas idades), torna tudo extremamente complicado.

Por outro lado, a falta de investimento e as famigeradas cativações aumentam as dificuldades por todos sentidas mormente profissionais de saúde e (muito especialmente) doentes.

Tudo isto aconselharia que o assunto fosse “tratado com pinças”, o que até à data não ocorreu, bem pelo contrário. Como de costume, num país com um alto índice de analfabetismo político e ideológico, tudo descambou para uma espécie de guerra do alecrim e manjerona. De um lado os auto-proclamados defensores do SNS e do Estado centralizador e intérprete único da felicidade das populações. De outro, os liberais de toda a espécie desde os modestos defensores da harmonização entre serviço público, privado e social até aos que execram a palavra “publico” vendo nela a porta aberta ao mais violento bolchevismo. Em boa verdade, são poucos os abencerragens desta última e radical modalidade e bem mais os adeptos do esquerdismo juvenil ou senil que já esqueceu tudo sobre a prática do socialismo real tal qual se usou na finada URSS e satélites forçados.

(virá daí a atribuição exclusiva da paternidade do SNS ao dr Arnault (que executou as instruções de Mário Soares) e se atire para o fosso da História o “relatório das carreias médicas” e a persistente acção de Miller Guerra desde os inícios dos anos 60).

Agora, o problema parece ser a existência de meia dúzia de PPP. Ao que se sabe são apenas quatro, quase três visto a relativa ao Hospital de Braga ter sido denunciada pelo grupo privado que alegou prejuízos. Conviria, porém, salientar que segundo dados de instituições públicas de controle pelo menos três destas PPP tinham tido resultados excelentes colocando os hospitais a que diziam respeito em 1º, 3º e 4º lugares diante da esmagadora maioria dos hospitais públicos cuja gestão mereceu severos reparos. PC e BE querem que se determine em lei a proibição de contratualização de ppp. O PS e os partidos de “Direita”, recusam a proibição em graus diversos. O PS, aliás, deve estar lembrado que foi um seu prestigiado Ministro (António Correia de Campos) o introdutor deste esquema. Aliás, sendo meros contratos de duração certa parece que isso bastaria para se considerar que só se recorreria a eles em circunstâncias especiais e concretas. Tornar em principio geral a proibição é cortar apenas uma possibilidade entre muitas outras de resolver temporariamente um problema de gestão.

À cautela, o PC quer adiar esta discussão para depois das eleições europeias, para as “não inquinar”. Ora estas já estão mais que envenenadas pelo problema do descongelamento das carreiras dos professores e pela guerra de números esgrimidos entre Centeno e os restantes partidos (por acaso a Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento já confirmou os números de Centeno que só pecavam por ser brutos e não líquidos (seiscentos e tal milhões contra oitocentos)

Algum bom senso e um exame mesmo superficial da realidade portuguesa recomendariam que o SNS fosse obviamente protegido. E, em primeiro lugar, dotá-lo dos meios financeiros, técnicos e humanos necessários em vez de o fazer andar continuamente à mingua, a arrastar-se penosamente e a sofrer a comparação desvantajosa com os serviços prestados pelo sector privado.

E já que se está com a mão na massa, bom seria que acabasse a persistente má vontade demonstrada pelos poderes públicos e por uma boa parte da Esquerda em relação à ADSE. Seria bom que fossem os utentes a eleger a Direcção desta, seria bom que se permitisse a admissão de novas categorias de utentes e especialmente de todos quantos trabalham em funções públicas. Isto aumentaria a capacidade financeira da ADSE e, eventualmente, reduziria o acesso aos Hospitais Públicos cuja capacidade de resposta está mais que esgotada. Também não se entende a recusa à contratualização de novos prestadores de serviços de saúde que ainda estão fora da constelação da ADSE (o exemplo mais flagrante é o da Fundação Champalimaud que só foi citada pela ineficaz e medíocre Ministra da Saúde como resposta à paralisação anunciada pelos grupos privados. Aliás a extensão às Misericórdias dos acordos com a ADSE seria também de inteira justiça e introduziria uma maior e mais saudável concorrência na prestação de serviços de saúde.

Ao fim e ao cabo é da saúde dos portugueses que se trata. E essa está muito para lá da cegueira ideológica (que , essa sim, é sempre uma doença. Mortal!)

