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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

diário político 263

d'oliveira, 28.11.22

“de minibus...”

d'Oliveira fecit aos 28 dias de Novembro do ano da graça de 2022

“De minibus non curat praetor”, é uma velha expressão latina que, às tantas foi inventada pelos juristas renascentistas. De todo o modo, usa-se (pi usava-se) muito para significar que quem julga ou quem governa não se deve deixar enredar por coisas menores. 

Ora, este que estas traça não tem por hábito comentar essa luminária de quinta categoria que dá por Ventura  e é o conducator (em caricatura) de um partido que a sndice da Esquerda e o descalabro da Direita permitiram implantar-se de modo significativo no tecido político partidário.

Note-se que, ao contrário de umas criaturinhas que nem a constituição souberam ler, eu não quero proibir o partido em causa. Apenas, e só em casos excepcionais tecer um breve comentário sobre as suas posições que, genericamente, parecem aberrantes. 

Ora dobre a data do 25 de Novembro de 75, o sr Ventura bolsou um par de considerações  (as que se esperariam da parte de alguém que não percebeu o sentido daquela acção militar) que não coincidindo com as baboseiras de uma Esquerda doentiamente infantil  acaba por ter efeitos contrários aos que eventualmente terão sido queridos. 

Mas nem sequer disso venho falar. Apenas apanho um par de frases da criatura para lembrar que o seu discurso parece (ou é)  ou pretende ser um embuste. E isso porque a acreditar no que foi dito, o sr Ventura, e boa parte da sua clientela teriam estado presentes na ocasião, Eu lembraria que, pelos dados que recolhi na internet esta pequena amostra de chefe da Direita, mal traduzido e em calão do francês, não existia por volta de75. Aliás só terá nascido em 83, ou seja oito anos depois, com a Democracia consolidada e a despir-se das últimas tontices que lhe vinham do PREC (também ele, igualmente, traduzido em calão do famoso processo soviético mas com passagem pela peneira latino americana o que duplamente descaracterizava a revolução de Outubro. 

Este quase quarentão Ventura foi em seu tempo um medíocre comentador televisivo de futebol. Depois transportou a sua mediocridade para o campo da política autárquica (por erro grosseiro do partido que o alistou)  e acabou numa coisa chamada Chega que se alimenta do mais rançoso que a saudade do autoritário Salazar permite. 

Em todos os países democráticos há várias opções políticas e é tão legítima a existência de uma esquerda extra parlamentar ao lado de outra mais institucional e em estado terminal como de várias direitas igualmente presunçosas e radicais e que se alimentam exactamente da mesma gamela conflitual que a ultra Direita também cata. 

O que perturba momentaneamente o cidadão mais atento é este discurso pobre, patético e sobretudo baseado no não vivido. 

Alguém mais idoso, mais culto (o que não parece ser difícil ) e mais experiente lá lhe terá soprado duas toleimas sobre o 25 de Novembro e ele, zás!. Lançou-se sem sequer perceber que já nem a memória do 25 de Novembro suscita o mesmo alarido compungido que, em tempos felizmente distantes permitia. À distancia de quarenta etal anos a coisa fica como uma vaga correcção de percurso que, convenhamos, arrastava o país e a Democracia e a Liberdade para inconfessáveis sargetas políticas. 

De resto grande parte dos seus actores também já por cá não anda e é ténue, muito ténue, a recordação dos mais activos elementos vencidos nesse inócuo prélio militar sem sangue nem violência. 

diário político 262

d'oliveira, 01.09.22

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A liberdade mata as ditaduras

d’Oliveira fecit em 31 de Agosto

 

A morte de Mikahil Gorbatchov levanta de novo uma interessante questão: o regime comunista é inexoravelmente diluído pela liberdade. Decompõe-se, desaparece, deixa um vazio perturbador.

Os pressupostos em que assentou o “poder dos sovietes” ( e é bom lembrar que estes duraram muito pouco tempo, pelo menos na sua primitiva e revolucionaria forma tendo sido substituídos por organismos com o mesmo nome mas sem a mesma e libertária substância) foram sol de pouca dura. Os bolcheviques (isto é a famosa maioria chefiadapor Leniin), depois da tomada violenta do poder, imediatamente subordinaram as direcções de todos os novos órgãos revolucionários aos diktats do PC(b) russo e organizaram todos os partidos “irmãos” segunda as rígidas regras da IIIª Internacional.

A revolução mundial não aconteceu, a teoria sagrada que mandava a revolução ocorrer num país avançado (Marx referia a Alemanha, a Inglaterra ou os Estados Unidos da América) com um proletariado industrial numeroso, bem organizado em sindicatos fortes e com um partido experiente em todas as frentes incluindo a parlamentar.

Nada disto ocorreu na Rússia e a revolução passou muito pelos milhões de  soldados e marinheiros mobilizados e cansados de uma guerra que dizimava regimentos inteiros, aliás mal comandados. Foram os slogans do fim imediato da guerra  e da terra quem a trabalhaque galvanizaram os incipientes ”proletariados” citadinos e camponeses. Aliás, só os primeiros poderiam vagamente apelidar-se de proletários. O resto, a imensa massa de camponeses chamados às armas  não se concebia como um corpo organizado nem tinha uma ideia nacional global da pátria russa que defendiam. A Igreja e o trono  eram, eventualmente, os únicos pilares em que acreditavam.

Em 1917, multidões imensas de soldados, fartos da guerra, esfomeados, revoltaram-se. Queriam regressar as suas terras, às suas famílias, aos seus pequenos troços de terra. E não queriam morrer nem ser carne para canhão.

A ideia de continuar a lutar por uma Rússia sem imperador  não lhes suscitava qualquer entusiasmo.

Isso foi bem compreendido por Lenin, e a “revolução” de Outubro  (feita aliás contra uma parte dos mais fieis bolcheviques)  triunfou na rua. O poder esboroou-se no caos que, dia a dia, aumentava. Um punhado de tropas fieis aos bolcheviques (com os marinheiros de Kronstad em evidência) tomou o poder, destituiu todas as autoridades saídas da primeira revolução, desapossou os sindicatos que se opunham, eliminou a direcção dos sovietes e graças à disciplina dos seus primeiros núcleos venceu toda a espécie de adversários que também nunca se entenderam entre eles. Os enormes contingentes mobilizados no campo  sabiam que lutavam contra os antigos opressores e isso lhes bastava. A inteligentsia citadina desprezava e odiava a anterior elite política, a multidão de aristocratas que cercavam o imperador e tinham entrado imprudentemente numa guerra para a qual não estavam preparados moral e militarmente.

Os recém criados partidos políticos burgueses ou evolucionários foram rapidamente aniquilados. Uns por terem tomado o partido da contra-revolução, outros por não aceitarem o bolchevismo, a disciplina pesada boldhevique e tudo o que posteriormente se chamou centralismo democrático.

Anarquistas e socialistas revolucionários foram impiedosamente perseguidos por Lenin que nunca foi meigo com adversários (e que viria a ser alvo e vítima de um atentado vindo dessa massa de radicais perseguidos).

