Surpresas?
Nem por isso.
d'Oliveira, desenganado, viaja pela pátria em 10 de Julho do ano da graça de 2019
(Costa, amigos da Grécia, a saude periclitante, os monumento e Fátima Bonifácio) Espíritos sensíveis; não leiam!
1 Em fim de legislatura o dr. António Costa teve (tem e terá?) contra ele o dobro das greves que atormentaram o dr. Passos Coelho. O dobro! Algo como, cito de memória, 70.000 contra 32.000 (não garanto estes números e não tive oportunidade de os confirmar).
Trocando por miúdos, o dr. Costa, que chefia um governo progressista num momento de grande distensão económica e de recuperação do emprego, consegue apagar o dr. Coelho que era o “inimigo dos trabalhadores e do povo, o “serventuário da troika e dos interesses mais infamemente capitalistas”...
Dá para pensar. Então Costa apanha com greves obviamente comandadas pela Esquerda (PC e PS – aqui o Bloco não pinta para nada, ou muito pouco) mesmo governando com o apoio da ”geringonça”? ) E Passos, o reaccionário vê-se agora absolvido, senão beatificado, dada a “indulgência” de que terá sido alvo por parte das forças sindicais?
Será que a nova frente sindical tem como objectivo derrubar ou, no mínimo, desacreditar um governo “de esquerda”?
Ou, hipótese fascinante mas perversa, os sindicalistas disparam sobre Costa para forçar o regresso de Passos e, aí sim, reafirmarem a vontade popular e proletária de uma “verdadeira” revolução?
2 Mafra, o Bom Jesus e o Museu Machado de Castro, já fazem parte do património da humanidade. Nada mais justo nem mais inesperado. A propósito, uma das televisões entendeu entrevistar a senhora que faz de Ministra da Cultura. Sem propriamente se apoderar descaradamente do sucesso, e também sem o negar, a senhora em questão teceu um par de considerações irrelevantes esquecendo o enorme trabalho dos proponentes deste reconhecimento. Esqueceu, igualmente, o descaso que o ministério da alegada Cultura tem demonstrado no capítulo do Património Construído.
A propósito de Mafra esperava-se que, de uma vez por todas, alguém do Governo viesse anunciar que se punha fim ao “imbroglio” deste palácio (e dependências) ter uma administração (?) repartida por pelo menos três ministérios (Cultura, Defesa e Agricultura) e uma Câmara Municipal (que deve ter um papel idêntico ao de Durão Barroso no famoso encontro dos Açores onde se decidiu atacar o Iraque por este ter armas de extermínio maciço...) Não houve fumo branco. Nem preto! Nem fumo! Nem sequer “só fumaça”...
Sobre o candente problema da autonomia de museus e restantes sítios patrimoniais a senhora em questão fez vista grossa às objecções levantadas pelo ex-director do Museu de Arte Antiga e jurou que estamos no melhor dos mundos.
Finalmente sobre o “não aparecimento” de obras de arte pertencentes ao Estado (e há uma boa centena delas “não aparecidas”) a criatura entendeu explicar que a culpa –como de costume – começou no século passado. Desta vez, nem sequer aproveitou para cascar no governo anterior. Antes referiu os “tempos longos” tão caros a uma certa historiografia: tudo começou nos anos 90. Ou 80. Ou quarenta. Ou com as invasões francesas...
(mesmo sem retirar a carga ideológica e publicitária que, naturalmente, teve, seria interessante recordar a campanha do Estado Novo na reabilitação, preservação ou restauro dos monumentos nacionais, levada a cabo pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e facilmente consultável por ainda estarem à venda – em alfarrabistas, claro – oa 132 +3 boletins da referida instituição)
3 O dr. Centeno (que, como o finado dr. Salazar, quando ministro das Finanças, manda nisto tudo) veio esclarecer o povo ignaro da excelência da sua acção quanto ao Serviço Nacional de Saúde. Afinal está tudo bem, houve um gigantesco reforço em meios técnicos e humanos e um invejável investimento. Qualquer notícia sobre o estado catatónico do SNS é uma fake new.
A dr. Temido, ministra da mesma pasta, abundou no mesmo sentido: “Tout va bien, madame la marquise...”