* na ilustração: Rembrandt: "retrato do dr Tulp" também referido como "a lição de anatomia"

 

diário político 224

d'oliveira, 20.02.18

Notícias fúnebres só depois da pessoa estar morta

d'Oliveira fecit, 20/2/18diário 

 

Assisti, sem entusiasmo nem pesar, aos momentos relevantes do congresso do PSD. Azares de quem vê o telejornal das oito. Também sem qualquer arroubo e escasso, muito escasso, interesse ouvi (e li) os comentadores encartados que pululam nas televisões e nos jornais que compro.

Também não me espantei, macaco velho que sou, com as predições das habituais Cassandras indígenas. Pelos vistos, para a maioria, Rui Rio (RR, como o Rols Royce) está feito. Está morto e não sabe. Herdeiros presumíveis e presumidos disputam os sapatos do defunto.

Este tipo de profecias catastróficas e catastrofistas não é novidade. Ocorreu o mesmo com os inícios da “geringonça” e ela aí está para lavar e durar. Falou-se d tremendas dificuldades com os incorruptíveis PC e BE mas estes rosnam ms não mordem e Costa segue imperturbável. Estará tudo bem? Não, mas enquanto o pau for e vier folgam os lombos.

Voltemos, porém a RR.

Para quem, por sorte ou azar, for do Porto, Rio é um velho conhecido. Três consecutivos e imbatíveis mandatos na Câmara que só abandonou por imposição legal. Uma teimosa resistência a Luís Filipe Meneses, candidato do seu partido que de algum modo ajudou Rui Moreira.

Que história de sucesso foi esta e como começou?

Pois da maneira mais simples e chã. Rio, personalidade importante e incómoda do PSD onde granjeou inimizades de todo o tipo, resolveu num “impulso” longamente pensado, e estudado candidatar-se à Câmara do Porto. Um velho amigo meu dos tempos de Coimbra, imperturbável jogador de bridge e indefectível social democrata, explicou-me a coisa entre duas partidas: a malta lá do partido está contentíssima. Livram-se do Rio que é um chato do catorze e o gajo perde estrondosamente contra o Fernando Gomes. Morre aí e nunca mais chateia a rapaziada.

Eu, que não conhecia Rio de parte nenhuma (aliás nunca lhe falei nem sequer estive com ele em algum sítio) achei a tese interessante e dotada de alguma verdade. Rio fizera a vida negra aos caciques e barões do partido, disciplinara o cadastro interno, em suma esvaziara alguns poderes aparentes que viviam de um clientelismo que se gerava nos momentos prévios a eleições e congressos.

Quando se propôs contra o “vice-rei” socialista do Norte (Fernando Gomes, ex-presidente da Câmara e desafortunado ex-ministro de Guterres) o comentário geral foi que aquilo, aquela candidatura era uma fogachada e um desastre anunciado. Que Gomes ganharia a Câmara quase sem mover o dedo mindinho. Que nem os do PSD votariam em Rio.

Na noite da eleição os foguetes socialistas foram de lágrimas. O “bom povo” tripeiro dera a maioria relativa a RR e Gomes via a sua soberba e a sua desastrada saída do Porto para ocupar uma pasta ridícula sob Guterres premiada rotundamente. Se bem me lembro, nunca mais tentou a vida autárquica. Rio surpreendia amigos e inimigos, desiludia os seus detratores o partido e começava uma carreira bem sucedida na CMP. A “inteligentsia” local odiou-o desde o primeiro momento. Os do futebol, com Pinto da Costa à frente, disseram dele o que Mafoma não disse do toucinho. A população entretanto deu-lhe outros dois mandatos com crescentes votações relegando o PS para uma pobre e vil tristeza. Rio deixou a Câmara com as finanças em ordem, enfrentou o lobby da construção civil que queria parcelas do Parque da Cidade e uma frente edificada do mesmo diante do mar e livrou os portuenses daquele homenzinho ridículo de Gaia que odiava sulista, elitistas e não sei que mais.

Ou, traduzindo para quem não saiba português: RR é muito mais do que um sobrevivente. É um político frio, ambicioso, capaz de pensar no longo termo, pouco dado a palmadinhas nas costas ou a salamaleques à Imprensa que, aliás, o detesta cordialmente.