O partido bolchevique que mais tarde se tornará PCUS temperou-se nessa luta incerta, venceu-a graças à disciplina interna, expurgou continuamente quaisquer  dissidentes, não permitiu fracções nem mesmo vagas opiniões divergentes. Com a morte de Lenin e a ascensão  de Stalin, a direcção do PCUS foi sendo metodicamente laminada. Durou anos (1924 1936) mas finalmente o partido que saiu do fim dos processos de Moscovo era algo de profundamente diferente do inicial partido leninista. Tirando Stalin e dois ou três sobreviventes, todos os restantes dirigentes comunistas pereceram por fuzilamento, desapareceram nas prisões e nos campos da Sibéria. Eles, as famílias, os amigos e seguidores ! um massacre de milhões. Se Lnin fora, apesar de tudo, um fore primum inter pares, Stalin acabou com o mito da direcção colectiva e governou sozinho. E isso tornou-se a marca dos novos partidos comunistas, incluindo todos os europeus (que de resto tiveram durante todo o tempo do Komintern uma direcção bicéfala, a publica e nacional e a dos enviados de Moscovo, revolucionários profissionais que dirigiam na sombra, vigiavam a ortodoxia e só obedeciam ao “centro)”

De resto, da revolução mundial, passara-se à teoria duvidosamente marxista da defesa do  socialismo num só país e à defesa desse mesmo país, no caso a URSS.  E esse estado de coisas não acabou com a morte de Stalin antes continuou praticamente intacto até às grandes convulsões no movimento comunista mundial .

A ditadura do proletariado foi na prática a ditadura do PCUS na URSS e a ditadura da URSS no bloco socialista.

Por cá a mesmíssima URSS era “o sol na terra” expressão atribuída a Cunhal mas repetida nos grandes momentos do PREC.

Fácil é de perceber que toda esta amálgama de ideias criadas ao longo de cinquenta anos  isolava crescentemente os órgãos de poder soviéticos, criava uma nomenclatura aparelhística,  educada na obediência absoluta ao dogma do centralismo democrático que mais não era do que as decisões dé cima enviadas para baixo, tudo no mesmo corpo de funcionários escolhidos não pela competência mas sim pela fidelidade ao ideário aprendido nas escolas de formação desde o Komsomol até às Universidades. Nmu universo destes, em que não há confronto de opiniões, liberdade crítica , o conformismo instala-se, expulsa os espíritos mais independentes, isola-os, priva-os de liberdade e de emprego caso não os envie para o arquipélago GULAG.

Nos anos 60 já a URSS é vermelha por fora e seca por dentro. A competição com os EUA só tem força no que toca ao armamento. A população soviética (e a dos países do Pacto de Varsóvia) vive mal, há dificuldades de abastecimento de todo o género de bens de consumo, a opinião pública é formada por um núcleo de meios de comunicação absolutamente uniforme  que preserva o regime mas o apodrece por dentro.

Ora foi isto, esta evidência de um mundo autista que Gorbachov, ele próprio criado dentro do sistema, percebeu. Foi contra isto que terá tentado lutar.

Sem, porém, entender que um mísero raio de liberdade poria tudo de pantanas. Como aconteceu. Bastou a ideia de glasnost para fazer desemperrar as línguas. Bastou a perestroika para evidenciar o desastre económico, industrial, financeiro. 

É bom lembrar que, no resto do mundo, o movimento comunista já não era aquela mole uniforme , disciplinada, obediente aos ukases do Kremlin. No Oriente, a China atacava a ortodoxia rusa numa perspectiva “revolucinária# e aventureira. E tinha seguidores em toda a parte. No Ocidente, a Jugoslávia há muito que se desprendera do bloco  pró-soviético, a Albânia rezava por uma cartilha ainda mais maoísta que a maoísta, e os grandes partidos ocidentais (francês, italiano e o emblemático espanhol) apostavam tudo, mesmo que a diferentes velocidades, no euro-comunismo.

As crises de Berlin, em 1951, da Hungria, 1956,  da Checoslováquia (a primavera de Praga, 1968) e o despontar do Solidarnosc na Polónia  provavam à evidência quão periclitante era o poder da ideologia que, para se manter, recorria cada vez mais à repressão desenfreada, as poderosas polícias políticas nacionais mas não estancava nem as deserções nem a crescente hostilidade da população.

Este era o panoramsas. Já nada parec,ia poder salvar o sistema quê subsistia apenas e só, graças à repressão. Neste ponto de vista a URSS vivia um período de falta de futuro idêntico ao que se viveu nos anos 70 em Portugal.

O navio estava a naufragar e só não ia ao fundo por ser demasiado grande.

Gorbachov percebeu perfeitamente isto mas enganou-se ao pensar que um pequeno e tímido regresso às míticas origens de 1917 poderia resolver o problema. Não podia, como se viu. E. Aliá, a hostilidade do aparrelho, da nomenclatura, do ortoxia mais vesga fizeram o resto. A triste intentona de Moscovo co a consequente prisão do Secretário Geral numa praia, suscitou um contra golpe popular que fazia lembrar Praga com as populações acercar os tanques dos golpistas. E Yeltsin fez o resto, coisa qu muitos, quase todos, fingem esquecer ou ignorar.

Gorbatchov era um homem só no dia em que regressou à capital e A URSS tinha-se evaporado mesmo se ainda demorou tempo a espernear.

 

(este texto estava terminado quando, sem qualquer  surpresa, soube da nota do PCP . Convenhamos que o “p” final é mais putinista que português. O PCP faz-se de tonto ou então não percebeu nada, coisa que não é de todo improvável.

Chora pelo fim de um país artificial que durante cinquenta anos foi uma espécie de berçário para os militantes portugueses. Foi também o farol, farol autoritário, dos mesmos. E por mais juras de amor à pátria, é verdade que a URSS enchia de orgulho o coração dos escasso número de militantes do interior que com enorme coragem e imensa fé lutavam contra a ditadura. Niso convém dizer que os comunistas não foram os únicos nem os mais numerosos combatentes contra o Estado Novo. Mas foram, sem dúvida, os mais disciplinados, quase sempre os mais eficazes, e seguramente os mais odiosamente perseguidos. E por isso , enquanto a URSS ia para a fossa comum, o PCP conseguia durante algum tempo manter a sua unidade e coesão, expurgando de quando em quando mais um grupo de militantes mas guardando a severa ortodoxia que o caracterizava (e caracteriza). Nunca embarcou nas novidades do euro-comunismo, nunca perdeu a sua identidade original. Porém, os tempos, o tempo, o mundo mudaram e agora, também ele, PCP se vê duramente reduzido em militantes, importância política, controlo de câmaras e deputados. Basta confrontar os últimos 10  ou 15 resultados eleitorais  para ver a curva descendente que, sem apelo nem agravo, se acentua.

A nota emitida sobre Gorbatchov não poderia ser outra mas é também a manifestação do autismo que o caracteriza. Paz à sua alma!

