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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Notas (inoportunas) sobre o "Retiro do Silêncio": uma experiência pessoal.

Incursões, 04.05.06

Queridos Amigos: não vos querendo, de modo algum, maçar, penso que, não obstante as diferentes sensibilidades que aqui povoam o nosso Incursões, talvez as linhas que se seguem possam constituir um testemunho que aqui poderá ficar, com algum interesse, de uma experiência a qual, não sendo nova para mim, me deixou muito impressionado desta feita.
Então, com a vossa certamente antecipada licença, aqui vai o texto que me foi pedido pelos organizadores de um "Retiro" que frequentei neste fim de semana alargado.
"Real e Realidade; da diversidade à unidade.

É comum entender-se que a realidade corresponde àquilo que "realmente existe". Mas, se houvesse uma "real" correspondência entre aquilo que compreendemos e aquilo que "realmente existe", certamente estaríamos em posse da "verdade".

Mas o caminho em direcção à verdade não é simples. A própria ciência, como ensina Karl Popper, consubstancia-se numa busca da verdade, sem terra à vista. Aquilo que em determinada época é considerado como uma "realidade" pode deixar de o "ser".

A realidade é dinâmica e, para apreender o seu movimento, precisamos compreendê-la historicamente. Mas, aqui chegado, direi que a Realidade é uma só. Bem como a História, que tem um "dono": Deus, o seu Senhor, e Jesus o Seu doce Filho, que se dignou encarnar numa Virgem Puríssima e penetrar assim na História do Homem.

Os deuses míticos da Antiguidade empalideceram e definharam perante a Luz que brilhou e afastou as trevas. Ora, a História da Humanidade não tem, pois, sentido, a não ser que a interpretemos à Luz dos ensinamentos de Deus, vertidos no Antigo Testamento, e da Verdade ensinada e transmitida por Jesus, ele que encarnou a própria Verdade ["Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida"- (João 14,6)].

Mas o homem, descrente, interroga-se: o que é a Verdade?...

Há dois mil anos alguém fez esta interrogação, de modo cínico: Que é a Verdade? Foi Pilatos, no "julgamento" de Jesus.

Desde esse dia que muitos, de um modo especial, se interrogam acerca da Verdade.

Para aqueles que acreditam (repito) Jesus disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por mim" . E seguem-n'O!

Neste contexto, a Verdade baseia-se na minha Fé a qual é, para mim próprio, um mistério, mas certamente uma Graça de Deus que vou cultivando no meu dia-a-dia.

À semelhança do afirmado por João Paulo II, só Deus conhece a história da minha vocação. Na verdade, não sei como ela nasceu. Mas desabrochou certamente um dia, quando a minha Alma muito devagarinho deixou-se comover com a doce Figura de Jesus. E descobri, de mansinho, toda a poesia do gesto de Nossa Senhora, Mulher Mãe e Rainha do Céu e da Terra! Compreendi, de súbito, toda a nobreza da Sua Vida, Vida de Amor, de Gratidão, de Dádiva!

A Poesia que dimana das reflexões dos nossos (actuais) Profetas, ajuda-nos a reflectir e constitui um bálsamo, para nós que andamos perdidos neste turbilhão a que chamamos de "vida"…

E o Mundo que é tão bonito! Mais maravilhoso seria se todas as pessoas se amassem fraternalmente, e não existisse o mal a perturbar o nosso quotidiano…

Precisamos de inventar outra vida, como disse algures o nosso escritor António Alçada Baptista!

Acompanhando a poesia do Evangelho, temos de evitar que a noite de alguns dias seja longa…


Lembro aqui " A Fé e a Razão" , de João Paulo II, em que este afirma, logo no início desta sua Carta Encíclica, que estas [a Fé a Razão] constituem "como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva à contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio".

Lindo! Mas, reconheço que a Fé é algo que ou se tem ou…não! Mas algures, na nossa caminhada, ela pode surgir: ela não pede licença…

A Fé é, essencialmente, Amor! Comoção! Paixão!


