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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Um novo xadrez político

José Carlos Pereira, 28.03.24

Na edição online do jornal A Verdade publico hoje um artigo de opinião acerca do quadro político saído das últimas eleições legislativas:

"As eleições do passado dia 10 colocaram Portugal perante um quadro político inédito, na medida em que passámos a contar com três pólos políticos: PSD, PS e Chega. O resultado alcançado pelo partido de André Ventura foi verdadeiramente surpreendente e, com os seus 50 deputados, que representam cerca de 1.170.000 votos, o Chega passa a ser determinante nas contas à direita e terá um papel relevante na próxima legislatura.

As cenas caricatas dos últimos dias, em torno da eleição de José Pedro Aguiar-Branco como presidente da Assembleia da República, foram um aperitivo para os tempos conturbados que aí vêm.

A Aliança Democrática (AD), que ganhou as eleições à justa e ficou abaixo das expectativas criadas, prepara-se para formar governo. Espera-se que amanhã [hoje] Luís Montenegro apresente a composição do executivo a Marcelo Rebelo de Sousa. Ficaremos então a conhecer as suas apostas para um governo que lutará mês a mês pela sobrevivência, uma vez que os 80 deputados da AD, a que podemos juntar os oito deputados da Iniciativa Liberal (IL), estão longe de garantir uma governação estável e duradoura.

Terminada a especulação acerca da participação da IL, sabe-se já que o governo apenas incluirá representantes do PSD e do CDS. A presença da IL, que nas eleições também ficou aquém dos objectivos de crescimento a que se propôs, apenas se justificava na perspectiva de o PSD pretender aglutinar sob a sua alçada toda a direita democrática. Mas o perfil mais irreverente e irreflectido da IL acabaria por acrescentar problemas a um governo da AD que terá de ser coeso, determinado e alinhado nas suas políticas e iniciativas.

Luís Montenegro deve optar por concentrar-se na execução dos fundos europeus e do Plano de Recuperação e Resiliência, na gestão do excedente orçamental que herda do governo cessante e na resolução das reivindicações mais prementes. Desse modo, implementa as medidas mais populares e procura reforçar a empatia com os portugueses, com o objectivo de chegar à negociação do orçamento para 2025 numa posição mais favorável.

A via alternativa seria procurar desde o início uma confrontação com a oposição, designadamente na Assembleia da República, que conduzisse à queda do governo e a novas eleições em breve. A AD não vai certamente enveredar por esse caminho.

O PS perdeu quase 490.000 votos face a 2022, mas essa derrota acaba atenuada pelo facto de ter ficado apenas a cerca de 54.500 votos do resultado da AD. Foi a menor diferença de sempre entre as duas forças mais votadas numas eleições legislativas. Esse resultado e a circunstância de Pedro Nuno Santos ter escassos meses em funções como secretário-geral do PS não coloca em causa a posição do líder socialista, como se viu, de resto, nas reuniões dos órgãos nacionais do PS entretanto realizadas.

Pedro Nuno Santos esteve bem ao antecipar que não viabilizará moções de rejeição e que está disponível para concertar medidas direccionadas a determinados sectores profissionais. Como também fez bem em afirmar que o PS deve ser a alternativa à AD, não deixando esse espaço para a extrema-direita.

Caberá agora ao PS olhar para dentro de si próprio e encontrar explicações para a perda de votos verificada desde as eleições de 2022 e para as dificuldades em atrair o voto de determinadas classes etárias e profissionais. Os mais jovens, sobretudo, afastaram-se das propostas socialistas e isso deve interpelar seriamente os dirigentes do PS.

Jovens e menos jovens, descontentes, renitentes, habituais abstencionistas, saudosos de um passado distante e militantes do protesto, todos juntos formaram um caudal que resultou na grande votação do Chega. Construir algo a partir desse resultado será uma tarefa quase impossível para André Ventura. Por um lado, os votos que alcançou foram mais contra a “situação” e contra os ditos partidos do regime do que propriamente a favor das ideias e dos princípios do Chega. O país não tem um número tão grande de xenófobos, racistas e extremistas.

