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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Expediente 16

d'oliveira, 09.09.11

No céu de Nova Iorque: Um lenço? Um pássaro?

 

...te sentirás acorralada

 

te sentirás perdida o sola

 

tal vez querrás no haber nacido

 

 

 

Conta-me a Luísa Felix que numa janela das torres gémeas havia alguém que acenava desesperadamente um lenço branco. Provavelmente, lá, daquela altura desconforme, acompanhava o aceno com um pedido muito simples “tirem-me daqui”, daqui, deste centésimo andar coroado de fogo, longe dos homens e mais longe ainda da mão de Deus.

 

Pouco a pouco, continua a Luísa, os acenos foram sendo menos fortes, mais calmos quase, mais cansados de certeza. Até que chegou um momento em que cessaram de todo e o lenço soltou-se da mão e, serenamente, lentamente, veio por aí fora, caindo desse andar esquecido pela piedade. Com uma graça leve, revoluteava sustido pela brisa do Hudson ali tão perto e quem o viu pairar entre as ruas Vesey e Murray pensou numa pomba perdida ou numa gaivota aturdida pelas sirenes dos bombeiros, pelo crepitar das chamas, pelos gritos da rua.

 

E, ao contar-me isto, o rosto da Luísa era uma pedra dividida ao meio pelo parco sol outoniço que, pela esquerda, vinha da janela do café onde num domingo, onze dias depois, nos encontrámos. O João Félix enterrava os olhos e o bigode numa xícara de café e eu tentava suster pela enésima vez uma lágrima teimosa e quente.

 

Tínhamos os três estado em Nova Iorque e, por várias vezes, comentado as respectivas viagens, juráramos regressar a uma terra que o nosso comum amor ao cinema e ao jazz tornara também nossa. Até já conhecíamos três ou quatro sítios em “downtown” onde se podia tomar um café verdadeiro, dos nossos, mais espuma que líquido, enfim, uma bica, um cimbalino como por cá se diz. E havia, depois, um rosário de recomendações que iam desde o hotel, barato e bom, até ao pequeno restaurante italiano no village que, segundo a Laurinda Simas, servia a melhor “Sachertorte” a oeste de Viena (de Áustria!).

 

Há muitos, muitos anos, quarenta provavelmente, um amigo trouxe de França uma edição “poche” de “Paroles” de Prévert. E o primeiro poema que nos leu, numa tarde de praia e vento na figueira, foi o “Barbara” que tem esse verso único e terrível “quelle conerie la guerre”. E, entre todos nós, em idade de carne para canhão, nesse ano difícil de mil novecentos e cinquenta e nove, ressoou longamente a litania “rappelle toi Barbara”, que foi responsável por termos acabado um pouco mais cedo a nossa adolescência. Dois anos depois, a “conerie” instalava-se e ameaçava-nos a todos. Alguns morreram numa terra africana tão desconhecida como inútil e os que ficaram recordam-nos, aliviados e envergonhados por estarem vivos.

 

São estes mortos que agora nos vêm bater à porta de mistura com outros, muitos outros, desde uma basca chamada Yoyes até um menino palestino agarrado a um pai desesperado que, coincidência fatal, pede a paz e a vida por um telemóvel igual aos que se usaram nas torres. E tão inútil como esses...

 

Ainda ninguém sabe porque se atacaram as torres, ou melhor, ninguém consegue perceber o efeito útil do ataque. Milhares de mortos, de sessenta e tal nacionalidades, o dobro dos órfãos, provam o quê? Que a America também se abate? Para isso bastava uma bomba na estátua da Liberdade! Para extirpar o grande Satã das terras santas de Meca e Medina? Deixem de usar dólares! Para vingar os mortos da Intifada? Parem um só dia a retaliação! Ou matem os matadores!

 

Os mortos das torres nem sequer representavam o capitalismo triunfante ou a desregulação dos mercados e a exploração desenfreada dos recursos do planeta. Na esmagadora maioria, e logo pela manhã, nas torres só estavam empregados subalternos das empresas aí instaladas. E ascensoristas, mulheres da limpeza, contínuos. E turistas ansiosos por ver a cidade desde aquela imensa altura. Não morreu um único capitão da indústria, um banqueiro, sequer um guru das novas tecnologias. O capitalismo continua intacto, eventualmente mais forte. Em contrapartida, a nossa liberdade vai ser reduzida, os nossos passos e as nossas opiniões vão ser mais seguidos. Virá o tempo em que analistas de olhos frios perscrutarão as intenções mais subtis deste papel que enfim consigo escrever e poderão ver nele uma ameaça ao sistema, um recado de Alá, de Yhavé ou de uma qualquer outra divindade vingativamente justiceira.