Gorbatchov vai sobreviver-lhe! 

diário Político 233

d'oliveira, 21.04.22

A”ajuda”

d’Oliveira fecit, 20 de Abril de 2022

 

O cavalheiro da gravata vermelha, de seu nome Jean Luc Mélenchon  apela aos seus votantes para “não darem um único voto que seja.  à sr.ª Le Pen” (sic).

Também terá dito “não se abstenham” (cfr “Público” 20-4-2022). 

Convenhamos que isto, este súbito e tardio despertar para parte  (só parte) da realidade  é melhor do que nada.

Porém, mesmo as duas frases juntas não dizem “votem Macron” que além da Le Pen é o único candidato em liça. 

Candidato democrático, ninguém se atreve a pôr isso em questão, com uma governação que teve bons resultados económicos, de política internacional e claramente aumentou o prestígio da França, parece que Macron tem a tarefa mais facilitada. 

Ora, apesar de tudo, isto não significa que os rapazes e raparigas que ainda há dias invadiram a Sorbonne e a pixaram de frases e tags tontos,  não resolvam no segredo do “isoloir” votar no capitão Marvel ou pretinho da Banania, se é que tal criatura ainda povoa o universo publicitário francês. 

O jornal afirma que Mélenchon é a “única grande figura da Esquerda francesa” o que diz muito, senão tudo sobre a ruína da mesma Esquerda e sobre a confusão ideológica que por lá prospera.

Eu lembraria, caso o sr Jerónimo de Sousa permita, o dr. Álvaro Cunhal durante o duelo Soares/ Freitas do Amaral na eleição para a Presidência da República. 

Cunhal não gostava de Soares que lhe retribuía a mesma falta de carinho. No entanto, naquele caso, e numa eleição que não tem a mesma importância da francesa, o velho dirigente comunista nem hesitou e afirmou a todos os seus camaradas que se fosse preciso engolir um elefante (ou um sapo, já não recordo) que o engolissem, votando de olhos fechados e lavando depois a mão pecadora com muito álcool etílico,   em Mário Soares.

É isto que distingue uma grande figura de Esquerda (o caso portuguesa) daquela caricatura francesa. 

Pena é que a lição do “intransigente”  Cunhal tenha sido esquecida tão depressa. Se o não tivesse sido, o PC talvez não tivesse averbado uma tão estrondosa derrota nas últimas eleições e talvez não estivesse tão entalado como está no que diz respeito à sessão da AR com Zelensky. 

É porém sabido que às águias sucedem muitas vezes perus que tentam voar como se fossem pavões... e dão com a cabeça no cão como qualquer vulgar galinha pedrês.  

diário político 259

d'oliveira, 17.03.22

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O rapaz e o lobo mau

ou o cerco contínuo

ou a cassete do costume

d’Oliveira fecit nos idos de Março

 

O partido comunista português herdou todos os defeitos dos seus semelhantes ocidentais (e já falecidos) sem, porém receber, como contrapeso, o que estes tinham de bom, ou de menos mau.

O PCP vê-se a si próprio como uma eterna vítima. Há cem anos que se considera como mísero e mesquinho, ameaçado por todos, encurralado, cercado, defendendo-se heroicamente do imperialismo, do capitalismo, dos monopólios, da burguesia, dos traidores, dos falsos amigos, da chuva, da seca da imprensa ao serviço de obscuros interesses, eu sei lá do que mais.

Tudo isto tem uma história, obviamente. A revolução russa (a boa, claro, a segunda, a chamada de Outubro mesmo que realmente tenha ocorrido em Novembro, pois a anterior não foi mais do qe um ensaio, com os seus mortos, os seus sindicatos, os seus sovietes, a Duma pluripartidária.

Portanto, a tomada do palácio de Inverno defendido por um pobre grupo de mulheres, o congresso interrompido dos sindicatos, a substituição dos sovietes pluripartidários por algo com o mesmo nome e completamente diferente. A guerra civil que se seguiu entre as tropas de Trotsky e os generais brancos, as intervenções canhestras de um par de corpos militares estrangeiros, mesmo não tendo sido um passeio foi seguramente mais do que a contenda entre dois bandos. A sacrificada população russa, os mujiques, a intelectualidade antes perseguida (e depois também, anote-se) os operários em armas foram obrigados a escolher. E preferiram o que lhes parecia ser o futuro, algo de novo contra as estruturas da autocracia dos Romanov apoiadas pela aristocracia proprietária das terras e a recente burguesia urbana quese dividiu entre vermelhos e brancos.

Quem porventura for ler o famoso panfleto “os dez dias que abalaram o mundo” de John Reed, um jornalista americano, sepultado na Praça Vermelha. Reed não era, ele próprio sempre o declarou, uma testemunha imparcial, bem pelo contrário. Era um activista de sempre, com um passado de lutas sociais e de guerras (a do México, por exemplo ) incansável propagandista do socialismo e, mais tarde, do comunismo. Todavia, a sua incansável curiosidade fê-lo testemunhar (maravilhado) boa parte, senão a principal parte dos acontecimentos de Petrogrado e da tomada do poder por Lenin.   Ler este livro é imperioso porque depois confronando-o com as centenas ou melhares de obras sobre a “Revolução de Outubro” percebe-se  o percurso de uma tomada do poder que ficaria como modelo. Claro que onde Reed vê sindicatos contra-revolucionários agora percebe-se que estes apenas se tentavam defender do controlo dos bolcheviques que aliás eram minoritários. Onde Reed vê a consagração dos sovietes agora percebe-se como eles foram dessangrados  tornados simples partes de um aparelho tentacular (basta lembrar o mote dos marinheiros de Kronstadt a favor da reanimação dos sovietes e das eleições livres dentro deles). E por aí fora.

Vem desta altura , época da guerra civil e do “comunismo de guerra, das intervenções estrangeiras, das manifestações gigantesas nas grandes cidades contra o poder recente, da proibição dos partidos anarquista e socialista revolucionário, da prisão de dezenas de milhares de opositores mencheviques, bolcheviques e outros militantes de Esquerda, a teoria do cerco imperialista ao jovem Estado. A revolução mundial tinha falhado em toda a linha, o seu triunfo na Russia era, segundo a ortodoxia marxista, uma espécie de “fenómeno do Entroncamento” tanto era visível a “falta de preparação das massas”, a ausência de um proletariado organizados como no Ocidente, a oposição clara de uma grande parte dos dirigentes da 2ª  Internacional ( e mesmo a menos visível dos antigos aliados de Lenin, sobretudo de Rosa Luxemburgo). É aqui que começa a teoria do cerco, do isolamento, da construção do socialismo num só país, da obrigatoriedade de defesa a outrance da pátria do comunismo imposta expressamente à novel 3ª Internacional que reunia os novos partidos comunistas, os dirigia graças aos enviados do Komintern (que eram a verdadeira direcção secreta destes partidos).

É esta sentida sensação de solidão revolucionária que alimenta entre outras a medonha teoria da “classe contra classe” que na Alemanha teve a sua mais dramática expressão. Enquanto os nazis subiam nas sondagens o pc alemão considerava o partido socialista o seu principal e pior adversário.  