Por outro lado, se o PSD lhe fechar a porta, o que pode fazer Ventura com os seus votos? Política de terra queimada e obstrução sistemática ao governo? De que servirá, em termos práticos, ter votado no Chega? Os eleitores do Chega preferem soluções ou confusão e arrivismo permanente?

Lidar com o Chega, e sobretudo com os eleitores do Chega, é um grande desafio para PSD e PS. Se o PSD optar por se aproximar das reivindicações do Chega para se manter no poder, isso poderá ser um presente entregue nas mãos do PS. Ficaria mais fácil demarcar linhas vermelhas com os que transigem com forças que se guiam por valores políticos, humanistas e civilizacionais retrógrados e, na sua essência, anti-democráticos.

Os restantes partidos com assento parlamentar, com resultados e balanços diferentes no pós-legislativas, prosseguirão certamente as respectivas agendas, mas tendo presente que estão muito limitados na forma como podem condicionar a governação da AD. O xadrez, nesta legislatura, joga-se em três tabuleiros: PSD, PS e Chega."

O fado de Ventura e Gonçalo da Câmara Pereira

José Carlos Pereira, 13.03.24

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Gonçalo da Câmara Pereira, líder do PPM, veio ontem defender que a AD devia entender-se com o Chega. Nada a estranhar, pois não é muito o que separa Gonçalo da Câmara Pereira e André Ventura. Aliás, os dois ocuparam os primeiros lugares da candidatura conjunta às últimas eleições europeias na coligação Basta, que juntou o PPM, o PPV/CDC e o Chega, então ainda à espera de eleger os seus primeiros órgãos.
PSD e CDS-PP podem ter tentado calar e enclausurar Gonçalo da Câmara Pereira durante a campanha eleitoral, mas os seus valores e as suas ideias estiveram sempre lá. Muito próximo do correligionário André Ventura.

Venham de lá as eleições!

José Carlos Pereira, 08.11.21

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No dia 30 de Janeiro teremos eleições legislativas antecipadas. Marcelo Rebelo de Sousa anunciara alto e bom som que o recurso a eleições seria o desfecho óbvio em caso de chumbo do Orçamento do Estado (OE). Se BE e PCP entendiam que eram inultrapassáveis as divergências com a proposta de OE apresentada pelo Governo, então ruía a base de suporte que sustentou o executivo e, não se vislumbrando qualquer alternativa no actual quadro parlamentar, não restava outra solução que não fosse uma ida antecipada às urnas.

O Presidente da República ainda recordou, no seu discurso ao país, que tinha viabilizado orçamentos dos executivos de António Guterres, mas obviamente não havia neste momento qualquer possibilidade de o PSD contribuir para a aprovação do OE. O período da troika e do governo de Passos Coelho criou clivagens enormes entre os dois partidos, que depois conduziram à solução de governo "inventada" por António Costa. Aliás, o próprio primeiro-ministro deixara claro no ano passado que, se viesse a precisar do apoio do PSD, nesse momento cairia o Governo.

Na política portuguesa, e sobretudo na relação entre PSD e PS, há um antes e um depois da legislatura 2011/15. Se em outras circunstâncias haveria caminho para António Costa e Rui Rio firmarem entendimentos em matérias críticas para o país, isso hoje não se coloca. E se o PSD vier optar por eleger Paulo Rangel para a liderança do partido, tal representará um realinhamento mais à direita, na ânsia de polarizar com o PS os dois campos políticos opostos. Se isso pode servir para conter o crescimento que se antecipa do Chega, o que em si mesmo é positivo, não deixa de representar uma estratégia de maior antagonismo, diria até de radicalismo, face aos socialistas. Não é com surpresa que se vê Paulo Rangel ser apoiado por todos aqueles que estiveram mais envolvidos no governo de Passos Coelho/Paulo Portas.

À esquerda do PS, esgotada a política de reposições que, em boa medida, justificou os acordos entre BE, PCP e PS nos últimos seis anos, voltou a prevalecer a vertente de protesto que mais identifica BE e PCP. A estes dois partidos, com história e percursos tão diferentes, não serve um PS forte e dominante, que acaba por lhes retirar espaço e eleitores. A páginas tantas, à luz dos seus interesses mais egoístas, mais vale que a direita volte ao poder para que possam afirmar-se no protesto permanente, ao mesmo tempo que assistem à fragilização do PS. Creio que aqueles que, no seio do PS, acreditam numa maioria estável com o suporte de BE e PCP estão iludidos com algo que dificilmente acontecerá, tantas são as divergências de base entre socialistas democráticos, comunistas e radicais de esquerda.