Os homens de boa vontade unem-se para que possam, em conjunto, e numa união mística, compreender melhor os mistérios de Deus, aquilo que Ele lhes propõe, para que sejam capazes, enquanto pessoas, conduzir ao bom porto, por entre o mar porventura alteroso, a sua própria história pessoal.

E assim acontecem encontros como o de Monte Real, onde as Irmãs Clarissas nos receberam, num misto de espanto e maravilha. Com efeito, ali estava um grupo de homens e mulheres dispostos a "amortalharem-se" num Convento por alguns dias, a fim de se sentirem mais perto de Deus e fazerem uma pequena pausa nas suas vidas, propiciadora de um tempo de reflexão que os aproximasse mais do Sumo Bem – aliás, Deus, Sumo Bem, constituiu a experiência fundamental de São Francisco…e é também modelo para a nossa própria experiência. É claro que não podemos aspirar a uma tal santidade…bem, o autor destas linhas fala por si: ele nem é digno de beijar os pés a um tal Santo…

Mas é um facto marcante, na vida, quando alguém, de súbito, no turbilhão do dia-a-dia, descobre que ama Jesus sem ter para tal uma explicação racional.

Tal consistirá, como disse, numa dádiva de Deus o qual, na Sua excessiva Misericórdia, nos ergue da lama em que nos encontrávamos e nos transporta para a Luz.

No Retiro, intitulado " Escuta o Silêncio", estavam ali três homens, Sacerdotes Franciscanos, tocados pela Graça de Deus.

Unidos na Fé, possuem, porém, diversos modos de encarar a mesma Realidade.

Um, diria que é o Filósofo por excelência, místico mas ao mesmo tempo racional, que analisa com detalhe a mente humana e a disseca nas suas idiossincrasias e na permanente dialéctica em que o homem se vê envolvido (as conversas foram breves mas estas características ressaltam com facilidade…).

Um outro, diria que é mestre na compreensão do Homem na sua condicionante social, nas suas limitações e fraquezas, dando pistas e soluções dentro da Doutrina de Cristo, para que nos compreendamos a nós próprios, nas nossas limitações e, não obstante, possamos viver de acordo com aquela.

O outro é o Apóstolo do Amor.

Quando o vi, apaixonei-me. Apaixonei-me pelo seu semblante austero (a lembrar João Paulo II), pelos seus olhos muito vivos, pela sua voz grave, diria até dramática, quando fala do Amor. Do Amor ao irmão e do Amor a Jesus.

Com efeito, a sua voz tem o poder, diria que mágico, de revelar a poesia, porventura aqui e acolá escondida, dos textos bíblicos.

Aliás, o seu livro "São Francisco fé e vida" (já estão a ver quem é…) é todo ele um louvor à doce figura de Jesus, constituindo, por outro lado, uma longa reflexão antropológica, sociológica, política, acerca do Homem e do seu futuro, alienado que está pela "força violenta do trabalho, do negócio e da massificação".

Que clarividência!

Tocou-me a sua imensa paixão por Jesus, pois que eu próprio sou um apaixonado por Ele. Nada quero em troca por este meu puro amor, desinteressado que é (pese embora os meus pedidos de auxílio a Ele e aos Seus Santos, para o meu dia-a-dia) a não ser o Seu próprio Amor. Aliás, uma das minhas orações habituais consiste em que Ele me deixe, um dia quando partir deste mundo, no excesso da Sua Misericórdia, reclinar a minha cabeça, cansada de tantos trabalhos e agruras, no Seu peito, junto do Seu Sacratíssimo Coração.

Provavelmente, e à semelhança da cena do Monte Tabor, quando Pedro, maravilhado, disse a Jesus que, se Ele quisesse, faria três tendas, uma para Ele, outra para Moisés e outra para Elias, também não sei o que estou a pedir…Mas confio no Seu Amor e na Sua Bondade.

E a estas Verdades eternas nos conduzem tais Pastores.

Que Jesus lhes dê animo força e longa vida para que possam continuar a conduzir este humilde rebanho para o redil do Senhor!

Com Amor,

Delfim Lourenço Cabral-Mendes, ofs."



Nota: o Autor do livro citado é o Frei David Azevedo, ofm. Os outros "Apóstolos" referidos são os Padres Joaquim Cerqueira, ofm, e Luis de Oliveira, também ofm (ordem dos frades menores).