Depois, já tarde e a más horas, apareceram as frentes populares, as tentativas de federar a Esquerda e a guerra que começou por ser declarada uma contenda entre imperialismos e só mais tarde, dois anos depois, graças à invaão da URSS se tornou uma guerra contra o fascismo, aliando Reino Unido, Estados Unidos e URSS. Esta aliança durou enquanto durou a guerra mas, depois da vitória, como disse Churchil, “entre Stettin no Báltico e Triesteno Adriático caiu uma cortina de ferro” ao mesmo tempo que se instalava, duradoura, a guerra fria.

Os poderosos partidos comunistas da França e da Itália tiveram importantes votações mas nunca as suficientes para conquistar o poder o, mesmo, entrar no arco de governação. Competiam com outros partidos que estavam legitimados pela Resistência em qualquer dos dois países. Na Alemanha, graças à mão férrea e ocupante da URSS, na zona oriental estabeleceu-se um governo “democrático” dirigido por um alegado “partido socialista unificado” que, na realidade escondia o antigo partido comunista e uma pequeníssima franja de alegados socialistas forçados à “unificação”.

Em Espanha, o pc que varrera da cena política os trotskistas do POUM e os anarquistas da FAI tornou-se o arauto da resistência a Franco e o mais importante polo aglutinador da oposição democrática a Franco. Em concorrência com ele o PSOE manteve uma pequena presença sobretudo entre os exilados e, mais tarde, foi ganhando adeptos no “interior” mesmo que a luta anti-franquista se revestisse mais das resistências nacionalistas (País Basco e Catalunha, muito menos a da Galiza mantida viva na América Laina). 

Em Portugal, a falência da 1ª República deixou um rasto de divisões na oposição dita democrática que provavelmente esteve na origem dos sucessivos falhanços “revolucionários “ contra o Estado Novo. O pc não teve actuação especialmente visível até às vésperas da guerra. Posteriormente, foi ganhando importância na luta operária  masnunca foi um partido de massas justamente porque a clandestinidade forçada e prudente em que vivia o não permitia. Há, porém, que reconhecer que a partir de 45 (MUD) até a Abril de 74 foi o eixo mais dinâmico da oposição. É verdade que esta conseguiu sempre (e sobretudo com Humberto Delgado) parecer visível pelo menos em períodos eleitorais mas o pc e a sua estricta e disciplinada organização eram muito mais atraentes pelo menos para os grupos mais disponíveis para se manifestarem contra o regime. A partir de meados dos anos 60, o pc viu surgir à sua esquerda diferentes mas pequenos grupos esquerdistas que no capítulo estudantil o tentavam e muitas vezes conseguiam suplanta-lo. .Juntamente com estes começaram a aparecer militantes católicos e, já nos anos 70, os socialistas ressurgiram  com a criação do PS.  Ants dessa altura, os seus militantes confundiam-se com a “oposição democrática e republicana”

De todo o modo, e voltando ao exemplo soviético (agora curiosamente ressuscitado por Putin que acaba de fazer o elogio do “antes só que mal acompanhado” para caracterizar como traidores os opositores e os novos exilados que, segundo as suas palavras a Rússia “cospe” para o exterior, engrandecendo-se assim, mais pura e forte) a propaganda comunista sempre exaltou a ficção do cerco que tentava destruir a revolução, o partido e a pátria. Durante toda a sua história, a URSS, o PCUs, os países satélites e os respectivos partidos, sempre recorreram aos expurgos, violentos onde era possível, ou denunciados pejorativamente quando o sistema não permitia solução mais radical.

O leit-motiv era sempre o mesmo. O Partido estava rodeado de inimigos, defendia-se corajosamente, pirgava-se com inusitada frequência para mesmo mais magro ressurgir mais forte. Quem não estava com ele era, no mínimo anti-comunista (primário se possível). Há todo um catálogo de expressões furibundas contra críticos, dissidentes ou desviantes que valeria a pena elencar como um pequeno dicionário do frenesi partidário.

Claro que qualquer opção política, qualquer acção “inconveniente”, qualquer opinião que fugisse à norma era sempre rotulada de anti-comunismo.

Em Portugal, o PC usou e abusou (aliás usa e abusa) esta acusação. A pontos de se ter estabelecido, em franjas intelectuais a expressão anti-comunismo “primário, secundário e universitário” para dar ênfase à caricatura.

Neste momento, passada a geringonça (de que o PC foi o impulsionador) volta a vaga de alusões ao anti comunismo que grassa em toda a parte e tenta perturbar a triunfante marcha do socialismo (na versal pc) para os amanhãs que cantam.

É bem verdade que o profundo e doloroso sentimento de orfandade nascido com a implosão da URSS, a queda constante de votos e mandatos autárquicos ou legislativos, que o partido regista desde há largos anos, a solidão gigantesca a que foi condenado a propósito da invasão da Ucrânia, dão azo a que os dirigentes do pcp renovem as suas acusações, a sua lamentação, a injustiça de que se sentem vítimas.

Há um velho dito que reza assim: quando o dedo aponta a lua, o tolo só olha para o dedo.

No caso concreto, o pc não vê os tanques, as bombas, os três milhões de  refugiados, os mortos nas ruas, os aviões em voo picado contra populações indefesas. Nada disso. Vê, não se sabe com que óculos, a NATO, a Europa e os Estados Unidos, em permanente conspiração contra a paz (dele, pc), vê batalhões de nazis ucranianos  a invadir a ex-pátria da revolução onde um fantasmático partido comunista totalmente controlado por Putin que o deixa vegetar veio propor o reconhecimento da independência dos cantões sublevados do leste ucraniano. E com isso legitimar as operações especiais  muito ao jeito de outras mais ou menos sangrentas em que o glorioso Exército Vermelho se meteu na Checoslováquia, na Hungria ou no Afeganistão. Era bem lembrar que, nestes três casos, o pc português não tugiu nem mugiu ou, melhor dizendo, acatou, aceitou, porventura aplaudiu a fraterna intervenção contra uns desmiolados nacionalistas burgueses e óbvios anti-comunistas.

Pelo andar da carruagem vamos ter um tsunami (ou vários) anti-comunista nos tempos mais próximos. Pelo menos aos olhos do pc...

*na vinheta: Nem trotsky (parece-me ele) escapou à acusação.

diário político 255

d'oliveira, 31.01.22

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Os ovos todos no mesmo cesto

d’Oliveira, fecit 31deJaneiro 2022

 

 

 

Um velho, querido e saudoso amigo meu, afirmava, nos anos seguintes ao PREC, já com eleições a sério e sem as fantasias “revolucionarias” da época, que “nunca se deviam pôr todos os ovos no mesmo cesto”.

Ele tinha por certo que, numa república democrática e com um parlamento, havia que procurar o máximo consenso comum para evitar o maior divisor também comum.

A História desmentiu-o com a Aliança Democrática mas esta pouco resistiu às mortes de Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa (o verdadeiro artífice político e ideológico do CDS, na altura uma “democracia Cristã” importada da Itália e não confundível – como os detratores queriam – com uma extrema Direita. 