As próximas eleições devem proporcionar, tudo o indica, o crescimento do Chega e da Iniciativa Liberal e o definhamento do CDS (envolto num triste folhetim com o seu presidente agarrado ao poder, sem perceber quanto isso o diminui aos olhos do eleitorado). A evolução destes três partidos estará em boa medida relacionada com a liderança que for escolhida para conduzir o PSD. O maior partido da oposição necessita de arrumar rapidamente a casa e ultrapassar este momento menos feliz em que o líder em funções queria marcar eleições internas, depois já as queria cancelar e, por fim, anunciava querer comprimir todo o processo eleitoral do PSD. E, do outro lado, está um candidato que apoiava e, em pouco tempo, deixou de apoiar Rui Rio, propondo-se guinar o partido para a direita, o que deixa um pouco a ideia de que é mais animado pelo tacticismo de ocasião do que por aturada reflexão estratégica.

Com todo este quadro, vamos então para eleições. Marcelo poderá ter a desfeita de acordar a 31 de Janeiro sem que o quadro parlamentar se altere significativamente. As primeiras sondagens sugerem esse desfecho. Pode até acontecer que o parlamento fique ainda mais pulverizado e seja difícil constituir uma maioria de governo sólida. Não vejo que, nesse caso, se possam assacar grandes responsabilidade ao Presidente da República. Este ciclo encerrou por si, os portugueses têm a palavra e os partidos terão de estar à altura do momento que Portugal vive neste pós-pandemia.

A vitória socialista no país e na região

José Carlos Pereira, 07.10.19

A edição online do jornal "A Verdade" publica um texto de opinião em que reflicto sobre os resultados das eleições legislativas no país e na região do Tâmega e Sousa:

"António Costa e o PS obtiveram uma vitória categórica nas legislativas do último domingo, crescendo em votos e em mandatos na Assembleia da República, mas sem conseguir alcançar a maioria absoluta que chegou a parecer possível alguns meses antes do acto eleitoral.

Os portugueses avaliaram assim de forma positiva a governação dos últimos quatro anos, que obteve resultados reconhecidos na consolidação das contas públicas, desde logo com a forte redução do défice, a contracção da dívida pública em percentagem do PIB, um crescimento anual do PIB que esteve sempre acima dos 2% e a acentuada diminuição do desemprego, com a criação líquida de 350.000 empregos. Do mesmo modo, também a política de reposição de rendimentos e direitos contribuiu para que o PS crescesse cerca de 125 mil votos e alcançasse mais 21 deputados face às eleições de 2015, isto sem contar com os votos dos círculos da emigração.

Se é verdade que o PS ficou aquém de outras grandes vitórias em legislativas, não é menos significativo que tenha alcançado sozinho mais votos do que toda a direita junta, incluindo os novos partidos que asseguraram representação parlamentar, o Chega e a Iniciativa Liberal.

No que diz respeito à viabilização do futuro governo, António Costa, no discurso da vitória, fez questão de lançar pontes para os partidos com os quais admite negociar acordos permanentes ou eventuais. Além do BE e da CDU, que viabilizaram a geringonça, também o reforçado PAN e o Livre, que alcançou o seu primeiro deputado, foram envolvidos nesse propósito de diálogo. O facto de o BE não ter crescido eleitoralmente como se perspectivava e de a CDU ter recuado em votos e mandatos, pode permitir ao PS construir maiorias na Assembleia da República com todos ou apenas alguns destes parceiros. O que permitirá a António Costa contornar algumas dificuldades na negociação de orçamentos ou de certos pacotes legislativos.

A discussão e aprovação do programa do novo governo socialista deixará aos portugueses uma primeira amostra das bases de entendimento possíveis entre os partidos de esquerda. Espera-se, por outro lado, que o PS aprenda com os erros cometidos na legislatura anterior e que seja escrupuloso na constituição do executivo e na formação dos respectivos gabinetes.

