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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Economia Paralela (2)

sociodialetica, 21.04.11

O jornalista já tinha as informações quantificadas sobre uma parte da economia paralela em Portugal, aquela que a OCDE designa por “economia subterrânea” e que a alguns autores chamam “economia sombra”: as actividades não registadas na contabilidade nacional do país e que se escondem essencialmente para fugirem às obrigações fiscais e parafiscais.

Reconhece que a pergunta seguinte que me colocaria não é de resposta simples, mas tem de a colocar: o que é possível fazer para combater essa “economia paralela”?

Ninguém tem a solução! Estamos perante uma realidade complexa, complexidade que é um misto de interacção não linear de elementos diferentes, com referências e características diversas, e de nossa incapacidade cognitiva para comportar essa diversidade. A essa dificuldade acresce a entrevista ser via telemóvel, dispondo de poucos segundos para fazer emergir a “minha verdade”.

Apeteceu-me dizer que não era certamente da forma como o Ministro da Economia recentemente falou sobre o assunto. Bastava ele ler “Ministro alabirintado na paralela”, crónica na Visão online de 9/10/2010 para perceber quanto a ignorância e a frequência com que os políticos deitam poeira para os olhos são atrevidas. Mas não disse. O discurso científico afirma-se pela positiva.

Há medidas possíveis de longo prazo e de curto prazo. Umas sem as outras têm sempre um quadro deficiente de influência.

No longo prazo temos a modificação da organização do sistema económico internacional actual, vulgo globalização, e a alteração da relação de (des)confiança entre cidadãos e Estado.

Comecemos pela primeira.

O neoliberalismo que acompanhou a globalização – por opção e correlação de forças internacional e não por inevitabilidade – privilegiou o eu em desfavor do “nós”. A “liberdade individual”, do cidadão ou da instituição, sobrepõe-se ao compromisso social, institucional ou ético. Foi preciso reinventar-se a “responsabilidade social da empresa”, a “governance”, a “solidariedade social” para restaurar algumas migalhas da honra e da pertença a uma comunidade. Esta ideologização asocial foi acompanhada por medidas práticas para a sua concretização: a liberdade de circulação de capitais (sob a forma de capital-dinheiro e de capital-mercadoria, não de “capital humano”); a autoassumpção pelos Estados de que têm de reduzir a sua capacidade de intervenção, com a correspondente dissolução do “bem comum” e de um “futuro melhor”.

Esta realidade manifesta-se actualmente pelo primado do capital financeiro bolsista; pelas offshores (paraísos fiscais de opaca visibilidade); pela concorrência desenfreada entre países na atracção de capital e riqueza, nomeadamente no âmbito dum espaço geográfico e social em que a complementaridade foi o acordado, como é o caso da União Europeia. Enquanto estas situações se mantiverem existem todas as condições permissivas, e poderosos estímulos, para a fuga aos impostos, “legal” ou “ilegal”.

Continuemos pela segunda.

O cumprimento das obrigações fiscais por partes dos cidadãos baseia-se numa relação de confiança: o cumprimento por aqueles tem como contrapartida o cumprimento por parte do Estado. Este deve cumprir os compromissos assumidos e utilizar os recursos fiscais para contribuir para um futuro melhor do país.

Esta relação mútua de confiança está muito longe de ser assumida no nosso país. Em primeiro lugar pelo peso de uma história que continua a impor o “medo de existir” e a “não inscrição” (ver José Gil), a desconfiança mútua. Em segundo lugar o agravamento das desigualdades sociais, a transformação do Estado-nação em Estado-mercado, a modificação unilateral pelo Estado dos compromissos assumidos, o aumento da percepção da corrupção pelas populações contribuem para debilitar a confiança mútua. Só uma outra forma de estar na vida de todos nós e uma educação com uma componente mais social e ética poderão alterar beneficamente a situação.