Não sei, e pouco se me dá, se isto faz um líder ou sequer assusta Costa. Pelo que vou vendo PC e BE reagem com mais nervosismo. Dentro do PSD, fala-se num “saco de gatos” e alguns mais assanhados como um tolo e presunçoso vereador de Cascais, exigem este mundo e outro como se não soubessem que os ventos actuais sopram a favor do PS. Rio tem pouco tempo, muito pouco tempo, para arrumar a casa, restituir a fé e a esperança aos militantes que, nesta questão de virtudes teologais não são propensos à caridade. Rio não tem um “estado de graça”. É um impertinente a quem se exige, de uma só vez, tudo e mais alguma coisa. Santana Lopes que pode ser tudo mas que é político preferiu a segurança de um acordo, António Capucho quer regressar e há sinais de tentativa de reocupar o “centro”.Os mais entusiastas falam no regresso à matriz social democrata.

Pessoalmente, RR nunca terá o meu pobre e risível voto. Todavia, não faço parte dos que já lhe encomendam missa de requiem. Para os mais melómanos, diria que RR está mais próximo da “missa do homem armado”. É tenaz, talvez teimoso, mas tem a cabecinha pensadora arrumada e joga num tabuleiro onde parece difícil ter piores resultados dos que Passos Coelho teve nestes últimos tempos. Mesmo se a drª Elina Fraga não pareça ser peão que se use, muito menos torre ou rainha. Mas, para erros de casting, aí estão múltiplos exemplos vindos de toda a parte. Daqui a dias já toda a gente se esqueceu da criatura. A política é assim.

Vai uma apostinha que RR está aí para durar?

Diário político 208

mcr, 21.06.16

Canavilhas 2

A senhora Canavilhas insiste. Na televisão e no jornal Público (que ela diz ser o seu jornal de referência) veio agora dizer que o Público (não a policia!) mentiu ao falar em 15000 manifestantes e não no número apresentado pela FENPROF, por acaso parte interessada na matéria. E acha que o uso (ou abuso?) do twiter se reveste de um carácter ligeiro pelo que, presume-se, toda a burrice é desculpada.

Na televisão veio com ar cândido e ofendido afirmar que tem direito à sua opinião como se a sugestão de despedir uma jornalista fosse uma opinião tão inocente quanto aquela que temos de um romance.

Quando, sendo apesar de tudo uma figura pública, se pergunta porque é que uma profissional que cita fontes respeitáveis não é despedida está-se a macaquear o antigo Estado Novo que despedia profissionais em todo o lado (directa ou indirectamente) por delito de opinião, que prendia pelo mesmo motivo (e estou á vontade para o testemunhar) ou outros regimes que parecendo ter cor diferente partilhavam o mesmo horror visceral à liberdade de imprensa.

A senhor Canavilhas é livre de soltar quanta tolice quiser e for capaz e, agora vê-se, no seu argumentário que pode ir longe nesse domínio, mas o facto de ser contraditada nos seus propósitos inquisitoriais e espurgadores não é uma ameaça a nenhuma liberdade dela. Bem pelo contrario: ao censurar-se-lhe de viva voz a sua posição partidária e sectária está-se a defender a liberdade de quem ela ataca e a dela própria se é que a senhora Canavilhas percebe o que aqui vai escrito. Ela pode odiar a jornalista em causa, amar desmesuradamente o senhor Vitor Nogueira e a frente que ele representa, julgar que a escola pública é um paraíso e a privada um infame complot de capitalistas, imperialistas, monopólios e forças obscuras da reacção, a mão invisível do clericalismo mais obscurantista. Está no seu pueril direito. O que não pode é seja ela quem for (ou quem se julga!...) propor medidas coercivas contra quem nada mais faz do que ser uma jornalista.

Ao publicar-lhe a triste prosa, o Público, dá-lhe mais uma lição de civismo, liberdade e tolerância. Será que a criatura aprende?

d'Oliveira fecit 21-06-16

 

 

Diário Político 205

mcr, 06.10.15

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Calma, malta! Isto não o fim nem o princípio de coisa nenhuma

É só fumaça!

 

Vamos por partes.

Quarenta e três vírgula sete por cento dos portugueses não se deram ao trabalho de ir votar.

Três vírgula sete por cento votou branco ou nulo.

Dos cinquenta e quatro por cento restantes há os resultados que se conhecem. Há, é um modo de dizer. Ninguém garante que os cadernos eleitorais não continuem pejados de fantasmas, de mortos e enterrados que por inércia não foram varridos dos mapas.