1968-2006

Incursões, 15.03.06


«Le système d'enseignement, c'est-à-dire l'enseignement
du système», a fait de l'étudiant un être à la minorité
prolongée, irresponsable et docile[...] il faut
«transformer le monde et changer la vie».
Le Manifeste de Strasbourg, 1966


Ah! Maio de 68! A data já está no sótão mais soturno da minha memória recém saída da escola primária e se me falarem no San Francisco( be sure to wear some flowers in your hair) do Scott McKenzie, talvez lá consiga chegar. Mas apenas por lampejos breves em que se sobrepõe talvez O Rapaz da Camisola Verde do Frei Hermano da Câmara e a lembrança do Marcello Caetano a tomar conta do poder, na vez de um Salazar a poucos meses de ficar moribundo. Mas, recordação vívida, é a carrinha da SAPP ( Serviço de abastecimento de peixe ao país) , com pescada congelada e a cortar na hora e no frio - pela menina pescadinha, como se dizia na publicidade que um puto já absorvia ao ritmo de colecção cromos de ciclistas da volta a Portugal.
O slogan “make love not war” também era fresquinho e o símbolo hippie, perigosamente parecido com o logotipo da Mercedes ( Oh Lord! want you buy me...da Janis Joplin, saiu três anos depois) fazia furor nas sacolas da escola em scritti politi de grafitti a condizer.
Lá dentro, entre as lousas e os livros únicos, anichavam sempre alguns “Condor” e “Mundo de Aventuras”, com o Luís Euripo e Major Alvega, para não falar do Texas Jack, por obra e graça da Agência Portuguesa de Revistas, a quem nunca ninguém agraciou com uma Ordem de Mérito bem merecida .
Para além disto, já a Diana Andringa e outros se afadigavam na tradução de artigos do Le Nouvel Observateur e do L´Express ( sim! Vinha quase tudo de França, essa pátria um pouco esquecida, mas de cultura sólida e referências valentes).
Essas traduções bem esgalhadas e em perfeito português, como hoje não há, apesar dos especialistas de línguas moribundas, encontravam acolhimento nas Publicações D. Quixote que em Cadernos de uma centena de páginas, ao preço de 20 escudos, punham à disposição do leitor, as opiniões dos especialistas: “ O conflito Israelo-Árabe” ; Bolívia- Um Segundo Vietname?” ; “A Revolta dos Negros Americanos”; “Grécia 67”; “ Biafra” ; “ E.U.A.- Ano de Eleições”, este por Marcuse, Mailer, Salinger e outros.
Sobre o Maio de 68, apareceu em Novembro desse ano, “ A Revolta de Maio em França”, o caderno nº 11, com artigos de Jean Paul Sartre, Daniel Conh-Bendit e entrevista de Henri Lefebvre.
Numa passagem da entrevista, sublinhada a lápis, já esbatida pelo tempo,diz o filósofo :
Julgo que este movimento se deve integrar no de uma sociedade. Não há pròpriamente( ainda levava acento...) uma crise económica, uma crise na base: as superestruturas é que entraram em crise. Este termo concentra qualquer coisa de muito lato, ideias, ideologias, instituições e, em particular, as que tocam naquilo a que se chama cultura ou universo de conhecimentos. Tais superestruturas estão frágeis, podres; basta um pequeno golpe para que desabem. É precisamente aí que se encontra a Universidade e foi onde começou toda a agitação...