 

Paralelamente há-de haver por aí um compagnon de route dos deserdados e oprimidos que censurará em nome da história e dos amanhãs radiosos, este degenerado que se comove com a morte dos ricos em vez de perpetuamente chorar o destino dos pobres. E explicará, uma mão num Evangelho apócrifo e nobelizável, e outra a tapar as fossas comuns dos gulags, dos laggers, do primeiro, segundo e terceiro mundos, as raízes deste gesto vil mas compreensível à luz dos olhos cegos dos autoproclamados defensores da nova ordem internacional.

 

 

 

Perdoname

 

No sé decir nada más

 

pero tu comprende

 

que aun estoy en el camino...

 

 

 

José Agustin Goytisolo

 

 

 

(este texto, escrito em fins de setembro de 2001, foi oferecido à Luísa e ao João Félix – oferta que se mantém, claro – e, cinco anos mais tarde, em Setembro de 2006, foi publicado no blog na série au bonheur...  onde tem o número 30.  Entendi voltar a ele porque a indignação e a dor e a estupefacção continuam a ser as mesmas desse dia longínquo. E porque é preciso lembrar uma infâmia que nada, absolutamente nada, desculpa.  E prevenir um certo pensamento “revisionista” que tenta começar a dar uma “explicação” exculpatória a este inqualificável acto.)

 

 

expediente 15

d'oliveira, 01.08.11

 

 

com uma dúzia de livros, na esperança de uns quilos de mexilhão e muito peixe, mcr retira-se por duas semanas para Areas na Galiza, praia calma mas sem ondas.

Estará ligeiramente à direita, diante de "A Postiña" sob um guarda sol e a ler desalmadamente. nos intervalos, mirará as jeunes filles en fleur que lhe passarem ao alcance do lúzio lascivo e bem atento que isto de praia tem muito que se lhe diga.

À uma e tal termina a sua penitência banhista, almoçará e retirar-se-á majestosamente para para uma sesta reparadora.

Em chovendo, irá ás cidades mais próximas derreter os parcos maravedis em mais livros , discos e dvds.

ao fim de 15 dias extenuado de tanto canseira, voltará á civilização (?) e à pátria madrasta para se desgostar novamente.

E para escrevinhar as prosas que aqui publica.

Até lá boas férias ou algo semelhante a isso. 

 

 

 

expediente 13

d'oliveira, 05.06.11

Um discurso vão, empolado, patético e auto-congratulatório. Está visto que nem a derrota ensina a ser  modesto e sincero. Assim até a eventual dignidade da assumpção de responsabilidades e a lógica consequência da demissão estão feridas pela presunção e pela defesa da bondade de decisões erradas e inconsequentes.  

Expediente 12

d'oliveira, 18.02.11

 

Até sempre!

 

morreu hoje o Luís (Abreu Lima) Ramos. O nome dirá muito aos que viveram Coimbra 1969. O Luís foi um dos mais dedicados activistas da  Junta de Ciências e, se não me engano, foi eleito para a direcção da AAC em 71. Perdi-o de vista quase completamente a menos que nos tenhamos encontrado nas comemorações da crise dez ou vinte anos depois.

Era professor na Universidade de Aveiro e escreveu, que eu saiba, um romance (Os meses anteriores) que, por imponderáveis da distribuição catastrófica fora do circuito das grandes editoras nunca me apareceu pela frente.

Mesmo tarde, irei por ele, hoje mesmo, através da Wook. é a última possível homenagem a um homem de bem, um homem corajoso e um bom camarada de luta.

Estamos a ficar velhos e a ser dizimados. É o nosso destino, claro, que para mais novo e mais saudável ninguém vai. custa, porém, custa muito, ver partir aqueles que partilharam connosco alegrias, emoções, perseguições e não vieram depois pedir medalhas ou recompensas.

Em 1971 partilhámos a mesma cadeia (Caxias) e, se não estou em erro a mesma circular solidária e corajosa da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos onde apareço quase com pseudónimo (M. "Corrado" Ribeiro).

O Luís, ligado, a um organismo de juventude do PC ainda foi a julgamento nesse mesmo ano. suponho que todos os processados terão sido absolvidos dada a fragilidade das provas apresentadas pela pide.

Aos companheiros de Coimbra que, eventualmente, esta lerem, um abraço.

 

*espero que a fotografia pilhada na internet seja mesmo a do Luís. Tudo indica que sim e preferi pôr esta em vez de uma mais recente (lançamento do livro, onde ele aparecia envelhecido e magríssimo, quiçá já doente.

