1. Estamos numa época de valorização dos produtos nacionais. Muito bem. Sempre fui adepto dessa opção. Somos cidadãos do mundo, porque somos portugueses. Valorizemos esse ponto de partida se queremos que os nossos filhos e netos continuem a ter razão para continuar a habitar este território.
Houve um período em que o “desenvolvimento” passava por substituir importações. Passou-se a outro em que “desenvolvimento” era substituir exportações. Da sobrevalorização do “nós” passou-se à paixão pelo “outro”; do encerramento altista ao mundo passou-se ao altruísmo para com a globalização e os “senhores do mundo”. Talvez o velho filósofo nos recordasse que “no meio é que está a virtude”, mas o problema é de correlação de forças mundial e de quem ganha e quem perde com cada uma destas opções políticas, que têm sempre suporte num “modelo económico”. Modelo construído, por vezes, com alguma argamassa, outras vezes com castelos de faz de conta.
2. Mania de lucubrações. O que pretendo dizer é que valorizo a produção nacional (mesmo com capital estrangeiro), mas não valorizo tudo o que é nosso. Não apadrinho nem defendo o “Centro Internacional de Negócios da Madeira”, o “nosso” offshore caseiro.
Muitas são as razões que me impedem de ter uma paixoneta por tal produto nacional. Vão desde ele pertencer à irmandade de Ali Babá e os quarenta ladrões – embora numa época em que a crise obrigava a falar dos malefícios das praças financeiras internacionais o então ministro Teixeira dos Santos nos tivesse lembrado que o Offshore da Madeira era um caso à parte, diferente – às características geo-socio-políticas do território em que se insere. Mas deixemos essas considerações gerais para nos centrarmos em três factos.
Comecemos pelas informações avulsas. Estas não são animadoras: grandes empresas exportadoras com lucros fabulosos que pagam muito menos imposto que pequenas empresas instaladas no tradicional território nacional; as suspeitas do Ministério Público de fraude fiscal e branqueamento de capitais; a sua utilização pelos bancos “portugueses” através de empresas participadas. Sobre estas histórias reproduzamos um extracto do livro Revelações, sobre o qual já fizemos uma nota de leitura, para contar uma história completa:
A história começa em Novembro de 1985 quando a governo da Nigéria adjudica a exploração de gás natural a um grupo de três petrolíferas constituído pela Royal Dutch Shell, a francesa Elf e a italiana Agip que se comprometem a explorar uma unidade de gás natural liquefeito em Bonny Island, uma ilha no delta do rio Níger. Segundo o jornal gaulês, a obra avaliada em 6 mil milhões de dólares envolve um complexo esquema de subornos a altos responsáveis nigerianos que, em contrapartida, garantem a assinatura do contrato com o consórcio internacional TSKJ-Serviços de Engenharia Lda., formado por quatro firmas de engenharia: a francesa Technip, a italiana Snamprogetti, a britânica M.W. Kellogg Ltd (uma subsidiaria da KBR controlada pela gigante americana Halliburton, na época dirigida par Dick Cheney) e a nipónica Japan Gasoline Corp. Em 29 de Agosto de 1994, a joint-venturee é registada no Funchal e, em Novembro do mesmo ano, a Madeira vê nascer a LNG-Serviços e Gestão de Projectos Lda., uma sociedade que adopta as iniciais da unidade de gás de Bonny Island, a Liquefied Natural Gas. De acordo com a investigação jornalística do diário francês Le Figaro, a madeirense LNG é uma empresa-fantasma constituída com o objectivo de canalizar fundos para a Tri-Star Investment Limited sediada em Gibraltar, que por sua vez assegura o pagamento de subornos através de contas bancárias secretas no Mónaco e na Suíça. Após um longo processo de investigações, as empresas norte-americanas Halliburton e Kellogg Brown & Root LLC (KBR) aceitam pagar 579 milhões de dólares, depois de se terem declarado culpadas de práticas de corrupção. Um comunicado do Departamento de Justiça dos EUA refere que "durante 10 anos, as sociedades pagaram luvas a responsáveis do governo nigeriano, a fim de obter contratos de construção e de engenharia".
Continuemos. Um estudo recentes de alunos finalistas de uma licenciatura em Economia mostra que os impactos do Centro Internacional de Negócios da Maneira traz mais desvantagens para o desenvolvimento regional do arquipélago que vantagens. Desvantagens que também se expandem para o conjunto do território português. Recordemos uma passagem.
podemos realmente concluir que a despesa [isto é, perda] fiscal considerada pelo Estado com as empresas sediadas na Zona Franca da Madeira são de facto assinaláveis, ultrapassando os mil milhões de euros [ano], na sua grande maioria provocadas pelas perdas de IRC.
Terminemos com uma pérola de atentado à liberdade.
Um estudioso destas problemáticas resolveu escrever um livro sobre tão internacional e mediático Centro de Negócios. Investiu, com grande seriedade, largos meses de investigação. Analisou com uma editora a sua publicação, o que foi aceite. Acordou-se num determinado prazo de produção. Começou-se a fazer a composição do livro. A meio do trabalho, conhecedores do texto da obra, mexeram-se influências, tomaram-se decisões ao mais alto nível e decidiram recusar a edição do livro e destruir o trabalho de composição já feito. Leia-se que isto se passa hoje, trinta e sete anos depois do 25 de Abril de 1974.
3. Produtos nacionais destes nem para a reciclagem.