No mesmo livrinho de capa verde, um dos principais líderes do Maio de 68, Daniel Conh-Bendit e um dos principais inspiradores do movimento, Jean Paul Sartre, entrevistam-se mutuamente, na Sorbonne, com afirmações espantosas para os dias de hoje: J.P.S. – “ O que muitas pessoas não compreendem é que vocês não tentem estabelecer um programa, dar uma estrutura ao vosso movimento. Acusam-vos de quererem ´destruir tudo` sem saber- ou sem o dizer- o que querem pôr nos locais que demoliram. “ E responde D.C-B:
Evidentemente. Todo o mundo se acalmaria e Pompidou ( o PR da França de então) principalmente, se fundássemos um partido anunciando: ´Todas estas pessoas nos pertencem. Eis os nossos objectivos e como pensamos atingi-los...`Saber-se-ia com quem se lidava e era possível encontrar o jogo. Não se teria pela frente a `a anarquia`, `a desordem`, `a efervescência incontrolável`. A força do nosso movimento é precisamente o facto de se apioar numa espontaneidade ìncontrolável`, que torna impulso sem tentar canalizá-lo, sem usar em seu proveito a acção que provocou. Para nós, agora, há duas soluções. A primeira consiste em reunir cinco pessoas com uma boa formação política e pedir-lhes que redijam um programa, que formulem reivindicações imediatas que pareçam sólidas, e dizer: `Eis a posição do movimento estudantil, façam o que quiserem.` Esta é a má. A segunda consiste em tentar fazer compreeender a situação não à totalidade dos estudantes, nem mesmo à dos manifestantes, mas a um grande número deles. Para isso é preciso evitar criar imediatamente uma organização, definir um programa que seriam inevitàvelmente paralisantes. A única chance doo movimento é justamente essa desordem, que permite às pessoas falar livremente e que pode conduzir a uma certa forma de auto-organização. Por exemplo, é preciso agora renunciar aos meetings de grande espectáculo e chegar a formar grupos de trabalho e acção. É o que tentamos fazer em Nanterre.”

Nanterre! Nestes dias, a brasa voltou ao local! Sob o pretexto ligado a um futuro incerto, e a contratos com promessas em papel molhado, os estudantes, -sempre eles na vanguarda de quem se sente insatisfeito,- manifestaram-se ruidosamente mais uma vez, com desacatos previsíveis e intervenção também mais do que previsível das “forças da ordem”. Desta vez, não são CRS mas são na mesma da segurança interna.

Para mim , o espírito de Maio de 68 que hoje se tenta revisitar, em fantasma ou mesmo espectro, ficou sumaria, mas bem descrito nesse livrito despretensioso da D. Quixote, editado em tempo de censura prévia…
O D.C-B ainda descreve no artigo “ A Nossa Comuna de Maio” o seguinte: “ As autoridades sustentaram também que nós éramos ´manipulados`por ´pró-chineses`que pretendiam comprometer umas negociações que não são aprovadas por Pequim. É grotesco. Se estivessem bem informados, seberiam que os marxistas-leninistas não consideravam oportunas as nossas manifestações. Estes pensavam que deveríamos ir aos bairros populares discutir com os trabalhadores, explicando-lhes as nossas posições e convencendo-os a agir connosco ( sic) . Além disso, desafio a Polícia a citar quais de nós, entre os organizadores do nosso movimento, são ´pró-chineses`. Certamente que o não é o Sauvageot, nem eu, nem nenhum daqueles que nos cercam.”

Não obstante o nome de D.C-B não ser actualmente de citação politicamente correcta, é este idealismo manifestado e esta abertura de espírito sem mestre cantor, que me agradaram no Maio de 68.Independentemente da ideologia da esquerda marxista-leninista-trotskista-maoista que se apropriou do fenómeno. O conceito de Revolução Permanente cantado entre outros pos Moustaki (“ je voulais, sans la nommer vous parler d´elle; bien aimée ou mal aimée elle est fidèle; et si vous voulez que je vous la presente, on l´apppelle révolution permanente”), não era uma ideia cara ao comunismo tradicional e por isso os partidos clássicos de esquerda, viram no Maio 68 algo bastardo e desprezível para a sua ortodoxia, mas que podia ser aproveitado, o que aliás fizeram. Tal e qual como aconteceu em Portugal, em Abril de 1974 . Curiosamente, foram precisamente o Sartre e O Moustaki quem veio a Portugal nessa altura, para verem a experiência libertária em directo e em movimento, num PREC já inquinado pela esquerda clássica. E será que havia outra?!