Entretanto um estudo académico, coordenado por Pais Mamede e Adão Silva, vem propor um seguro de saúde universal que daria ao SNS pés (e mãos) para andar. É um pouco o ovo de Colombo: uma espécie de ADSE geral e universal que, com pequeno dispêndio para os cidadãos, tornaria o SNS financeiramente forte a ponto de evitar as dramáticas rupturas actuais e de, no momento do pagamento de serviços médicos, reduzir este a valores mais ou menos simbólicos, É evidente que a teoria absurda e não funcional de um SNS absolutamente gratuito cairia por terra. Como, aliás, já caiu. Entre atrasos evidentes e escandalosos e falta de assistência em muitos pontos do país, o SNS é já uma miragem que só serve para dar votos ao seus defensores que, entretanto, levam a sua miopia política e social a extremos inacreditáveis e são incapazes de explicar de onde hão de vir as cada vez mais crescentes necessidades de financiamento.
De todo o modo, ninguém, muito menos eu, acredita que isto seja levado a sério. Os esforçados defensores da “albanização” do país acham que “fazer do passado tábua rasa” é a única solução. Não é, já não é, nunca foi e os exemplos medonhos do passado século deixam cruelmente à vista o que foi o reinado da utopia (soviética & similares).
4 Na Grécia, o sr. Tsipras foi estrondosamente derrotado. O fim do populismo de esquerda do Siriza estava há muito anunciado. E tudo começou no exacto momento em que, para governar, se aliou a um partido de extrema direita. Depois foi o qu e viu, entradas de leão e saídas de sendeiro no conflito com a Europa, a história de um referendo que vencedor foi imediatamente desrespeitado pela ansia de continuar no poder. O reforço da austeridade por incapacidade de criar reformas que viabilizassem a economia nacional, que quebrassem o poder imenso da Igreja ortodoxa e dos principais armadores (cuja fortuna continuou intocada) e outros elementos da elite económica e financeira grega.
Ironicamente, a cereja neste bolo desastrado tem origem no único gesto inteligente e ousado de Tsipras: o acordo com a República da Macedónia do Norte.
A este propósito, recordo que a Macedónia de Filipe e Alexandre não era exactamente a mesma Grécia de Atenas, Tebas ou Esparta. E Demóstenes, ateniense e orador ímpar, bem que tentou afastar os macedónios da “verdadeira” Grécia.
Todavia, o nome “macedónia” e o emblema solar tornaram-se matéria sagrada para a maioria dos gregos e isso, como a condenação do nº 666 (o número da “besta” ou do Anti Cristo).
Por cá, os antigos amigos de Tsipras (e sobretudo, as antigas amigas) calaram-se como ratos. Para elas e eles, a Grécia já não estava na moda. Tinha-se rendido ao monstro europeu que, “cínica e miseravelmente” recusava dar mais dinheiro para um 4º resgate... Durante umas semanas, eufóricas e exaltadas, a Grécia preencheu os sucessivos vazios deixados pelos naufrágios da URSS, da China, da Albânia ou do Vietnam. Agora tudo se reduz, melancolicamente à admiração resignada dos senhores Melenchon e Iglésias, meras caricaturas dos heróis progressistas. Ou, pior ainda, do sr. Jeremy Corbin...
5 Uma senhora que já não é propriamente nova, professora universitária, historiadora e autora de alguns livros meritórios sobre o século XIX português, entendeu parir um texto sobre negros e ciganos e sua congénita inadaptação ao mundo ocidental. A coisa nem sequer é imbecil. Vai bem além disso .E é ridícula, mesquinha, baseia-se em preconceitos sem qualquer fundamento, toma algumas mínimas partes pelo todo e está tão disparatadamente longe da realidade que, só me apetece pensar que há idades perigosas para a razão!
Anda por aí um alarido, nem sempre inteligente, nem sempre responsável, nem sempre sensato sobre o “racismo” (que existe) e que obviamente (basta ver o presente exemplo) é cretino e afrontoso. Depois, e a par, correm uma série de propostas porventura generosas mas de resultado improvável. A ideia de quotas deeria ser temperada antes e a montante por um claro, exigente esforço desde os bancos da pré primária, desde as condições de habitaçãoo. Desde o respeito pelas minorias, desde a educação da polícia e de outros agentes do Estado.