Expediente 11

d'oliveira, 04.05.10

Chegou a Vera!

 

São rosas, Kami, umas rosas apanhadas por aí para lhe dar as boas vindas ao estatuto glorioso e amável de avó.

Bem sei que V. ainda só leva quatro horas nesse embevecimento (escrevo às 17.30) mas auguro-lhe muitos e muitos anos de alegria, de projectos, de gozo com essa primeira neta (e com as/os que vierem a seguir).

Deveria dar os parabéns à mãe que nunca vi (e dou-os, claro) mas neste especial momento e neste especial dia é para  a Avó babadíssima que vai a primeira mensagem e o primeiro beijo.

Depois, celebremos, a chegada dessa mensageira das cerejas e do bom tempo, essa arauta das sardinhas que nadam velozmente para a nossa costa, essa promessa de dias melhores.

A família incursionista alarga-se, mesmo se certas criaturas andam relapsas na escrita (e não me refiro a mim, como pela leitura abaixo poderia deduzir-se...). Agora que está para chegar dos brasis a nossa Sílvia, que se adivinham festejos e celebrações várias e mais um aniversário do blog, a menina que há pouco nasceu “quase de jacto, com 3,250 kg” e muita ânsia de viver é quase um sinal alvoroçado de esperança num futuro melhor que todos aqui na casa festejamos.

Na minha qualidade de “o mais velho” creio poder representar a inteira tripulação desta barca que sulca o improvável e etéreo mar interneuta. Estamos todos felizes como cucos, Kami. Quase tanto como você, avó desbragada que não aparece nem dá um ar da sua graça aqui. E um beijo para a Vera......

 

 

Expediente 13

d'oliveira, 21.06.09

Aviso urgente aos meus abençoados leitores

 

Vocês sabem que nisto de blogs eu sou um burrp. Um asno. Uma azémola. E ajaezado á andaluza!

Imaginem que nunca me passou pela cabecinha pensadora que tinha de autorizar os comentários.

Autorizar? Mas está tudo alucinado? Eu que defendo a não censura?

Bem, parece que tenho mesmo de autorizar, que esta coisa funciona assim mesmo e que não há volta a dar-lhe. Lá terei eu, todos os dias que vir aquí e dar à manivela.

A minha ideia é que isto é um diálogo livre com quem tem paciência para me aturar mas pelos vistos a liberdade lá terá as suas peias. Vou tentar portar-me à altura e abrir a porta da chafarica para os fregueses entrarem.

Desculpem lá, se alguma vez, algum comentário vosso ficou no éter, no limbo, na terra de nenhures, ao fim da old brick road. O mcr pede desculpa pelos incómodos, agradece do fundo do coração e pede que não desistam: comentem, arreiem, digam da vossa justiça. Isto não é, não pode ser, uma coisa de sentido único. Vou ler os comentários todos que estavam congelados e que se referem a textos menos recentes e prometo responder num post especial se for caso disso. Obrigado, grazie, thank you, danke, merci kanimambo gracias, arigato! 

Expediente 12

d'oliveira, 21.06.09

 

Já por algumas vezes chamei a aquí a atenção para o blog  ograndezoo.blogspot.com animado por Rui Namorado. Deveria tê-lo feito com mais veemência mas sou amigo do Rui desde os sessenta coimbrões, aliás desde 1960 mesmo, e por isso talvez me tenha coibido. É altura de novamente o nomear. Ele pertence, à Comissão Política Nacional do Partido Socialista, pela minoria, claro. E publicou no seu blog um resumo tão fiel quanto possível da sua intervenção na ultima sessão desse orgão. Recomendo vivamente a sua leitura. Para que se perceba como é que uma voz de dentro pode ter ecos numa de fora. Eu escrevi aquí alguns comentários, o JCP idem, o d’Oliveira e “o meu olhar” e JSC referiu também a realidade saída das eleições. Ou seja, esta tripulação do incursoes manifestou uma pluralidade de opiniões como vem sendo hábito nosso, a que gostaria de adicionar o meu amigo Rui Namorado. Não por ele ser uma voz crítica (a familia Namorado desde que conheço aquela tribo foi sempre “crítica”) mas por ser a voz de alguém que pertinazmente vai traçando o seu caminho com todos os incómodos mas toda a liberdade que significa ser membro de uma minoria que dá a cara. Eu deveria “linkar” o texto dele mas ainda não sei fazer habildades dessas pelo que me limito a sugerir-vos a leitura sempre refrescante e inteligente de Rui Namorado. N’ O Grande Zoo” ou ograndezoo como se escreve em bloguês. Boa leitura!