 

Seria bom que os cavalheiros que abrem a boquinha para em nome dos seus partidos (sempre vencedores, ou quase: só o PS confessou a derrota. O resto ganhou tudo. Vão todos à taça dos campeões, ou algo do mesmo género e substância!) proclamam êxitos piramidais fizessem o grande favor de não emitirem opiniões sobre o estado de alma do povo português e do seu ódio medonho aos senhores Coelho e Portas. Pede-se serenidade, e calma à rapaziada que se entusiasmou demais.

Apenas os votantes disseram o que queriam. Mesmo que se não presuma que os não votantes estão de acordo com o Governo convirá não ver na sua abstenção um sinal contra o PAF. De facto, mesmo se o voto não é obrigatório, irou não ir pôr o papelinho na urna é, também um acto político.

E agora os partidos:

Um pequeno e simpático grupo obviamente mais ecologista do que a senhora Apolónia, entrou no Parlamento. Saliente-se o feito tanto mais que essa entrada coincide com o afocinhamento dos deliquescentes ex-bloquistas, do eterno MRPP, e do senhor Marinho e Pinto. Só isto, a derrota desta criatura, já é uma prova do bom senso dos portugueses que anteriormente o tinham sufragado à boleia de um partido que ele, uma vez eleito abandonou miseravelmente.

O BE (esquecido dos tempos em que, de faca nos dente,s uivava pelo Syriza e prometia uns amanhãs cintilantes de sangue e sirtaki) conseguiu apanhar todos os indignados que por aí andavam órfãos e muitos eleitores do PS que acusavam o partido de coisas inomináveis.

Já agora, convém saber se todos estes eleitores subitamente bloquistas estão de acordo com as teses do partido sobretudo as que tratam da Europa, do euro, da mundialização etc...

Se, por acaso, mero acaso, não estão, então não me levem a mal: enganaram-se no voto, desperdiçaram-no e nem sequer conseguiram com isso a tão miraculosa unidade da esquerda. Tal situação continua a ser uma miragem no deserto e nem Santo Antão o Cenobita vale aos que pedem, como o derrotado Tavares (hoje, no “Público”) unidade, unidade e mais unidade. Como era um entusiasta da unidade Tavares formou um partido a juntar ao copioso número dos que já existiam...

Destes votos de descontentes com o Governo que desaguaram no BE, extrai-se outra conclusão. No seu afã de esmagar o governo “ultra-liberal” desarmaram o único partido que, apesar de tudo (e eu não votei no PS) poderia derrotar o PAF! É obra!

O PC, solitária voz que também clama no deserto onde desde sempre se acoitou, viu-se ultrapassado pelo BE. De todo o modo cantou vitória. Canta sempre. Desta feita celebra três mil e tal votos a mais. E veio solenemente recordar ao povo amigo que sessenta por cento dos eleitores rejeitaram o PAF.

Esqueceu-se, o PC, pouco dado a contas de subtrair e somar, que noventa por cento dos mesmos eleitores o rejeitaram a ele!

De todo o modo, o PC segurou os seus eleitores, manteve a sua área de influência e deu outra vez boleia a uma coisa inexistente chamada “os verdes” que serve sempre para dizer no Parlamento alguma coisa que o PC acha não dever dizer.

O PS, pela voz de Costa (e confesso que o admirei!...) veio dizer que perdeu! Caramba, homem, isso é a única coisa que se não diz! Ou se o dizemos, logo de seguida, arranjamos uma desculpa, repartimos as culpas. Tivesse Costa usado da mesma linguagem na campanha, outro galo lhe cantaria. Agora, ali está, desafiando os adversários internos, a sair da toca (alguém os viu na campanha? Não? Eu também não os lobriguei. Mas vão aparecer para uma noite vagamente de “facas longas”). Há, porém um problema: não se vislumbra, naquela contestária arruaça ninguém com peso, percurso e autoridade, para enfrentar Costa. Ou alguém acha que o senhor Álvaro Beleza, uma sublime insignificância, ou a senhora Ana Gomes, anteontem tão chorosa, são capazes de ir a jogo?

A ideia, bronca e trucidadora, de que mal há uma derrota se deveMas substituir o líder prova a nossa inenarrável incultura política.

E os vencedores? Para a oposição impotente, eles foram derrotados por não conseguir a maioria absoluta! Não tenho, por mera culpa minha, mau feitio e neurasténico pessimismo, qualquer simpatia por Portas ou por Passos. O defeito é meu, claro.