Não me atrevo a dizer que vem daí, dessa época, um espantalho eleitoral que se persigna sempre que alguém fala em maioria absoluta. 

Pessoalmente, e sobre as maiorias absolutas, apenas digo que podem ou não ser benéficas. Aliás, a sua existência traduz sempre a vontade popular, dificilmente sai de conspirações ou arranjinhos pré eleitorais. Uma maioria destas pode permitir finalmente o avanço de reformas profundas, de quebra de acordos eleitorais mínimos que não andam nem desandam, como ocorreu com estes seis anos de uma caricatural “frente popular”  em que, como é tradição neste género de falsas unidades, vícios redibitórios constantes e com severas consequências. 

Costa (e assessoriamente  o PS, nesta exacta ordem)btem a oportunidade histórica e provavelmente irrepetível a curto e médio prazo, de fazer andar o país para a frente, de acabar com estrangulamentos, práticas antigas (e especial destaque para a corrupção) e reformar quer a justiça, quer a saúde, quer o trabalho e a administração pública. São muitos trabalhos de Hércules e pesa no horizonte o conhecido “amiguismo” peculiar de Costa, o que como o sono da razão criou monstros como Cabrita ou Sócrates (de quem Costa tenta fazer passar a ideia de nunca ter sido ministro dele).

Esta maioria absoluta, criada expressamente pelo BE e pelo PC que agora uivam inocências e perversas endemoninhadas  conspirações Costa/Marcelo, traz também algumas salutares novidades. 

Á uma acabou com o mito “juvenil” a dirigir partidos. Aquele pobre diabo do CDS conseguiu o que até agora ninguém tinham conseguido: rebentar com um partido que sempre esteve no Parlamento. Foi exterminao pelo Chega e pela IL sem dó nem piedade. O CDS é agora um moribundo sob respiração artificial e não se vislumbra com clareza se consegue sair do coma. 

Depois, começa aperceber-se, cada vez mais nitidamente, que o PC começa a dar de si cada vez com mais violência. Sempre que um velho alentejano morre é menos um voto, como se verifica com a tremenda derrota do delfim Oliveira em Évora. Mesmo assim, o PC averba uma pequena mas consoladora vitória, está à frente do BE em deputados. E merece, digam lá o que disserem. 

Os Verdes (por fora e vermelhos por dentro) passam pelo cano. Sempre foram um logro, algo vagamente muleta e  História não registará grandes lágrimas por eles.

O BE é outro caso flagrante de suicídio colectivo. Vê-se que nunca perceberam realmente o que aquilo era: um partido de protesto, um lugar de refúgio para descontentes urbanos que não suportavam já o PC nem se atreviam a entrar no PS. 

Serem ultrapassados pelo Chega e pela Iniciativa Liberal deve ser um pesadelo que os vai assombrar por muitos e bons tempos. 

A Sr.ª Martins bem que pode esperar por uma conversa com Costa como audaciosamente prometia. Talvez um pequeno banho de realidade lhe limpe o ouvido político e a cabecinha sonhadora. A pequena e média burguesia urbana que andou com o BE ao colo cansou-se das tropelias e prefere o colo gordo, burguês e confortável de Costa. 

Aliás, parte dos votos que se escapuliram permitiu ao LIVRE voltar ao Parlamento mesmo depois do absoluto desastre Joacine. De todo o modo, o LIVRE e a PAN casa um com o seu deputado, são irrelevantes e é duvidoso se alguma vez acrescentaram algo ao debate político nacional. De todo o modo, o castigo do PAN é mais do que merecido depois de se declarar apto a aliar-se com quem quer que fosse. A falta de espinha dorsal é algo que nem nos animais ajuda, quanto mais nos bípedes humanos.

O caso do PSD também não traz especiais novidades. Pela primeira vez, e a sério, Rio morde o pó. É verdade que os dois partidos emergentes na Direita retiraram-lhe importantes franjas de apoio, sobretudo a IL pois o Chega terá engordado sobretudo `custa do falecido (ou quase) CDS. 

A mansidão suave de Rio não convenceu os adversários do PS, antes o beneficiou. Alguém terá pensado que se era para viabilizar um Governo de Costa mais valia deitar logo o papelinho nele. O PSD vi ter de continuar o seu caminho das pedras e tem quatro anos para tal a menos que o PS cometa algum erro colossal.

Finalmente o PS.

É verdade que Costa pediu e despediu a maioria absoluta, que prometeu tudo a todos, que falou de maçanetas e portas mais do que um marceneiro mas, por ele, tinha o ar de vítima  coisa que o povão adora. Traído, enganado pelos parceiros de Esquerda que nunca perceberam quem Marcelo era ou podia ser, Costa mesmo “sem vontade” (como alguns acusaram) lá foi fazendo o seu caminho.

Os portugueses, combalidos pela pandemia, intrigados pela tactica do PPD (onde até Santana Lopes, essa velha ave agoirenta compareceu!!!), recordados dos anos dourados pré pandemia, alvoroçados pela dinheirama que virá da Europa preferiram “antes asno que me leve do que cavalo que me derrube” como bem ensina Mestre Gil na farsa de Inês Pereira.

A última grande derrota da noite foi o sucessivo desenrolar das sondagens do empate técnico. Nem a ligeira descida da abstenção justifica tal dislate. Alguém anda a enganar alguém... 

  

 

diário Político 229

d'oliveira, 19.03.21

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diário político

demonizar, diz ele

d’Oliveira fecit em Março

Rui Tavares, um dos dois colunistas (ambos Tavares!...) da última página do “Publico” escreve um texto que vale a pena ler  (eu acho que RT como JMT, o outro T, suscitam boas discussões e merecem ser lidos com alguma atenção) . O título diz tudo: “a demonização” da esquerda e do socialismo produz monstros”

Este título tem origem em Goya que criou uma água forte (nos “Caprichos”) com o título “el sueno de la razon produce monstruos”.

RT entende que está em curso uma campanha ruidosa e temível contra a Esquerda que, se for bem sucedida, tenderá traduzir-se em medonhas perseguições de democratas, socialistas e libertários.

RT começa o seu texto com uma evocação sumária e ligeira, demasiado ligeira para um historiador, da Comuna de Paris, movimento que começou como um protesto contra o avanço dos prussianos sobre a cidade e se transformou em levantamento popular revolucionário contra o governo burguês. A curta guerra civil que se seguiu saldou-se em cerca de vinte mil mortos  de ambos os lados entre civis e militares apoiantes da comuna e do governo, e produziu cerca de vinte mil mortos. A repressão foi duríssima e terá resultado num elevado número de mortos mesmo que no “muro dos federados” só se mencionem menos de duzentas vítimas, fuziladas. Não se sabe quantas mais houve mas suspeita-se que andariam por milhares. Além disso houve um grande número de deportações para os mais recônditos cantos do Império.