A direita teve um resultado desastroso nestas legislativas. O PSD teve o pior resultado em termos absolutos desde 1976 e o CDS registou a votação mais baixa de sempre, o que fez com que Assunção Cristas tenha tomado a decisão, digna, de abandonar a liderança do partido.

Quanto ao PSD, Rui Rio foi fiel ao seu estilo na noite das eleições. Procurou acertar contas com todos menos consigo próprio. Imputou responsabilidades a sondagens, a órgãos de comunicação, a adversários internos e à conjuntura externa, mas sem reconhecer quaisquer debilidades suas e da sua equipa. Afirmar que o PSD não teve uma grande derrota quando o PSD registou o pior resultado desde as eleições legislativas de 1976 é enterrar a cabeça na areia e não querer ver o óbvio.

Rui Rio pode queixar-se dos rivais internos que, desde cedo, se colocaram na primeira linha para lhe sucederem na presidência do PSD, criando um ruído enorme e atrapalhando a sua afirmação perante os portugueses. Mas Rui Rio também foi acumulando casos e excentricidades que prejudicaram a sua liderança. A sua recuperação na campanha eleitoral ficou a dever muito à sobranceria do PS, que entrou com o rei na barriga na campanha, certo da vitória, mas sem saber se devia lutar pela maioria absoluta.

Haverá eleições para a liderança do PSD em breve e ver-se-á se Rui Rio se recandidata. Adversários não lhe faltarão, por certo, mas creio que Rui Rio só avançará para essa corrida se entender que tem sérias possibilidades de voltar a ganhar, ou seja, se considerar que pode passar por cima das estruturas partidárias que lhe são adversas e conquistar o apoio dos militantes.

A eleição de deputados do Chega e da Iniciativa Liberal, que juntos somaram cerca de 132 mil votos, foi uma novidade à direita, mas também aqui se pode ler sinais de descontentamento com as lideranças de PSD e CDS. Apesar das agendas e propósitos serem muito diferentes, Chega e Iniciativa Liberal representam um eleitorado que se identificava em larga medida com as políticas do anterior governo PSD/CDS e que deixaram de se rever nestes partidos.

O surgimento de novos partidos, entre os que alcançaram representação parlamentar e os que não o conseguiram, terá captado novos eleitores, mas não foi suficiente para contrariar o contínuo crescimento da abstenção. Houve menos 288 mil portugueses a votar, sem os valores da emigração, e esse é um dado que persiste de eleição para eleição, sem que os partidos e os demais agentes políticos consigam travá-lo.

Centrando agora o foco no distrito do Porto e na região do Tâmega e Sousa, constata-se que também aqui o PS cresceu e aumentou a sua representatividade. A atenção que António Costa tem dado à região deu frutos e ajudou certamente aos resultados verificados.

No distrito do Porto, o PS cresceu de 14 para 17 deputados ao aumentar a votação em cerca de 28 mil votos. A sua lista de deputados apresentava vários nomes de relevo, com experiência política e reconhecimento profissional e académico, e o PS viu-se recompensado pelos eleitores.

Na região do Tâmega e Sousa, o PS venceu em nove municípios, com registos entre os 38,84% em Penafiel e os 50,25% em Baião. O PSD apenas ganhou as eleições nos municípios de Paços de Ferreira e Celorico de Basto, em ambos os casos próximo dos 40%.

O PS assume forte responsabilidade na região com esta vitória, uma vez que os eleitores acreditaram que os socialistas são capazes de levar por diante os projectos estruturantes de que o Tâmega e Sousa carece. Apesar de António Costa já ter afirmado que a ferrovia é a sua prioridade, devendo ser lido nessa óptica o investimento na electrificação da linha do Douro entre Marco de Canaveses e a Régua, há investimentos na rodovia que são fulcrais para a região. A construção do IC 35 entre Penafiel e Entre-os-Rios e a concretização da ligação entre Marco de Canaveses e Cinfães, aproximando os concelhos ribeirinhos do Douro da A4, são obras sucessivamente proteladas e que podem ajudar a desencravar um território pleno de potencialidades, mas com várias limitações ao seu desenvolvimento.