Todavia, lembraria algum leitor mais indignado, que ali por Abril, Maio, Junho, mesmo Julho, não havia ninguém que não augurasse uma tremenda derrota da coligação. Estão feitos, dizia-se. Confesso que, por desfastio, apostei um par de almocinhos na vitória da coligação. Mas esperava perder...

Pertenço ao escasso grupo de pessoas que gosta, mesmo com o risco de perder a aposta, de contrariar os politicamente correctos e, mais ainda, os que acham que a política pede muita fé, muito entusiasmo, muita arruada e muita colagem de cartazes. E pouca, nenhuma, reflexão. O povo, para muitos destes cavalheiros, é uma abstração. O povo por quem eles, arrogantemente, pensam, ou julgam pensar.

Ora bem: nada disso ocorreu. O povo ordeiro e composto não está convosco!

As pessoas anseiam por segurança, estabilidade e detestam a aventura. E o desconhecido. Apanharam no lombo com uma carga de varapau de austeridade. Começaram, mal ou bem, a ver uma pequeníssima hipótese de melhorar a vida. Como a heroína de Gil Vicente, preferem “asno que os carregue do que cavalo que os derrube”. Conviria a um par de excelentes amigos meus reler os clássicos. Todos os clássicos e não apenas Mestre Gil. E a História pátria, a boa e não a panfletada que por aí corre a título de boa e progressista.

Desculpem esta tirada populista mas eu andei numa escola recheada de gente muito pobre e mantive durante muitos anos contactos com esses colegas humildes que fizeram pela vida, subiram a pulso, puseram os filhos a estudar, não recuaram perante nenhum sacrifício, emigraram, souberam o que era dividir uma sardinha por dois. Essa gente vota. Mesmo sem ter feito o liceu e, muito menos a universidade sabem da poda, da política e da propriamente dita. E sabem defender os seus interesses.

Agora, diz-se, abre-se um novo ciclo político. Nem tanto, nem tanto. Governos minoritários tivemos já uma boa meia dúzia. Soares esteve minoritário, Cavaco idem, Santana Lopes e Guterres e até o inefável Sócrates cuja sombra perpassou pela campanha e prejudicou largamente o PS. De cada vez que Soares ia visitar o “preso político” (só em Portugal é que alguém sem corar diz esta barbaridade e não é imediatamente chibatado pela imprensa!) os cidadãos escaldados viam nisso um recado de e para o PS.

De todos os governantes minoritários, destacam-se Soares que soube dar a volta ao texto e Cavaco (a quem todos atiram pedras e pedregulhos...) que aproveitou as burrices dos adversários para firmar a mais longa carreira de primeiro ministro desta Terceira República.

Eu não me atrevo a dizer que a coligação ganhou por mérito próprio. Mas que a campanha confusa dos seus adversários deu uma ajudinha, ai disso não duvido. E quando falo de adversários não meto só o PS. O PC e o BE tanto falaram no lobo que as pessoas deixaram de ouvir.

Agora, rezemos a Santa Rita de Cássia, padroeira das mulheres maltratadas e dos impossíveis: vamos lá a ver se como europeus, que presumimos ser, se consegue andar para a frente. O verdadeiro patriotismo está em pensar na melhor maneira de sair da alhada e não em convocar cruzada sobre cruzada (com a conhecida inutilidade e piores consequências que estas tiveram) contra o PAF. Falar e negociar é a chave do êxito. Não de A ou de B mas dos cidadãos simples que andam por aí.

( o folhetim traz demasiadas referências cristãs. É puro artifício. De facto o dia de anteontem era, no calendário patafísico perpétuo, 27 de Absoluto, festa das Santas Gigolette e Gaufrette, dogaresas. E o que se passou neste canto da Europa deve ser analisado nessa perspectiva).

d’Oliveira fecit (29 de Absoluto, hunyadi, festa de Le Jet Musical)

 

 

diário político 202

d'oliveira, 07.01.15

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A infamia absoluta 

 

Em nome de Alá ou de Maomé ou de qualquer outra coisa mata-se alegremente. Não que sectários de outras religiões do Livro ou não não matem também. 

Todavia, oss que matm em nome do Islão (de um Islão bem só deles, exclusivo e exclusivista) tem dado nas vistas, ultimamente. 