A partir desta efeméride, RT passa em revista as conquistas democráticas e populares que não podem sem mais ser apenas atribuíveis ao socialismo (a primeira segurança social foi da autoria de Bismarck, por exemplo) mesmo se este, nas diversas formas de que se revestiu seja obviamente  o factor mais determinante. Todavia os radicais e republicanos preferentemente conservadores também deixaram fortes marcas no progresso europeu, sem falar da democracia cristã que mobilizou as classes laboriosas cristãs para o mesmo fim, a conquista de direitos cívicos, políticos e sociais.

RT também refere que, ao lado das sociais democracias e aliados houve formulas violentas, duras e ditatoriais de”socialismo” que, de 1917 a 1989, deixaram na europa um rasto impressionante que ainda hoje permanece em parte oculto em arquivos ou na falta de vontade de certos historiadores que se “esquecem” com facilidade dos fantasmas do gulag e outros. Neste exacto momento, há um regime alegadamente socialista que controla o país mais populoso do mundo, e mostra as suas garras na região uigure, em Hong Kong ou no Tibete sem menosprezar a China chinesa.

Todavia, é verdade que o fascismo e todos os regimes autoritários similares surgidos no fim da 1ª Guerra erigiram como principal inimigo a democracia e, especialmente, o socialismo, radical ou não.

E não é menos verdade que, em países saídos da “cortina de ferro” há algo a que chamam regimes iliberais que, de facto, ba mais são do que reacções desproporcionadas aos anteriores regimes de obediência soviética. Na UE, e mal, entraram pelo menos três países (Polónia, Hungria e Eslováquia) que são exemplos claros da crescente limitação das liberdades de que a União pretende ser portadora.

Finalmente, mesmo entre as democracias antigas europeias existem movimentos de Direita radical que contestam o “sistema”.  E é também verdade que mesmo nos países que experimentaram a dureza de regimes autoritários duros (Portugal, Grécia e Espanha E na Alemanha – a AfD) reapareceram movimentos ultra-conservadores. Não são demasiadamente nutridos, rondam os 10/15 % e bão é crível que cresçam  muito a menos que a crise económica e social se agrave. É bom lembrar que os radicalismos medram em situações de grande dificuldades, de pobreza, de desemprego, de insegurança. Não nascem da riqueza, da paz social e do trabalho para todos. Bastaria lembrar como é que a Direita lepeniana cresce em França. Justamente em anteriores zonas vermelhas atingidas pelo desemprego e pela desinsdustrialização. Na Alemanha é no Leste ex-comunista que a AfD ganha adeptos, não é na Baviera, bastião de uma direita conservadora social-cristã. Na Itália foi o Norte altamente industrializado que a Direita ganhou mais votos. E por aí fora.

Ora o meu ponto não é retirar toda e qualquer razão a Tavares mas apenas dizer-lhe que demonizar seja que adversário político for cria monstros, obnubila os espíritos. Eu lembraria a RT que, entre as duas grandes guerras, o maior trunfo de Hitler e a origem de todas as facilidades internas que teve, tem na base a luta sem quartel entre socialistas e comunistas. Com uma teoria “científica” fundamental baseada na expressão “Klasse gegen Klasse”. Os socialistas, a mais poderosa força política alemã eram tachados de “sociais fascistas”, de traidores à causa operária, de subalternos da reacção.

Quando a guerra começou, ainda a União Soviética trocava beijos e abraços com o 3º Reich, os partidos comunistas ocidentais, assobiavam para o lado. No caso da França invadida e ocupada, o Partido Comunista Francês expulsava os militantes que queriam lutar contra os alemães e, cúmulo dos cúmulos, tentaram obter autorização para publicar “L’ Humanité”. A “Resistencia” é bom que se recorde, começou por ser obra de democratas e de alguns conservadores que não aceitaram a humilhante posição de Vichy.

 

E durante o “ensaio geral” da 2ª  Guerra, no palco espanhol, o PC liquidou o POUM, atacou os anarquistas e infiltrou os partidos republicanos. E verdade que, do outro lado, estavam os generais (não todos), os requétés, os fascistas,  e uma importante fracção da população hotoriamente conservadora e católica. Basta atentar, por exemplo, na entrada dos franquistas em Barcelona. De onde surdiram aquelas centenas de milhares de pessoas de pata no ar e a cantar o “Cara al sol”?    

Voltando à vaca fria: o mal da demonização é ela existir. De esquerda ou de direita. E por cá, sem citar nomes, tem havido basta demonização, apelos à dissolução de partidos, queixas na Procuradoria Geral da República contra líderes partidários. Em que ficamos?

A ilustração dupla traz Goya o sumptuoso e o maoísmo mais caricato. E muito mais perigoso e pejado de milhões de vítimas.  

diário político 233

d'oliveira, 03.01.21

Como envenenar a vida política

d'Oliveira fecit 3.1.21

Eu já tinha decidido encerrar este capítulo do procurador europeu. A coisa cheirava mal há tanto tempo que mais valia esquecê-la do que voltar a revolver aquele tapete para onde foram varridos verdade e decência (e respeito pelos cidadãos a quem se atira um par de mentirolas mostrando o desprezo em que são tidos).

Todavia, a senhora ministra da Justiça entendeu conceder uma entrevista onde acusa quem se sentiu incomodado ou meramente perplexo de “envenenar a vida política”. Eu, às vezes, pergunto-me se algumas pessoas falam português e se conseguem fazer entender nessa língua que, pelos vistos, é traiçoeira.

A senhora Van Dunen, disse em substância o seguinte: Que a menção de procurador geral adjunto aplicada a um procurador da República teria sido uma “presunção” dos serviços do Ministério; que a menção à condução e investigação de um importante processo resultava apenas da confusão entre isso e a simples presença do mesmo magistrado no julgamento, algo absolutamente diferente e com um peso claramente menor; que a declaração de que o mesmo magistrado era responsável pelo “maior departamento nacional no âmbito da criminalidade económico financeira” quando na verdade o procurador era apenas responsável “da nona secção do DCIAP que, isso sim, era a nível regional “a maior em termos de volume de serviço dos DCIAP regionais”.

Juntamente com isto,  que não é pouco, a sr.ª Ministra desculpou o Ministério dizendo que a carta, onde este chorrilho de absurdas contra-verdades vinha plasmado,  fora enviada por uma repartição sem conhecimento ministerial.

Se isto, esta última e grotesca declaração fosse para tomar a sério temos que o Ministério da Justiça anda em roda livre, sendo indiferente haver ou não quem mande, no caso, a Ministra da pasta!...

Conviria, novamente, recordar, que foram estes especiosos argumentos os essenciais para descartar a escolha por um júri internacional e preferir-se estoutra puramente caseira, doméstica, amigável.

Se considerarmos que, de tudo isto, não há consequências conhecidas a tirar no que toca às presunções, enganos e erros dos serviços, facilmente verificaremos que pelo ministério anda tudo à balda.

Vir dizer que quem observa esta escolha em contradição com o hábito de avalizar a pessoas escolhida pelo júri, é envenenar a vida política é de uma falta gritante de inteligência e um total desrespeito pela inteligência dos cidadãos.