No círculo eleitoral do Porto, foram quatro os deputados eleitos com origem no Tâmega e Sousa. Pelo PS, José Luís Carneiro, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, presidente da Assembleia Municipal de Baião e ex-presidente da Câmara, Cristina Moreira, vice-presidente da Câmara de Lousada, e Hugo Carvalho, actual deputado na Assembleia da República e na Assembleia Municipal de Amarante. Pelo PSD, o único eleito foi António Cunha, professor e director de um agrupamento de escolas em Penafiel.

Na economia, na educação, na área social, no turismo ou no ambiente, há várias etapas a ultrapassar para que o Tâmega e Sousa abandone a cauda em vários indicadores decisivos para aferir o desenvolvimento integrado de uma região. É sobre os deputados eleitos, a que se pode vir a juntar mais algum em regime de substituição, que recai a primeira responsabilidade na defesa do Tâmega e Sousa e da sua população."

As razões para um voto

José Carlos Pereira, 04.10.19

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Estamos a escassas horas do fim da campanha eleitoral que precede as eleições legislativas. Hora, portanto, de balanço e de prospectiva. Sobre a legislatura prestes a terminar e sobre a governação que desejamos para os próximos anos.

Faço um balanço positivo da "geringonça" e das políticas levadas a cabo pelo executivo de António Costa. Chegamos ao final da legislatura com vários ganhos adquiridos, desde logo a consolidação das contas públicas, com o défice previsto para 0,2% em 2019, o crescimento anual do PIB sempre acima dos 2%, a redução significativa da dívida pública em percentagem do PIB, a forte diminuição do desemprego, através da criação líquida de 350.000 empregos, e a consequente credibilidade reconquistada junto dos parceiros europeus e dos mercados financeiros. Também a reposição de rendimentos e direitos, o aumento extraordinário das reformas e do salário mínimo nacional e o aumento do abono de família foram promessas cumpridas pelo governo socialista.

É claro que nem tudo foi positivo. O reduzido investimento público, com penalização da qualidade de alguns serviços públicos - é curioso verificar que a direita que aponta o dedo à deterioração de certos serviços públicos é sempre pressurosa a defender a privatização de alguns desses serviços! -, o investimento empresarial longe do desejado, a tragédia dos incêndios e as falhas reveladas na protecção civil com consequências dramáticas, as trapalhadas com as nomeações e os negócios com familiares de membros do executivo, tudo isso marcou pela negativa a governação socialista.

O saldo, contudo, é favorável a António Costa e, perante as alternativas existentes e o quadro político que se desenha, só o voto no PS contribui para uma solução de governo forte, credível e responsável. O PSD de Rui Rio não está em condições de almejar a vitória, apesar de o líder social-democrata ter feito uma campanha em crescendo, recuperando terreno, mas sem conseguir mobilizar o partido. Rio é ele, as suas manias e a sua entourage, incapaz de mobilizar equipas e de agregar aqueles que se lhe opuseram nas disputas internas. Algo que não surpreende para quem seguiu os seus dias na presidência da Câmara do Porto.

António Costa entrou com alguma sobranceria na campanha, a pensar que tudo estava ganho e que só restava decidir se alcançava ou não a maioria absoluta. A campanha correu mal ao PS e os valores das últimas sondagens mostram isso mesmo. A acusação do caso de Tancos, surgida de forma curiosa em plena campanha, foi a cereja no topo do bolo. 

No entanto, para quem se identifica com os valores da esquerda democrática, é vital assegurar para o PS o melhor resultado possível, de modo a diminuir a dependência da esquerda comunista e radical, num quadro de notório afastamento entre os partidos que suportaram a geringonça. Os próximos anos serão bem mais complicados e a conjuntura económica internacional está aí para nos lembrar isso mesmo. Tempos que não vão ser propícios a ambições desmedidas e exigências irrealistas. Só um PS forte permitirá uma solução de governo fiel aos compromissos europeus e empenhada na consolidação das contas públicas e na promoção do investimento e do desenvolvimento económico do país.