Agora, num repelente, miserável ataque, dizimaram a redacção de "Charlie Hebdo". Doze mortos entre eles Charb, Cabu e Wollinsky. 

Conta o pincel da sátira a kalashnikov dos assassinos. 

Exactamente no mesmo dia em que começam a ser selecionados os membros do juri que integrará o tribunal de Boston onde se julga outro assassino que mesmo contra toda a evidência grita a sua inocência. 

quem como eu é leitor assíduo do Chalie Hebdo como já fora, desde os anos 6o, leitor do Harakiri sente-se de luto e invadido pela raiva. Desculpem lá os do pensamento correcto mas, neste momento (depois talvez acalme), só me acodem desejos de que os assassinos cobardes morram de morte violenta e dolorosa. 

Começo a pensar que a bonomia com que se encara o multiculturalismo e se compreende o Islão na Europa (quando nos territórios muçulmanos nem uma Igreja se consegue abrir)  deve ser repensada. O ataque à redacção do "charlie..." não pode, de modo algum, ficar impune. Não se pode aceitar que a liberdade de imprensa sofra outro castigo que não os de um tribunal tanto mais que esse meio está à disposição dos "crentes" muçulmanos franceses. 

Este ataque vai, aliás, reforçar a extrema Direita francesa mesmo se "Charlie hebdo" nunca a poupasse.

Não me espantarei se, de repente, começarem a ser atacadas mesquitas ou outros locais de reunião de muçulmanos. Por muito menos isso já ocorreu. Só que depois deste massacre haverá seguramente mais gente a admiti-lo, quiçá a aplaudi-lo.

Não o desejo, mas também não daria um passo para (como tantas vezes fiz) voltar à rua a protestar

contra a alegada islamofobia dos franceses. 

Primeiro, a comunidade muçulmana, os seus imans e restantes dignitários religiosos e políticos terão de mostrar de que lado estão: da civilização laica e democrática ou da charia selvagem e primitiva?

d'Oliveira fecit 7-1-15 

diário político 204

d'oliveira, 28.11.14

Crise? Qual crise?

 

Anda por aí uma opinião que sustenta que com os recentes “casos” (vistos gold, BES, Sócrates, entre outros) põem o regime em crise.

Sinto muito mas tenho uma opinião completamente diferente. A crise, existiria isso sim, se sabendo-se, ou suspeitando-se (como era o caso em quase todas estas situações....), de ilícitos graves nada acontecesse. O Estado de Direito reforça-se quando actua naturalmente. E actuar naturalmente é fazer o que a Lei impõe. Só para referir a questão Sócrates, parece que foi uma denúncia da CGD (obrigatória quando os movimentos de capitais ultrapassam uma certa quantia) que activou os mecanismos de exame do Ministério Público.

Isto significa que a instituição funcionou saudavelmente. Não se veja neste adverbio de modo qualquer espécie de consideração moral sobre a eventual culpabilidade do ex-primeiro ministro. Nem sequer a certeza que houve qualquer transferência ilícita de dinheiro. Não tenho qualquer espécie de informação que não seja a que é veiculada pelo jornal “Público” que aliás leio com “cautela e caldos de galinha”.

A ética comum manda que se considere um acusado inocente até um Tribunal determinar sem margem para dúvidas a sua clara culpabilidade.

O senhor Sócrates e os restantes detidos estão a ser alvo de uma investigação preliminar e obrigatória que, em teoria, os defende mais do que os compromete. Pode hoje mesmo ser determinado que este processo não tem pernas para andar. Mesmo que sejam arbitradas medidas coercivas de liberdade, nem isso, prova qualquer delito mas tão só vestígios comprometedores de que algo não está claro.

Os Estados de Direito funcionam assim: ás claras, sem objecções à defesa plena das pessoas, sem medidas administrativas especiais e/ou secretas. Não estamos na Alemanha do Reich eterno nem no paraíso soviético. Não estamos sequer na Coreia do Norte ou na China dita popular.  

Corrupção, branqueamento de capitais, fuga aos impostos sempre houve e eventualmente haverá para futuro. Não que seja aceitável este estado de coisas mas convém sublinhar que o essencial é punir os ilícitos e não fingir que eles não existem. A possibilidade de punição é infelizmente a única prevenção possível: o medo de ser apanhado é que tolhe o eventual infractor.