No curto prazo (ou será uma manifestação em cada momento das tendências anteriormente referidas?) constatamos um conjunto de factores favoráveis à fraude fiscal. Grande parte desta é “crime de colarinho branco”, com grande probabilidade de imunidade; os sucessivos perdões da dívida e os períodos de renegociação daquela revelam que há sempre uma oportunidade adicional para resolver as tramóias, o crime deixa de o ser se se proceder ao pagamento em falha.

Além disso, atendendo aos métodos de cálculo da economia subterrânea, sabemos que uma diminuição da carga fiscal tenderia a diminuir aquela, mas é difícil de dizer qual seria a sua variaçãorelativa.

Um apontamento final. Neste panorama tem de ser dada uma palavra de elogio ao trabalho realizado pela Direcção Geral de Contribuições e Impostos. Em primeiro lugar pela sua crescente capacidade em cruzar informações, em detectar probabilidades de fraude, em trocar dados com as instituições congéneres noutros países e de intervir. Em segundo lugar por fazer todo um trabalho de aproximação ao cidadão visando desmontar a imagem deixada pelo tempo da ditadura, em que os impostos, mais que uma receita, eram uma forma de impor a subjugação do indivíduo ao Estado, frequentemente quase vexatória.

Mas, nunca nos esqueçamos, a economia subterrânea é mais, muito mais, que uma questão fiscal.

Podemos, e devemos, combatê-la. É possível atenuá-la.

Economia paralela (1)

sociodialetica, 20.04.11

Um toque de telefone. Um jornalista informa-me que a troika que está a negociar o empréstimo a Portugal reuniu com a ASAE e pretendeu que esta os informasse sobre a “economia paralela” existente em Portugal.

Fazem bem, pois é uma questão crucial!

Começou por pedir-me números.

Foram fáceis de apresentar. O Observatório de Economia e Gestão de Fraude tinha aproveitado o Dia Internacional de Combate à Corrupção no passado Dezembro para apresentar um índice da “economia não-registada” em Portugal.

24,2% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2009. Resultado de uma tendência de aumento: passou de 14,9% em 1974/78 para o valor actual, com sistemáticos aumentos em todos os períodos.

Um esclarecimento terminológico. O que é isso de “economia não-registada” ou de “economia paralela”? É a mesma coisa? A terminologia é confusa porque não há uma adopção universal das definições apresentadas pela OCDE, já em 2002. Estamos a falar das actividades económicas que não estão registadas na contabilidade nacional do país.

Exactamente, segundo aqueles dados o Produto Interno Bruto é 1,242 vezes  o que é oficialmente apresentado. Falemos em euros.

Segundo o Banco de Portugal o PIB oficial em 2009 foi de 163.891 milhões de euros. Logo, a designada “economia paralela” foi, nesse mesmo ano, de 39.661 milhões de euros.

O que podemos categoricamente afirmar, atendendo ao método de calculo utilizado, é que a referida percentagem reflecte apenas o valor do produto que resulta de actividades que deliberadamente visam evitar o pagamento dos impostos ou o cumprimento dos compromissos parafiscais. Ficam de fora outras actividades, nomeadamente as ilegais (da droga ao tráfego humano, apenas para dar dois exemplos).

Então temos em Portugal 39.661 milhões de euros de criação de rendimento que fogem deliberadamente às responsabilidades fiscais.  Qual é o prejuízo para os cofres do Estado? Sabendo-se que, segundo a UE, a carga fiscal é de 36,8% do PIB, o montante de fuga é de 14.595 milhões de euros. Bonita soma!

Resultado de muitos restaurantes não passarem factura? Também, mas não só. Recordemos as empresas fantasma, a manipulação dos preços de transferência, o trabalho infantil, os offshore, a fraude carrossel e mais, muito mais!

Uma grande dúvida. Quem sofrerá as consequência desta fuga aos impostos? Os defraudadores ou os cidadãos honestos deste país? Serão capazes de responder?

Porque há uma “despenalização” da fraude fiscal?