Ontem tivemos Carlos Costa a dizer o sabido por todos os que o ouviam. Não sei se ele podia fazer mais. O que se sabe é que o resultado final foi mau. Muito mau. Um analista disse que o Banco de Portugal foi buscar “o dinheiro da Troika” para colocar no BES. Colocadas as coisas assim até parece que podemos ficar descansados. A troika pagou a roubalheira. Mas não pagou.
Quem vai pagar a roubalheia, o dinheiro emprestado pela Troika mais os juros agiotas que eles cobram, quem vai pagar são os contribuintes, entre os quais deve estar o dito analista/jornalista.
Nos últimos anos têm-se criado muitos organismos e estruturas, públicas e privadas, para cuidar da “transparência”, para combater “a fraude”. A história recente mostra-nos que a grande fraude, aquela que pesa sobre a economia e todos os portugueses, está no sistema bancário. Portanto, deveria ser para aí que os olhares deveriam ser lançados. Bastaria que houvesse vontade política. Coisa que não houve nem há.
Sabe-se que mais de metade dos governantes, nas últimas décadas, vieram da banca ou foram para a banca depois de deixarem o governo. Se levássemos em conta os governantes que vieram ou foram, directamente, para empresas detidas pela banca, essa percentagem subiria significativamente. Será que a grande mobilidade dos membros dos governos com o sector bancário (e vice-versa) tem alguma influência na liberdade concedida à banca para esta dar o destino que bem entende ao dinheiro que colocam à sua guarda?
São mais que muitos os exemplos nas últimas décadas. Desde o BIP de Jorge Brito, BCP, BPP, BPN, BES, uma história longa de roubalheira e de fracasso na justiça.
Desde o BIP que a história se repete e repete-se exactamente nos mesmos moldes. Veja-se a actualidade desta história, contada por quem a viveu de perto:
“O Brito utilizava os depósitos para os seus negócios pessoais. Tudo quanto ali se punha era para os seus negócios pessoais. Não emprestava apenas a si próprio. Emprestava também ao jardineiro, que era para ele, claro. Ele comprava de tudo: terrenos, palácios, arte… tudo. Depois, nas compensações do Banco de Portugal [o acerto dos cheques e transferências passados pelos clientes e depositados noutros bancos], o BIP estava sempre a descoberto. E o BdP aparecia-me lá quase todos os dias a dizer ‘mais um descoberto do BIP’. O BdP teve que adiantar nessa altura 10 milhões de contos, que agora corresponde a mais de 100 milhões [500 milhões de euros].”
O que se passou no BPP não foi algo de semelhante? Fraude fiscal, falsificação de contas, branqueamento de capitais, burla qualificada, em co-autoria, são alguns dos crimes e das contra-ordenações de que o BPP e os seus ex-dirigentes são acusados.
João Rendeiro, Paulo Guichard e Fezas Vital, foram acusados de burla qualificada. E qual o resultado na Justiça? Ao que se sabe, até agora, João Rendeiro, Paulo Guichard e Fezas Vital ficaram inibidos de exercer atividade comercial durante oito anos. Será que esta condenação afectou a liberdade de qualquer um deles? Alterou a qualidade de vida que levavam?
O BCP é o que se sabe, com um desfecho igualmente triste, que não afecta a liberdade dos seus autores.
No que respeita ao BPN, o Estado (os contribuintes) perderão 7 mil milhões de euros em consequência das práticas fraudulentas que Oliveira e Costa & C.ª. O dinheiro dos clientes era usado para alavancar os fundos imobiliários da Sociedade Lusa de Negócios (SLN, actual Galilei), o BPN financiou investimentos e negócios dos seus acionistas, de parceiros de negócios e de políticos amigos da administração. As práticas especulativas e fraudulentas do BPN eram do domínio público. O Banco de Portugal é que, pelos vistos, não tinha meios nem competências para agir.
Ao fim destes anos José Oliveira e Costa e seus administradores foram condenados a pagar uma contra-ordenação no valor de algumas centenas de milhar de euros, valor residual face aos 7 mil milhões que o Estado já desembolsou com o BPN. Também foram inibidos do exercício da actividade bancária. Está-se mesmo a ver que devem sentir-se muito afectados com as penas aplicadas.
Ainda o BPN estava na primeira página das notícias e aparece o BES do todo poderoso Ricardo Salgado. Os casos BES são antigos, com muitos anos, cá dentro e lá fora, onde pagou milhões para não ser investigado. Contudo, nada disso constituiu alerta maior para o Banco de Portugal, para o Governo e até para o Presidente da República. Todos, em uníssono, atestaram a saúde financeira do BES.
Ricardo Salgado esqueceu-se de declarar 8,5 milhões? Coisa de pouca monta. Se não declarou, declara esse valor ou outro inferior e o assunto morre ali. Centenas de milhões saíram do BES para destino incerto? Coisa sem importância. Ricardo Salgado financiou fraudulentamente as empresas do GES através de dinheiro de clientes do BES? Tudo normal, as empresas do GES não estão no perímetro da supervisão do Banco de Portugal. As do BPN também não estavam, tal como as do BPP nem as do BIP. Simples de explicar.
Agora vamos ter o folhetim da audição parlamentar. No final haverá um relatório, que dará lugar a algumas notícias e muitos debates. Tudo se findará por aí, no que toca à intervenção da AR. Por sua vez, o Banco de Portugal, a Justiça, a exemplo do que sucedeu com casos idênticos, acabarão por aplicar uma pena de inibição da actividade bancária a Ricardo Salgado e a outros administradores. O que vale isso? Será que Ricardo Salgado & C.ª vão ficar muito afectados com essa inibição? Em que é que essa pena inibe a gestão e fruição das centenas de milhões de milhões deslocados para offshores e contas secretas?
Como se percebe, pelo menos desde Jorge Brito, a banca é o reino da impunidade, um reino com rostos conhecidos mas impenetrável para a Justiça. Só pode existir uma mão invisível a tocar os destinos da banca e a proteger os seus magos.
A contínua e renovada fraude bancária mostra que ser banqueiro em Portugal é uma dádiva de DEUS. Mostra também que, em Portugal, ser supervisor da banca é uma inutilidade suportada pelo sistema com o fim de alisar as malfeitorias e tecer o enredo da absolvição criminal.