Eu diria que estas declarações da sr.ª Ministra empeçonham a credibilidade do Governo enquanto este a conservar num lugar para o qual manifestamente não está preparada.

Acresce que, desde que a vemos nesta posição também não se descortina qualquer acto que mereça já não digo o elogio mas pelo menos a ideia de que aquele ministério funciona, vive,. Nada!

Mais uma vez se recorre ao principio de Peter: numa cadeia hierárquica há um momento em que alguém assume a sua mais total incompetência.

Curiosamente, até o sr. Presidente da República, que vem sendo acusado de andar com o Governo ao colo, se sentiu “incomodado” e prometeu questionar o sucedido.

Claro que a sr.ª Ministra está de pedra e cal. Já se sabe que se manterá, dignamente inútil e inamovível, coisa que aliás ocorre com mais colegas. Daqui a dias já ninguém falará disto e a mansa tradição nacional esquecerá mais esta aberrante situação.

Ao fim eao cabo, já passámos por vergonhas maiores ...

diário político 211

d'oliveira, 05.12.20

Brincar aos orçamentos

d’ Oliveira fecit, dezembro, 5, festa de Stª Bárbara, virgem e mártir

 

O Parlamento deu mais uma brilhante amostra do que é capaz e aprovou um orçamento que, não sendo bom, tem a vantagem de ser original e de servir de escarmento para qualquer país civilizado.

Não só a proposta do Governo saiu alterada (e de que maneira!) mas também tivemos, ao vivo, e em primeira mão, o indizível espectáculo da negociata política. Que o sr. dr. Costa queira conservar-se no poder à custa da compra devotos não espanta. Já o “chorado” engenheiro Guterres conseguira o prodígio de apresentar o famigerado orçamento do “queijo Limiano”. Estamos pois em pleno domínio da tradição.

Que um partido cada vez mais nas franjas do declínio político e social em perda de votos e de militantes, tenha alinhado neste leilão sempre na defesa dos mais sagrados interesses do povo, dos trabalhadores, da pátria e sei lá que mais também me não espanta. Desde há muito que as coisas são assim envolvidas num vale tudo para ganhar espaço e piscar o olho aos eleitores.

Dir-me-ão que a discussão orçamental comporta sempre dois momentos (generalidade e especialidade). e que é no segundo que se afinam propostas. E a palavra é exactamente essa: afinar.

Todavia, o que na realidade ocorreu foi algo de substancialmente diverso. Ao orçamento inicial (e aos seus custos) vieram juntar-se uma boa centena de novos temas sem que, pelos vistos, tenha havido (nem podia haver perante quase duas mil páginas de propostas de alteração) tempo suficiente para as ponderar e, sobretudo, para avaliar o seu impacto financeiro.

Fique claro que não vou discutir a bondade das propostas. Mesmo que sejam todas excelentes, há que saber se há dinheiro para as activar. Será que alguém se lembrou de deitar contas à gigantesca redução de receitas, ao já claríssimo aumento de despesa em auxílios de diversa ordem e ainda nem chegamos ao fim do ano? Será que alguém tentou sequer fazer um cálculo aproximado dos efeitos da pandemia durante, pelo menos, a primeira metade de 2021 (versão optimista do correr do próximo ano)?

Ontem, os jornais e a televisão traziam mais uma novidade: havia reservado para a TAP um teto de 500 milhões. Pois bem, agora, por artes mágicas, isto por uma canelada da realidade sempre desagradável, verifica-se que, afinal, são precisos mais outros tantos milhões.

A serem minimamente verdadeiras as queixas do sector turístico, restauração incluía, o pior está para vir nos próximos três meses. As falências aumentarão exponencialmente, o desemprego ameaça umas dezenas de milhares de pessoas ( o sector avança cem mil). 2021 corre o sério risco de ser o ano de todas as contas por pagar.

No quadro europeu, as coisas não estão famosas. A bazuca está para demorar, a menos que alguém tenha uma solução para ultrapassar a crise polaco-húngara. Mas há mais: a França ameaça vetar um vago projecto de acordo post-Brexit. Aliás, neste capitulo, as partes separaram-se há dois dias concluindo que não estão reunidas condições mínimas para continuar as conversações de modo a que cheguem a bom porto. Ahora, diz-se, tudo depende de um encontro Von der Leyen-Johnson. Se tenho alguma esperança na primeira, não aposto sequer uma moeda falsa de cinco cêntimos no segundo

Isto, estas duas eventuais más notícias, sentir-se-ão sobretudo nos países mais desprotegidos e, suponho, que ninguém tem dúvidas que Portugal é um dos mais visados, tanto mais que a maior fonte de rendimentos (o turismo) funcionará sequer a meio gás no próximo ano.

Boa parte dos comentários à discussão na especialidade, centrou-se no pagamento de cerca de quatro centenas de milhões ao Novo Banco. O PS rasgou as vestes perante esta horrenda coligação negativa. E disparou sobre o PSD sem cuidar de se lembrar que a proposta vinha do Bloco. Porém, nisto tudo há, de novo, duas particularidades picantes: à uma ninguém conhece o famoso contrato que tem condicionado os pagamentos ao BE. E já lá vão três mil milhões de euros que o BE votou alegremente...

Depois, a ideia de atirar para o Tribunal de contas uma auditoria desta dimensão é uma aventura de alto, altíssimo risco pela mesquinha razão de o TC não ter qualquer experiência neste campo. Não haveria, por aí, mesmo excluindo a Deloite, uma instituição capacitada com provas dadas e rapidez de procedimentos?

É claro que a verba irá ser paga mesmo sem auditoria como também já todas as fontes adiantaram e os jornais propagandearam. No entanto, não deixa de ser jurídica e politicamente interessante o acrescento de uma condição à velha regra “pacta sunt servanda” que numa tradução rápida diz que os contratos devem ser cumpridos, tanto mais que foram feitos conhecendo perfeitamente as situações.

E em boa verdade, que importância tem isso? Não vão ser os deputados subitamente indignados e alertados quem vai pagar.

Somos nós todos!

* A menção à Santa padroeira dos artilheiros deve-se ao facto de também ser a padroeira dos fogueteiros que andaram por aí a atroar os ares e a terra com os dinheirinhos a vir de Bruxelas. Não vou falar em esperar por sapatos de defunto mas alguma prudência teria tido cabimento . E talvez os cruzados do orçamento a rebentar pelas costuras tivessem sido menos generosos com dinheiros que (ainda) não tem. 

 

 

diário político 213

d'oliveira, 28.11.20

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Se...

(à maneira de Kipling)

d’Oliveira, confinado e zangado, fecit no dia de Santa Catarina Labouré

 

Se o Bolsonaro, um ignaro e ignorado deputado brasileiro conseguiu vencer uma eleição presidencial ...

Se um ricaço de mau gosto, pretensioso, machista e ignorante conseguiu ganhar as eleições de há quatro anos na América ...

Se depois de uma governação caótica, crivada de zangas, de críticas de todo o lado, o mesmo indivíduo obtém, depois de um desgoverno da pandemia. um espantoso resultado traduzido em maior número de votos mesmo se abaixo de Biden (felizmente)...