E desde uma outra e fundamental ideia. Portugal (e o Ocidente para onde foge gente de todo o mundo)deverá exigir aos que o procuram um claro respeito pelas leis e costumes. E um rápido conhecimento da língua e da cultura nacionais. Sem isso, as sociedades ghetizadas, não saem do seu casulo e da sua estranheza. Por exemplo: é inaceitável que a certos romenos se permita mendigar ou usar a mendicidade como único meio de ida. É inaceitável o uso de burkas, nikabs e outras formas de esconder o corpo e o rosto. É intolerável a ablação d o clítoris. E por aí fora.
Isto dito, convém relembrar estoutra verdade: somos um povo emigrante. Fomos, “depressa e em força” para o Oriente, para o Brasil ou para África. E depois para o resto do mundo desde a Venezuela até à França, dos Estados Unidos à Alemanha ou à Inglaterra. Só não emigrámos para o leste europeu onde os poucos portugueses que lá passaram nunca se fixaram: o frio e o primado da ideologia sustentado na contínua vigilância policial eram mais repulsivos que “os brandos costumes do regime reaccionário e clerical em vigor no jardim à beira mar plantado. E integrámo-nos com grande facilidade. Em Malaca a raiz portuguesa quase desapareceu, o mesmo se passou na Índia e em África criou-se o termo “cafrealizado” para designar colonos que viviam sem constrangimento como os povos da região. Nada disto nos iliba dos desastres da colonização que levámos a cabo e que nunca foi especialmente humanitária ou portadora das luzes da civilização. A senhora Bonifácio, que terá tido uma juventude vagamente esquerdista e é historiadora, deveria saber isto mas pelos vistos o avanço da senectude fê-la olvidar estes maus passos desta “cristandade” pouco observadora dos Evangelhos.
Desconheço se contra chineses, indianos (e outra gente de cor) também alimenta argumentos idênticos ao seu desinspirado artigo. E, no entanto, há claríssima diversidade cultural, espiritual e social entre a Índia milenar, (com as temíveis diferenças de casta) a China ou o Japão onde ainda reina uma espécie de Deus vivo. E já que se fala de “Cristandade”, relembraria o Islão e as suas versões mais radicais, o judaísmo que continuadamente se perseguiu (e se persegue) e que na sua versão estatal mais dura trata os seus palestinianos abaixo de cão. E continuando neste mimoso caminho, será que a senhora Bonifácio também tem sobre, por exemplo, as minorias sexuais e as seitas religiosas mais extravagantes, opinião?
Aqui para nós, se a tem, ha de ser fresca, fresquíssima...
Parece que alguns ofendidos entendem que ela devia ser privada de espaço nos jornais, mormente no “Público” onde vomitou o pobre texto de que se fala. Não alinho nessa cruzada: as opiniões mesmo as mais obviamente estúpidas (e é o caso) devem ser conhecidas. Para poderem ser combatidas por armas menos perigosas do que as que foram usadas nos séculos que nos precederam (desde os campos hitlerianos aos da Sibéria e ao Congo sem esquecer os primeiros de todos miseravelmente inventados pelos britânicos na África do Sul e contra os boers.
A história recente está cheia de exemplos de intelectuais que ao lado de verdadeiras obras primas (Céline: voyage au bout de la nuit; Ezra Pound “Cantos”) foram cúmplices políticos da abjecção fascista. Mas há, entre eles e Bonifácio, uma diferença abissal: eles eram geniais e as suas obras permanecem como autênticos faróis do século XX. A senhora Fátima não ultrapassa (antes fica aquém) o padre José Agostinho de Macedo, que aliás escreve bem melhor.
(As vinhetas representam ciganos em campos de concentração nazis e negros congoleses administrados pelo rei dos belgas. À compadecida atenção da senhora Bonifácio, arauto da Cristandade e da e dos valores ocidentais. Para que saiba, se é que, coisa de que seriamente duvido, esta chamada de atenção vale a pena.)