diário Político 229
diário político
demonizar, diz ele
d’Oliveira fecit em Março
Rui Tavares, um dos dois colunistas (ambos Tavares!...) da última página do “Publico” escreve um texto que vale a pena ler (eu acho que RT como JMT, o outro T, suscitam boas discussões e merecem ser lidos com alguma atenção) . O título diz tudo: “a demonização” da esquerda e do socialismo produz monstros”
Este título tem origem em Goya que criou uma água forte (nos “Caprichos”) com o título “el sueno de la razon produce monstruos”.
RT entende que está em curso uma campanha ruidosa e temível contra a Esquerda que, se for bem sucedida, tenderá traduzir-se em medonhas perseguições de democratas, socialistas e libertários.
RT começa o seu texto com uma evocação sumária e ligeira, demasiado ligeira para um historiador, da Comuna de Paris, movimento que começou como um protesto contra o avanço dos prussianos sobre a cidade e se transformou em levantamento popular revolucionário contra o governo burguês. A curta guerra civil que se seguiu saldou-se em cerca de vinte mil mortos de ambos os lados entre civis e militares apoiantes da comuna e do governo, e produziu cerca de vinte mil mortos. A repressão foi duríssima e terá resultado num elevado número de mortos mesmo que no “muro dos federados” só se mencionem menos de duzentas vítimas, fuziladas. Não se sabe quantas mais houve mas suspeita-se que andariam por milhares. Além disso houve um grande número de deportações para os mais recônditos cantos do Império.
A partir desta efeméride, RT passa em revista as conquistas democráticas e populares que não podem sem mais ser apenas atribuíveis ao socialismo (a primeira segurança social foi da autoria de Bismarck, por exemplo) mesmo se este, nas diversas formas de que se revestiu seja obviamente o factor mais determinante. Todavia os radicais e republicanos preferentemente conservadores também deixaram fortes marcas no progresso europeu, sem falar da democracia cristã que mobilizou as classes laboriosas cristãs para o mesmo fim, a conquista de direitos cívicos, políticos e sociais.
RT também refere que, ao lado das sociais democracias e aliados houve formulas violentas, duras e ditatoriais de”socialismo” que, de 1917 a 1989, deixaram na europa um rasto impressionante que ainda hoje permanece em parte oculto em arquivos ou na falta de vontade de certos historiadores que se “esquecem” com facilidade dos fantasmas do gulag e outros. Neste exacto momento, há um regime alegadamente socialista que controla o país mais populoso do mundo, e mostra as suas garras na região uigure, em Hong Kong ou no Tibete sem menosprezar a China chinesa.
Todavia, é verdade que o fascismo e todos os regimes autoritários similares surgidos no fim da 1ª Guerra erigiram como principal inimigo a democracia e, especialmente, o socialismo, radical ou não.
E não é menos verdade que, em países saídos da “cortina de ferro” há algo a que chamam regimes iliberais que, de facto, ba mais são do que reacções desproporcionadas aos anteriores regimes de obediência soviética. Na UE, e mal, entraram pelo menos três países (Polónia, Hungria e Eslováquia) que são exemplos claros da crescente limitação das liberdades de que a União pretende ser portadora.
Finalmente, mesmo entre as democracias antigas europeias existem movimentos de Direita radical que contestam o “sistema”. E é também verdade que mesmo nos países que experimentaram a dureza de regimes autoritários duros (Portugal, Grécia e Espanha E na Alemanha – a AfD) reapareceram movimentos ultra-conservadores. Não são demasiadamente nutridos, rondam os 10/15 % e bão é crível que cresçam muito a menos que a crise económica e social se agrave. É bom lembrar que os radicalismos medram em situações de grande dificuldades, de pobreza, de desemprego, de insegurança. Não nascem da riqueza, da paz social e do trabalho para todos. Bastaria lembrar como é que a Direita lepeniana cresce em França. Justamente em anteriores zonas vermelhas atingidas pelo desemprego e pela desinsdustrialização. Na Alemanha é no Leste ex-comunista que a AfD ganha adeptos, não é na Baviera, bastião de uma direita conservadora social-cristã. Na Itália foi o Norte altamente industrializado que a Direita ganhou mais votos. E por aí fora.
Ora o meu ponto não é retirar toda e qualquer razão a Tavares mas apenas dizer-lhe que demonizar seja que adversário político for cria monstros, obnubila os espíritos. Eu lembraria a RT que, entre as duas grandes guerras, o maior trunfo de Hitler e a origem de todas as facilidades internas que teve, tem na base a luta sem quartel entre socialistas e comunistas. Com uma teoria “científica” fundamental baseada na expressão “Klasse gegen Klasse”. Os socialistas, a mais poderosa força política alemã eram tachados de “sociais fascistas”, de traidores à causa operária, de subalternos da reacção.
Quando a guerra começou, ainda a União Soviética trocava beijos e abraços com o 3º Reich, os partidos comunistas ocidentais, assobiavam para o lado. No caso da França invadida e ocupada, o Partido Comunista Francês expulsava os militantes que queriam lutar contra os alemães e, cúmulo dos cúmulos, tentaram obter autorização para publicar “L’ Humanité”. A “Resistencia” é bom que se recorde, começou por ser obra de democratas e de alguns conservadores que não aceitaram a humilhante posição de Vichy.
E durante o “ensaio geral” da 2ª Guerra, no palco espanhol, o PC liquidou o POUM, atacou os anarquistas e infiltrou os partidos republicanos. E verdade que, do outro lado, estavam os generais (não todos), os requétés, os fascistas, e uma importante fracção da população hotoriamente conservadora e católica. Basta atentar, por exemplo, na entrada dos franquistas em Barcelona. De onde surdiram aquelas centenas de milhares de pessoas de pata no ar e a cantar o “Cara al sol”?
Voltando à vaca fria: o mal da demonização é ela existir. De esquerda ou de direita. E por cá, sem citar nomes, tem havido basta demonização, apelos à dissolução de partidos, queixas na Procuradoria Geral da República contra líderes partidários. Em que ficamos?
A ilustração dupla traz Goya o sumptuoso e o maoísmo mais caricato. E muito mais perigoso e pejado de milhões de vítimas.