Será que um obscuro comentador de futebol, e agora deputado, conseguirá ter uma votação significativa, digamos um 2º ou 3º lugar depois de Marcelo?...

A seu favor tem o vitimismo da cerca sanitária, os erros de certos partidos populistas de esquerda, o exemplo de crescimentos de votação semelhantes na França e na Itália onde a direita populista ganha no terreno que já foi dos partidos comunistas.

O mesmo de resto se passa na Alemanha, a “Alternativa” (nome significativo nasceu, desenvolveu-se e marca pontos na antiga República Democrática e não no Oeste.

“Yo no creo en brujas pero que las hay, las hay”

* a imagem de Santa Catarina Labourée e sobretudo a famosa medalhinha miraculosa são de aconselhar para o conturbado período que se aproxima. Esta santinha, menos famosa do que as restantes santas com o mesmo nome, passou à posteridade como exemplo de modéstia e humildade como se pedia bo século XIX às "filhas da Caridade"

 

 

 

diário político 230

d'oliveira, 29.10.20

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O jogo do chinquilho

(Versão sec XXI)

 

d’Oliveira fecit (28/10/20)

 

 

A história, caso se lembrem, começou no dia em que o PS perdeu as eleições legislativas. O dr. Costa apareceu com caro de enterrado vivo, pesaroso, a família estava em lágrimas e tudo levava a pensar que um governo minoritário PPD/CDS.

Isto pareceu verdadeiro até aparecer o sr Jerónimo de Sousa travestido de Jesus de Nazaré a fazer ressuscitar um morto. No caso o dr. Costa. De facto foi o Secretário Geral do PCP quem virou o bico ao prego, quem inventou a geringonça, quem varreu a coligação centro/direita, quem realmente decidiu acabar com a fumaça de um (im)possível bloco central.

O dr. Cavaco Silva, presidente da República, descrente de alianças espúrias ou assim consideradas desde os inícios da IIIª República, obrigou a que se celebrasse um contrato escrito- Também ele é, ainda que sem o querer, pai da geringonça.

E, na verdade, durante quatro anos, a coisa funcionou. Com equívocos vários, seja dito. A “austeridade” manteve-se com outro nome graças a cativações que impediram excessos despesistas, o investimento público foi mais baixo do que durante o horrível período da Passos Coelho, mas a comunicação faz milagres. E a propaganda fá-los parecer ainda maiores...

Entretanto, quando o PS sonhava com uma maioria absoluta, o milagre pareceu excessivo. Não a teve e o PPD, mesmo ferido na asa, conseguiu aguentar-se. A geringonça II teve hipótese de seguir mesmo sem o milagroso Centeno, um Ronaldo de pouca dura mas sabedor que os milagres não se repetem e que depois do Verão vem o Outono e, pior, o Inverno.

A pandemia e o dr. Rebelo de Sousa fizeram o resto. A primeira pôs a nu as debilidades de uma economia que devia tudo, ou quase, ao turismo. O segundo achou desnecessário exigir acordos escritos entre os falsos irmãos geringoncistas.

E chegamos a isto. O BE sabe perfeitamente que por muito dinheiro que nos chegue, vai haver austeridade por uns anos. O desastre, o verdadeiro, o “diabo” sicut Passos Coelho, está prestes a chegar. As consequências da pandemia, que está viva e em progressão, vão ser duradouras. Com ou sem vacina, o período de terror vai estender-se por todo o ano que vem. A UE, que reservou 700 milhões de doses da futura vacina, já fez saber que a vacinação nunca estará completa antes do fim do próximo ano. Não basta descobrir a molécula maravilhosa também é preciso produzi-la em quantidades impensáveis até agora. E há a recuperação da confiança, o restabelecimento de relações de todo o género mesmo se, nos próximos tempos, nada suceder de especialmente dramático. Qualquer doença deixa sequelas, exige um longo período de convalescença. De certa maneira, mesmo falsa, a ideia de que nada voltará a ser como dantes, vai ser verdadeira durante algum tempo. E a nossa vida mede-se em algumas dezenas de anos apenas. Daqui a cem anos isto vai merecer apenas um período breve, meia dúzia de linhas num futuro manual de história. O diabo é que já cá não estaremos nem os nossos filhos. O tempo que nos resta é limitado.

Ora o BE sabe tudo isto mesmo sede economia e finanças no sistema capitalista saiba pouco. E vive na obsessão da via albanesa ou algo no género. A pequena burguesia radical que desconhece a classe operária e a verdadeira vida dos pobres acredita nas receitas que durante um inteiro século já mostraram ser nados mortos. Em boa verdade vive, viveu sempre, da alucinação fracturante porque nunca teve de governar fosse o que fosse. Nem a recente experiência grega em que o BE embarcou alegremente lhes serviu de lição. Depois de vermos a candidata Marisa ao lado dos gregos momentaneamente triunfantes nunca mais a lobrigámos logo que a realidade, a “estúpida” realidade, derrubou um governo práfrentista.

O BE contou com o ovo no cu da galinha, isto é, pensou que o PC o ajudaria. Vê-se que os bloquistas nunca leram Lenine e muito menos a “doença infantil...”. O PC, este PC é um velho partido bolchevique enraizado numa parte do país real, informado do que as pessoas comuns pensam. Ao votar o OE, o PC vai, n especialidade marcar alguns pontos e tentar atenuar a erosão eleitoral que o tem atingido. Dá a ideia que Jerónimo de sousa e os seus camaradas conduziram com o seu silêncio o BE para um beco sem saída.

Há indícios, ténues mas indícios, de que o BE pode recuar no voto final. Tentará reduzir os prejuízos mas mesmo essa alternativa é perigosa porquanto, à mínima cedência, será acusado de traição por uns e de oportunismo por outros. Logo veremos o que se passará.

Finalmente, mesmo que ninguém, ou poucos, a queiram, a crise política paira por aí. Um OE chumbado obrigará, queira o dr. Rebelo de Sousa ou não a eleições legislativas mesmo que só depois do período “europeu”, isto é d primeira metade do ano. Até agora, o PS parece estar em boa posição para vencer sem maioria absoluta. A menos que a ruptura do BE resulte numa forte transferência de votos para o PS. Isso, dadas as características do BE permitirá alguns aumentos de votação nas grandes cidades ou seja mais lugares de deputados praticamente garantidos. I Chega morderá sobretudo as franjas da Direita ou seja o CDS e algum PPD. A anomalia Livre evaporar-se-á e não é crível que outra anomalia chamada PAN conserve aquele bizarro número de deputados. Para o PC o melhor resultado possível seria o estancamento da sangria que tem sofrido de eleição para eleição. É provável que a sua atitude quanto ao OE decorra desse cálculo. Poderá até captar desiludidos do BE. Convenhamos que de uma pequena ou grande recomposição da extrema esquerda não virá mal ao mundo.

E talvez os jogadores de chinquilho desapareçam do cenário onde andam agora alegremente. Que diabo, já nos basta a pandemia...