António Costa vs. Rui Rio

José Carlos Pereira, 17.09.19

O embaixador Seixas da Costa fez uma curiosa análise do debate televisivo de ontem entre António Costa e Rui Rio. De facto, Rui Rio, que fazia a sua prova de vida, foi desde o início mais incisivo e enérgico nas suas intervenções. Jogava o tudo ou nada frente a António Costa e marcou pontos, pelo menos na sua área política.
O secretário-geral do PS esteve mais expectante, mais "adormecido", talvez a pensar que não valia a pena afrontar demasiado Rio. Penso, contudo, que António Costa comete um erro grave se partir do princípio que a vitória confortável está no bolso e que basta deixar correr o tempo a seu favor. As vindimas duram precisamente até ao lavar dos cestos.

O passeio de Marcelo e o fim de Cavaco

José Carlos Pereira, 25.01.16

images.jpgAs eleições de ontem consagraram, sem surpresa, Marcelo Rebelo de Sousa como o novo Presidente da República, atingindo logo à primeira volta um resultado que veio dar razão à estratégia de campanha que levou a cabo ao longo dos últimos meses.
Marcelo quis distanciar-se dos partidos que o apoiaram “por interesse e não por amor”, e apostou numa campanha frugal, sem os grandes meios que nos habituámos a ver nestas ocasiões. E os portugueses corresponderam com um voto massivo na sua candidatura. Apesar de uma abstenção substancialmente mais elevada do que a registada nas últimas legislativas, o que era de esperar, Marcelo conseguiu ainda assim quase 325.000 votos a mais do que PSD e CDS registaram em Outubro passado. E teve mais 180.000 votos do que Cavaco Silva na sua reeleição em 2011.
Sampaio da Nóvoa perdeu, mas teve uma prestação e um resultado honrosos. Sendo um estreante nestas lides, e não contando com o apoio declarado e mobilizador do PS, Nóvoa teve um resultado francamente melhor do que Manuel Alegre em 2011, alcançando mais 228.000 votos. Com todas as debilidades próprias de quem nunca tinha intervindo a este nível político, resta a dúvida se um apoio explícito e empenhado do PS poderia ter sido o bastante para obrigar à disputa de uma segunda volta.
O resultado quase humilhante de Maria de Belém (menos de 197.000 votos), que foi presidente do PS na liderança de António José Seguro, foi uma machadada nesse propósito (algo distante) de provocar uma segunda volta. Como escrevi anteriormente, Maria de Belém foi empurrada para vestir um fato que não era o seu e teve uma campanha em plano decrescente. Creio que, mais do que Maria de Belém, devem ser interpelados no seio do PS os dirigentes que deram corpo a esta candidatura, que mostrou desde o início grandes fragilidades e passou boa parte do tempo com as setas apontadas a Sampaio da Nóvoa.
Bloco de Esquerda e PCP tiveram resultados muito diferentes nestas presidenciais. Enquanto Marisa Matias consolidou os resultados e a penetração eleitoral do BE nas últimas legislativas, mesmo recuando quase 82.000 votos, já Edgar Silva foi um desastre para os comunistas. Com surpresa minha, face às expectativas iniciais que nele depositava pelo seu elogiado trabalho social na Madeira, o candidato apoiado pelo PCP não foi capaz de acertar o discurso e a pose para esta corrida eleitoral – perdeu 118.000 votos em comparação com Francisco Lopes em 2011 e, pior, ficou 263.000 votos aquém do resultado da CDU nas últimas legislativas. Estes resultados, bem diferentes, podem vir a ter consequências no suporte ao Governo do PS, já que o PCP será tentado a corrigir o seu posicionamento para estancar maiores perdas de eleitorado.
Dos restantes candidatos não rezou grande história, com excepção de Vitorino Silva, erigido em herói por alguns meios de comunicação e descontentes com o sistema. Foram estes descontentes, aliás, que usaram Vitorino Silva como um escape para as suas críticas, garantindo-lhe uma votação superior a 152.000 votos, próxima das de Edgar Silva e Maria de Belém (foi o segundo candidato mais votado em Penafiel, a sua terra, e o terceiro nos municípios vizinhos de Paredes e Marco de Canaveses). Um resultado que deve ser percebido pelos partidos e agentes políticos, mas que não traz nada de muito novo, pois já em 2011 o madeirense José Manuel Coelho conseguira uma votação superior até à de Vitorino Silva.
E agora, que presidente será Marcelo? O conciliador e agregador que se apresentou na campanha eleitoral e que actuará livre de quaisquer espartilhos político-partidários? Ou o político ziguezagueante – o “catavento” de Passos Coelho – que ao longo de 40 anos fez e desfez alianças, avançou e recuou, jurou fidelidades e atraiçoou ao virar da primeira esquina?
O tempo se encarregará de avaliar o Marcelo Presidente. Contudo, de uma coisa estou convicto: para pior não vamos. O fim político de Cavaco Silva é mesmo a grande notícia destas eleições!