Também não tenho a certeza que o caso Sócrates (pelo menos nesta forma pré-julgamento) possa atingir violentamente o poder politico, mormente o PS. Até á data nada atinge o PS mesmo se corra por aí que Costa se louve em Sócrates. É verdade que a sua eleição pode fazer parecer que se inverteu dentro do PS o “apagamento” do ex-primeiro ministro. Convenhamos que até isso me pareceu sempre algo de exagerado. A AR estava pejada de “socráticos”, Seguro tinha a confiança de muitos desses cavalheiros e a condenação da orientação política anterior era discreta, discretíssima. Aliás, a oposição ao Governo e ás suas medidas parecia indiciar uma certa colagem de Seguro à “herança” medonhamente esconjurada por Coelho e amigos.

A segunda questão que anda nas bocas do mundo é o perigo de se estar a assistir a um “julgamento da rua”. Esse é um dos riscos que a liberdade pressupõe. Pior seria se a opinião fosse violentada pela policia, pelos bufos, pelos informadores, pelo medo de ser preso. A “rua” julga sempre. E há muito que ela chama gatuno, criminoso a qualquer politico. Note-se, de passagem, que muitas vezes a rua é assanhada por responsáveis políticos. Não se lembram de todas as acusações que certos tenores da “esquerda” (esquerda entre parêntesis, diga-se já) tem continuadamente feito ao governo que, verdade seja, se põe muito a jeito...

A terceira questão é a levantada pela “comunicação social”. As televisões ululam com a falta de notícias do Tribunal de Instrução. Nem sequer pensam que essa falta de notícias prefira ou pode prefigurar a defesa do detido. Antes poucas notícias ou nenhumas do que um comunicado feito á pressa que imediatamente poria um cento de comentadores a fazer complicados exercícios de interpretação.

A quarta e última observação que me ocorre é esta: a questão Sócrates pode perturbar fortemente as possibilidades de Costa na sua corrida ao Ministério. Mesmo que Sócrates fique detido, o processo seguramente não estará despachado tão cedo (a menos que haja uma confissão, que as provas sejam esmagadoramente conhecidas e que a opinião pública se convença maioritariamente do seu fundamento). O problema que eventualmente poderia prejudicar o PS é a suspeita de actuações criminosas durante o Governo do ex-primeiro ministro. Aí, de facto, seria difícil, excluir da actuação de Sócrates muitos outros responsáveis de topo do partido. Mas, até ao momento, e esperemos que nunca, tal não ocorreu.

Todos os países correm riscos, assistem a escândalos, à indignação dos cidadãos e ao protesto destes. Isso é sempre um bom sinal de vitalidade, de consciência cidadã e de funcionamento das instituições. O resto, ou o contrario, é que é o cemitério da liberdade. E nos campos santos nem os mortos respiram.

 

(este texto não entrou no blog por razões misteriosas que se devem apenas à minha eventual falta de habilidade e jamais ao actual detido em Évora, aos jornalistas, ao senhor Sousa Tavares ou mesmo ao dr Mário Soares. Publica-se dois dias depois com mais algumas reflexões)

algumas criaturas com mesa posta nas televisões e jornais entenderam (muitas vezes ao arrepio do que sobre outras situações escreveram) que se está a assistir à pública defenestração do ex-primeiro ministro. Desde a “humilhação” até à condenação do entorse feito ao “segredo de justiça” (mesmo se implicitamente dão a entender que conhecem as motivações do Tribunal e dos seus membros) tem sido um rosário.

Perfila-se mesmo uma curiosa opinião de “classe”: no caso de Sócrates todo este circo é horrível, medonho, fruto de rancores miseráveis, ao mesmo tempo que nunca ouvi estas piedosas personagens dizerem o mesmo dos restantes casos de fixação de prisão preventiva aplicados a cidadãos também eles presumivelmente inocentes mas definitivamente paisanos. Ou, por outras palavras: a prisão preventiva ofende, assassina, maltrata um poderoso a que é aplicada! Quanto à peonagem, não tem importância, já estão habituados a ser tratados como gado...