Escrito isto, que quase poderia ser publicado num qualquer blog barnabélico, tenho alguma pena que a malta nova de uma certa direita que fala de cor, conteste o espírito de Maio de 68, sem o conhecer e integrados que estão em partidos do mais refastelado que há e acantonados à esperança de futuras prebendas de uns empregos de circunstância, como valetes de poderosos ainda mais medíocres do que eles. C´est dommage! ( É pena!)
E é pena porque a reivindicação de direitos e luta por melhorias de vida, sempre foi privilégio da juventude que começa a ver o mundo dos outros, pelo prisma próprio e não por aquele que lhes emprestaram os já instalados.
Hoje em dia, os jovens ambiciosos pelo poder, onde param? Nas juventudes partidárias já anquilosadas pelos vícios do jogo político mais rasteiro e esperançosos em fazer carreira sempre subir. Alguns conseguem…

reflexão - não jurídica - para uma segunda feira

Sílvia, 01.11.05
sobre o inverno

andamos pelo mundo sem luvas. vem o inverno e faz frio.
nosso corpo estremece, as mãos enregelam-se e um par de luvas é um sonho.
é possível que as calcemos e não percebamos que estão apertadas? enganamo-nos ou com as mãos ou com as luvas, mas é inverno e faz frio.

o amor pode ser um par de luvas?



silvia chueire

Devotos

Incursões, 20.02.05
Imagino que o Dr. Santana, zangado consigo e com os seus, vá votar no Partido Humanista. O segredo do voto serve para isso. Cada um pode votar em quem não seria de presumir que votasse. Não deixa de ser enigmático que a liberdade da democracia se sustente de opções socialmente não transparentes. O que disse para o Dr. Santana, poderia escrevê-lo para o Dr. Monteiro. Se este tivesse sentido de humor. É óbvio que o Dr. Sócrates irá votar em si. Ainda que o faça, tal atitude nunca será de uma certeza certa. Incomoda-me que só saiba, ou possa saber, do meu voto. E do voto do Sr. Jerónimo. No que tange aos restantes, é improvável que votem nos outros. Mas pode acontecer. O segredo é vital para a democracia. E para a não discriminação. Para que ninguém possa ser discriminado por causa do seu voto, é que se torna necessário que ninguém saiba do sentido do voto de quem quer que seja. Cada um de nós gostaria de saber em que vai votar a vizinha do 6º Esquerdo. Ou o juiz da 1.ª Vara Mista. As eleições estimulam uma curiosidade mórbida. O Julião, meu colega de escritório, passou a semana a anunciar que já não acreditava nessa coisa dos votos (expressão dele). O que não quer dizer que não vá votar. Na segunda-feira de manhã, haverá mais rostos de vencedor do que os votos contados para o Partido Socialista. O Julião será um desses rostos. Numa sociedade sem medos nem preconceitos, as cruzes não seriam necessárias. Os braços no ar seriam suficientes.

Desabafo, em fim de ano

ex Kamikaze, 31.12.04
O desabafo foi feito aqui pelo compadre Esteves e bem merece a visibilidade de post.
Que o novo ano nos traga mais desabafos seus, compadre!

"Depois de fazer o último comentário, tive saudade das aulas de Filosofia, do prazer que sentia, quando os meus alunos descobriam a importância do modo de ver a vida, os outros e o mundo na orientação das suas próprias vidas. E notei que me tinha esquecido de estabelecer uma conexão entre as preocupações com as emoções e o conceito de bem-estar. Um bem-estar que, no tempo de Voltaire, tinha a ver com a natureza natural do homem (explorada por um outro pensador dessa altura, Rousseau -mito do bom selvagem) e com os direitos naturais (de que falou Lock). E como tudo isto teve repercursões no desenvolvimento de uma nova concepção do homem e no emergir de uma nova ciência, a que Adam Smith, amigo de Hume, nesse tempo começou a teorizar. De facto, se a sociedade, tal como tradicionalmente estava estabelecida, era má, o melhor era atribuir ao trabalho (como expressão genuina do querer) o valor natural capaz de produzir riqueza e organizar uma sociedade mais justa. Todos reconhecemos que a importância deste paradigma foi claramente sublinhada por Weber na "Ética protestante e o espírito do capitalismo"!
Ser professor, sempre foi para mim, dar testemunho da procura de um saber e entender os alunos como companheiros dessa viagem, uma viagem que acaba por nos ajudar a estabelecer uma rede de compreensões. E é nesta rede que entendemos as portas que se vão abrindo ao futuro e somos capazes de olhar de forma distanciada o presente, a não "engolir" , como se fosse um fatalismo, tudo o que nos querem enfiar. Só a compreensão do relativismo histórico das redes que configuram sistemas de crenças pode desenvolver nos alunos uma atitude crítica. Ficava satisfeito quando entendiam que o presente foi o passo dado em frente do passado e assim acontecerá com o futuro. E quanto assumiam que o sentido desse passo depende de todos nós. A compreensão disto fazia da aprendizagem um autêntico filosofar.
Tenho para mim que o mal do sistema educativo tem duas raízes: a perda de autoridade dos professores e as ciencias ocultas que dão pelo nome de ciências da educação. As que defendem que a atitude critica é levantar levantar o braço e fazer ruído na aula e que o bom professor é o que classifica em função do número de vezes que um aluno levanta o braço. Só serviram para promover a retórica. Hoje, os professores já não ensinam, fazem reuniões, onde, até à exaustão, vão-se labirinticamente repetindo.
Desculpem este desabafo, em fim de ano."