Um voto sem destinatário presidencial

José Carlos Pereira, 21.01.16

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Está prestes a terminar a campanha eleitoral mais aborrecida e desinteressante de que há memória. O país vai eleger o seu novo Presidente da República por sufrágio directo e quase não se dá por isso. O número de candidatos anormalmente elevado, com repercussão num desdobramento repetitivo de debates televisivos, acabou por ter um efeito contraproducente e afastar ainda mais os portugueses destas eleições. O longo debate de terça-feira à noite – quantos portugueses terão estado sintonizados na RTP 1 do princípio ao fim? – não veio trazer nada de novo.
Além dos candidatos que lutam pela vitória, pela passagem à segunda volta ou pela consolidação do eleitorado dos partidos de que são dirigentes, temos nestas eleições mais cinco candidatos que fizeram uso dos seus direitos de cidadania, pessoas estimáveis certamente, mas que surgiram sobretudo para afirmar agendas ou caprichos pessoais. As sondagens antecipam que esses candidatos vão registar votações mínimas, sem qualquer correspondência com a exposição pública de que estão a beneficiar.
A circunstância de os principais candidatos terem fugido a um debate mais ideológico e programático, o próprio perfil dos candidatos e a tímida campanha que levaram a cabo, nos meios e nas ideias, tudo isso esteve na origem do alheamento de muitos portugueses normalmente empenhados nas disputas eleitorais.
Marcelo Rebelo de Sousa, o político omnipresente nos últimos 40 anos e que conseguiu adormecer a concorrência na área do centro-direita, sabia que o percurso que escolheu era o que mais o beneficiava e não saiu desse registo insípido, tirando partido da transversal popularidade que alcançou ao longo dos anos na TV. Curiosamente, as críticas mais incisivas que tem recebido, nomeadamente ao seu carácter, provêm da direita mais conservadora.
António Sampaio da Nóvoa surgiu quase do nada nesta corrida eleitoral como bandeira de uma geração inquieta e insatisfeita, mas nunca soube encontrar o seu azimute. Sem saber se estava mais próximo do PCP ou do PS, quis muito o apoio do PS, muito embora apoiasse sem hesitações os candidatos do PCP ou do BE numa hipotética segunda volta. O tempo novo que anuncia é pouco propício, a meu ver, para experimentalismos em Belém.
Maria de Belém Roseira chegou tarde à eleição presidencial numa área socialista órfã do seu candidato natural. Deixou que se colasse à sua pele a imagem de uma candidatura de facção, de uma parte do PS contra outra. Pareceu empurrada para um papel que não era o seu, já que nunca se vislumbrara antes que a fragilidade e a falta de espessura de Maria de Belém pudessem dar origem a uma candidatura presidencial.
E assim, pela segunda vez consecutiva, chego a umas eleições presidenciais sem ter a quem confiar o meu voto. Considero que numa eleição unipessoal de tamanha importância tem de haver uma identificação completa com o percurso cívico e político, os valores e os princípios programáticos defendidos por um candidato para lhe poder conferir o meu voto. O que não sucede nestas eleições, infelizmente.

“Que sentido faz o sentido de voto?”

José Carlos Pereira, 03.12.15

A revista E do “Expresso” desta semana traz um artigo muito interessante intitulado “Que sentido faz o sentido de voto?” (disponível online apenas para quem tiver código de acesso), da autoria de Raquel Albuquerque, que merece a pena ser lido com atenção e que procura reflectir sobre as variações de votos ocorridas nas últimas eleições legislativas.

