Foi no passado dia 18 de Outubro a apresentação, na Fundação Mário Soares, perante uma numerosíssima assistência, deste livro de investigação histórica que, durante os dois últimos anos, fez com que não pudesse usufruir tanto como gostaria da companhia do meu bom amigo António Monteiro Cardoso, o seu autor.
Na apresentação, bem entregue a José Medeiros Ferreira, a leitura dramatizada, pelo escritor timorense Luís Cardoso, de um texto (*) de sua autoria, foi um momento alto.
O António, que conheci nos idos de 70 na Faculdade de Direito de Lisboa, onde se licenciou, apesar de não renegar o jurídico na sua vida profissional, nunca deixou de alimentar a sua paixão pela investigação histórica e, contador nato que é de histórias, dera já à estampa, em co-autoria, o ensaio A Guerrilha do Remexido (que comandou a guerrilha miguelista no barlavento algarvio) e o romance Boas Fadas que te Fadem (uma delícia de escrita e reconstituição, que se inicia em Freixo de Espada à Cinta, terra das suas origens, em plena Inquisição).
Doutorado, entretanto, em História Contemporânea pelo ISCTE, sempre se interessou também especialmente pelo direito da Comunicação Social, tendo obra publicada nesta área, e lecciona a cadeira de Direito da Comunicação Social na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.
Para ti António, com uma vénia ao teu espírito irrequieto, inteligência vivíssima, memória incomum e notável sentido de humor, os meus PARABÉNS e votos de sucesso para este teu novo livro.
«O livro tem como tema central a ocupação japonesa de Timor e a guerra de guerrilhas, movida por tropas australianas, a partir das montanhas, com o auxílio dos indígenas e de muitos portugueses, que o fizeram à revelia da política de neutralidade ditada pelo Estado Novo.
A maior parte desses portugueses eram funcionários, plantadores e sobretudo deportados, que para ali tinham sido desterrados por motivos políticos em 1927 e 1931. Muitos desses homens combateram ao lado das tropas australianas, constituindo o que aqueles chamavam a “brigada internacional”. Essas tropas acabariam por retirar do território, ficando aqueles portugueses, bem com os timorenses que as tinham apoiado, abandonados em Timor, à mercê das forças japonesas e dos seus auxiliares das “colunas negras”, por eles arregimentadas.
Para tentar convencer os comandos militares aliados a evacuar aqueles homens, o tenente Pires, administrador de Baucau, aceitou deslocar-se à Austrália, mas deparou com a indiferença das autoridades, o que o levou a encetar uma campanha para salvar os seus companheiros. Por fim, como única forma de o conseguir, acabou por se oferecer ele próprio para se deslocar a Timor, então fortemente ocupado pelo exército japonês. Desse modo, conseguiu salvar aqueles homens, mas acabou por ser capturado e morto nas prisões japonesas.
Através do diário que o tenente Pires escreveu, cruzado com importantes dados colhidos nos arquivos militares australianos, reconstitui-se neste livro a situação desesperada então vivida por timorenses e portugueses, durante a ocupação nipónica.
Para enquadrar estes acontecimentos, o livro debruça-se sobre as campanhas militares que levaram à ocupação efectiva do território, bem como o modelo de colonização estabelecido. O quadro político e diplomático complexo em que se entrechocam na zona os interesses nipónicos e australianos constitui o pano de fundo desta narrativa.
Neste contexto a política de Salazar em relação a Timor, apresentada como um notável sucesso, é analisada à luz de factos, então ocultados, que põem em causa essa visão triunfalista, sobretudo o abandono à sua sorte dos portugueses, que se mantiveram escondidos no território, muitos dos quais vieram a morrer em circunstâncias trágicas.
Curiosamente, a política de Salazar quanto a Timor, de desguarnecimento militar da colónia, ordens irrealistas de resistência e responsabilização do governador por não as ter cumprido, antecipa já o que veio a suceder em relação à Índia, cerca de vinte anos depois.»
António Monteiro Cardoso
(*)
Ao António e à Luísa, agradecendo a colaboração no enquadramento histórico do romance “Requiem para o Navegador Solitário” (Lisboa, D. Quixote, 2007)
Caramba Manuel
como esperas conseguir esconder tanta gente? foi isso mesmo que ouviu numa mensagem enviada da Austrália após o seu desembarque em Timor, regressado daquele país, para onde se havia ausentado em busca de apoio dos aliados para salvar os portugueses, que embora estivessem cobertos pelo estatuto de neutrais, eram brancos e ocidentais, uns desterrados pelo regime e outros abandonados pelo Império numa ilha do fim do mundo, no extremo oriente, lá onde “O Sol logo em nascendo vê primeiro”. Talvez Camões ao escrever este verso, tivesse intenção de referir-se aos japoneses que têm estampado na sua bandeira o Sol, símbolo de Deus ou Imperador, e em nome de quem não davam descanso a ninguém, nem mesmo ao Manuel e ao seu grupo, que foi engrossando com toda gente que lhe pedia protecção. Afinal foi para isso que se tinha retirado para a Austrália com a promessa de regressar com ajuda
Caramba Manuel
como esperas conseguir esconder tanta gente? perguntava Manderson com quem havia estabelecido o compromisso de que a sua missão em Timor seria a de um grupo secreto com a função de observar o movimento das tropas japonesas, tão invasoras como todas as forças militares que antes haviam entrado em Timor. O australiano recomendava-lhe que se libertasse de alguns. Como poderia libertar-se de alguns, se lhe juntava mais um fugitivo, mais desesperado ainda que o anterior, um desterrado do Alentejo ou um nativo de Kelikai, que no seu entender era tão português como o malae.
o texto do Luís Cardoso na íntegra AQUI