Ainda sobre as palavras

Incursões, 22.07.04
O que mais me entristece nas palavras é não poder dizê-las, é ter de ancorá-las à força entre o coração e a boca, num grito calado, porque tem de ser calado para não ser absolutamente ridículo, num sítio onde tantos podem ler as palavras que nem sempre podem ser ditas, porque há muito que aprendi que a malícia nem sempre está na mão de quem escreve as palavras mas no olhos de quem as lê. É por isso que tantas vezes fujo do mundo, para poder voltar ao mundo, porque tenho de voltar ao mundo e fazer-me à vida, a uma vida que raramente admite gritos que são ridículos. É por isso que tantas vezes me amarro ao silêncio e envelheço nesse silêncio e deixo que as noites, silenciosas, também envelheçam inutilmente. Prefiro assim. E já não tenho idade para mudar, embora saiba que o melhor seria mudar, e que teria tudo a ganhar se me transformasse num traficante de palavras.
Mas eu quero pensar que sou daqueles que não inventam um sentido para as coisas quando as coisas fazem sentido e muitas vezes quando nem sequer fazem sentido. Terei um coração frágil para o que me torna frágil, mas não ousarei simular, nunca! E sei que esta é a minha maior fraqueza. Não viverei o bastante para provar que esta é, também, a minha maior força. Talvez fique a semente, talvez não me estraguem a semente e talvez um dia alguém diga as palavras que ancorei entre o coração e a boca e elas não sejam ridículas.

O curriculum das palavras

Incursões, 21.07.04
“O mundo valoriza os livros e acha que, assim fazendo está valorizando o Tao. Mas os livros apenas contêm palavras.
Apesar disso, algo mais existe que valoriza os livros. Não apenas as palavras, nem o pensamento das palavras, mas sim algo dentro do pensamento, balançando-o numa certa direcção que as palavras não podem apreender. Mas são as próprias palavras que o mundo valoriza quando as transmite aos livros: e, embora o mundo as valorize, estas palavras são inúteis enquanto que aquilo que lhes der valor não é honrado”.
 
A via de Chuang Tzu

Outras palavras

Incursões, 21.07.04


Não me venderam as palavras que eu pretendia. Estavam esgotadas. É um pequeno mercado, esse em que se vendem as palavras. Que passasse por lá depois, talvez já houvesse as palavras que necessitava. Foi simpática a mulher gorda que vende as palavras inúteis. Sabe, é sempre assim no fim de semana, Segunda-feira será mais fácil encontrá-las. Tenho 48 horas para sobreviver sem as palavras de que gosto. Serei capaz?

Mais palavras

Incursões, 20.07.04


As palavras servem para escrever cartas. Cartas de amor. As outras, as que não são de amor, não precisam de palavras. Têm uma contabilidade própria, que vai do débito ao crédito, num bailado sem equívocos. As cartas de amor falam da ausência de quem está presente. São a poesia pura. A poesia de que gosto. A merda da poesia.