O artigo analisa, por exemplo, os municípios com maior e menor percentagem de voto por partido ou as votações nos concelhos com as melhores e piores posições por indicador de desenvolvimento seleccionado, relacionando resultados eleitorais e indicadores. Os indicadores de desenvolvimento considerados foram as prestações de desemprego em percentagem da população, a variação da população entre 2011 e 2014, o índice de envelhecimento, o poder de compra e o número de pessoas a receber Rendimento Mínimo Garantido (RMG) e Rendimento Social de Inserção (RSI).

Para além da identidade partidária, do voto mais ou menos ideológico, da simpatia pelos líderes ou do efeito geracional, chamou-me particularmente a atenção algo que nem sequer foi enfatizado no artigo (por desconhecimento da região?): o verdadeiro microcosmo constituído em torno do Vale do Ave. Vizela e Felgueiras foram os únicos concelhos do país em que o conjunto PSD/CDS aumentou o número de votos em relação a 2011 e os municípios em que ocorreram as maiores quebras relativas do PS. Guimarães teve mesmo a maior quebra absoluta do PS. Em Guimarães, Fafe e Santo Tirso, o conjunto PSD/CDS ganhou as eleições pela primeira vez desde 2005.

E qual é a relação destes resultados com os indicadores acima enunciados? Pois bem, Vizela, Guimarães e Santo Tirso estão entre os cinco concelhos onde o indicador subsídio de desemprego melhorou mais, saindo dos dez piores concelhos do país (a que se pode acrescentar Famalicão, na mesma região). Vizela viu aumentar o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem, deixando de estar entre os municípios onde se ganhava menos, teve o poder de compra a subir, a proporção da população a receber RMG e RSI a diminuir e a população aumentar. Já Guimarães registou a terceira maior subida do poder de compra, viu aumentar o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem e diminuir a proporção da população a receber RMG e RSI, tendo no entanto uma das dez maiores perdas da população.

Nesta região em concreto, parece evidente que a melhoria de determinados indicadores sociais levou muitos eleitores a privilegiarem aquilo que os especialistas denominam de “voto económico”. Votaram em quem lhes pareceu que teve uma influência directa na melhoria das suas condições económico-sociais. Já sabemos que a leitura do país não foi a mesma e que, apesar de a coligação PSD/CDS ter vencido as eleições, o número de portugueses que votou contra a coligação suplantou em cerca de 730.000 o daqueles que votaram na coligação, considerando apenas o voto nos partidos com assento parlamentar. Creio, no entanto, que este exemplo do Vale do Ave mostra como uma análise fina do sentido que cada português dá ao seu voto é algo imprescindível para os principais partidos e agentes políticos, de modo a poderem interpretar os efeitos da relação directa que se estabelece entre o resultado da acção executiva e o voto dos cidadãos nas eleições legislativas.

Cavaco acentuou a divisão no país

José Carlos Pereira, 23.10.15

"Cavaco Silva seguiu o caminho mais previsível e indigitou Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro, mesmo sem ter assegurada uma maioria de apoio no parlamento. Mas Cavaco foi mais longe e, a meu ver, deixou claro que não dará posse a um governo do PS apoiado pelos restantes partidos de esquerda. Vêm aí tempos conturbados."

Isto foi o que escrevi ontem no facebook, logo após o discurso do Presidente da República, que usou um tom crispado e inamistoso, tal como reconheceu o próprio presidente da Confederação Empresarial de Portugal. As reacções que se seguiram dos partidos políticos mostram que Cavaco Silva acabou por dar um enorme empurrão ao entendimento dos partidos à esquerda. Se sonhava com a criação de uma cisão no PS, saiu-lhe o tiro pela culatra. A Comissão Política do PS foi clara e aprovou, sem quaisquer votos contra e apenas com duas abstenções, a apresentação de uma moção de rejeição ao governo PSD/CDS e mandatou António Costa para prosseguir com as negociações com os restantes partidos representados no parlamento.

Com o seu discurso, Cavaco ostracizou um milhão de portugueses e acentuou uma profunda divisão no país. Terminará o seu mandato sem o respeito político de uma boa parte dos portugueses e, com este exemplo, recorda-nos a importância da próxima eleição presidencial.