Depois, e aqui as coisas são mais graves e tocam a sensibilidade de quem, noutras épocas e por exclusivos motivos políticos se opôs à política do Estado Novo cometendo apenas delitos de opinião. Da mera opinião que ia da simples exigência de eleições livres até ao respeito pelo art. 8º da constituição vigente. Cadeia com eles, sem juiz de instrução, sem acusação formulada, sem direito a advogado assistente, em interrogatórios que duravam não algumas horas mas dias a fio, sem dormir e sem poder sequer sentar o dito cujo numa cadeira. Sei do que falo por experiência própria. E uma vez confinado ao segredo de Caxias, as visitas eram apenas de familiares, e nem todos, sob a escuta de um prestável agente, entre um par de vidros do locutório, sempre sujeito a ser imediatamente interrompida a exígua conversa que se poderia tentar ter.

Esses presos, de facto políticos, não estavam em celas com pátio, e tinham, quando tinham, direito a uma meia hora de ar puro, nem sempre diária. Também ninguém lhes permitia ler qualquer jornal mas tão só os que apoiavam o regime vigente e, muito menos, era permitida a entrada de livros em língua estrangeira. E os nacionais eram alvo de forte censura.

Ouvir o dr Soares alanzoar tresloucadamente um par de tolices e tentar contrabandear sem grand argúcia a teses da perseguição política é dramático, vergonhoso e disparatado. Pior, na sua absurda filípica o “jurista” Soares dispara sobre os decisores da actual situação prisional de Sócrates. A adjectivação de Soares diz muito de quem começa a parecer cada dia que passa uma cabeça em roda livre.

E não deixa de ser interessante ver os defensores do Tribunal Constitucional atacarem agora outro tribunal, porventura não tão importante mas absolutamente essencial no sistema de justiça de qualquer pais civilizado. Pelos vistos, este último tribunal não deve ser órgão de soberania e os seus titulares não merecem qualquer espécie de consideração. O senhor Passos Coelho e os seus boys devem rebolar-se de gozo.

Cada cavadela cada minhoca!

d’Oliveira fecit (25 e 27 de Novembro) 2014

 

Diário Político 192

d'oliveira, 19.12.13

 

 

Ora limpem-se a este guardanapo!

 

Por unanimidade, notem, por unanimidade, o Tribunal Constitucional chumbou o corte das pensões.  

Enquanto pagador durante trinta e cinco anos de uma elevada percentagem dos meus salários na FP estou satisfeito. E volto a salientar a unanimidade que não só dá uma lição ao legislador burro mas volta a referir o princípio da confiança que está mais que consagrado na Constituição que temos desde há muitos anos.

Como é mais que sabido, não nutro pelo actual Presidente da República qualquer espécie de carinho, bem pelo contrário.

Todavia, ao contrário de muitos vociferantes que abundam por aí, tenho que reconhecer que, neste caso, a sua exposição de motivos ao TC era muito bem feita, clara e radical. Relembro, de passo, que Cavaco Silva é campeão em pedidos de conhecimento da constitucionalidade de diplomas governamentais ou da AR averbando vinte e um pedidos ou seja está quase a ultrapassar o total conjunto dos seus dois imediatos antecessores. Já agora, e de passagem, também já vetou politicamente um pancadão de textos legislativos. Para quem é acusado de inércia, é obra! Conviria antes de atacar ver bem o que se ataca e como se ataca.  

E com isto, desejo aos meus leitores um Bom Natal. 

 

d'Oliveira fecit. 19-12-13

Diário Político 184

mcr, 19.10.12

 

Na morte de um amigo querido, de um poeta notabilíssimo e de um cidadão atento e exemplar

 

 

 

“Morrer não é coisa que se faça a um gato.

Que há-de um gato fazer

num apartamento vazio?

......................................

Havia aqui alguém que há muito estava e estava

e que de repente desapareceu

e agora insistentemente não está

.................................................

 procurou-se em todos os armários

revistaram-se as estantes

..........................................

que mais se pode fazer?

Dormir e esperar.

 

Quando regressar ele vai ver

...................................

Vai ficar a saber

que isto não é coisa que se faça a um gato

 

Caminhar-se-á em direcção a ele

como que contrariado, devagarinho,

com patas amuadas.

E nada de saltos ou mios. Pelo menos ao princípio.”

 

 

Excertos do poema “Gato num apartamento vazio” de Wislawa Szimborska (1921-2012), prémio Nobel de Literatura em 1996, em tradução de Manuel António Pina


* na gravura: o gato de Chesshire figura primordial de "Alice no país das maravilhas" pela maravilhosa pena de Tenniel. ilustrador impar. MAP era um grande leitor e admirador de Lewis Carrol