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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

homem ao mar 100

d'oliveira, 28.07.21

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Liberdade vigiada 89

O planeta esgota-se?

mcr, 28 de Julho

 

 

Hoje, as televisões abrem em tom dramático (e o caso merece, pelo menos, reflexão): esgotámos a capacidade do planeta para o ano corrente. A partir de amanhã estamos a viver de empréstimos sobre o futuro.

Desconheço como é quês se chega a esta conclusão, qual o valor dela mas olhando em volta não posso deixar de reparar que algo não corre da melhor maneira.

A começar pela degradação do clima: não é “normal” haver nos Estados Unidos e Canadá, e fundamentalmente na parte norte dos EUA tanto calor, tantos incêndios.

Também parece anormal que, na Bélgica e na Alemanha, Julho seja mês de chuvas tão intensas e violentas. No Verão os rios levam muito menos água, mas neste transbordaram como no pior dos invernos. E por aí fora...

Aliado a isto temos um excessivo consumo de recursos que, pelos vistos esgotou a capacidade anual de os produzir ao fim do sétimo mês do ano.

E finalmente, a pergunta cuja resposta vale milhões: que fazer?

As respostas não são muitas mas têm um ponto comum: não servem, ou servem para pouco. O terceiro mundo, que ainda por aí anda, e cresce, pode ter índices que fazem pensar que as coisas melhoraram. E melhoraram, claro. Mas o “fosso” entre esse terceiro mundo e o primeiro (desconhece-se se há mesmo um segundo) aumentou gigantescamente. A fome não foi erradicada. As grandes doenças persistem e campeiam à rédea solta. A esperança de vida é escandalosamente baixa face ao que o mundo ocidental regista.

A poluição dos oceanos é inquietante. O lixo invade tudo. Quanto mais rico és, mais lixo produzes.

Todas as tentativas para reciclar morrem pelo facto de poucos se disporem a fazer o pequeno esforço de separar o lixo doméstico.

E é nisto que entra o folhetim de hoje. Sexta feira passada, em Lisboa fiz um par de compras, livros e alguma roupa. O primeiro livreiro, que me conhece há anos, começou por me perguntar se eu trazia um saco. Claro que não trazia. Pesaroso explicou-me que agora estava proibido de dar sacos. “Não importa, respondi, eu pago”. - Olhe que lhe posso emprestar um saco, retorquiu. -Não, senhor, eu pago. E lá me levou dez cêntimos pelo saco de que se despediu quase em lágrimas.

Numa loja, boa e cara comprei duas peças de roupa. Mesmo em saldo não eram nenhuma ucharia. O saco, bom, de papel espesso e com logótipo, custou-me, outra vez, dez cêntimos. Estive para perguntar à caixeirinha que me atendeu se achava que eu podia levar as peças de roupa debaixo do braço, mas desisti.

Eu entendo perfeitamente que há que combater o plástico. Quanto mais não seja obrigando o consumidor a pagar que é na bolsa onde dói mais. Penso, porém, que em vez de sacos de plástico poluentes e eternos se poderia levar a mercadoria em invólucros de papel. Papel de florestas auto-sustentáveis, facilmente reciclável. Mas não, mesmo na loja cara, que precisa de clientes como de pão para a boca, e que nunca usou o “horroroso” saco de plástico, o cliente tem de pagar deixe na loja a quantia que deixar. Curiosamente, num outro alfarrabista, eu não resisto a esta pulsão livreira, foi-me oferecido um saco de pano, com ar decente, que se pode usar indefinidamente (ou quase). E lá vim, triunfante, com um saco com o logótipo do livreiro, nome, direcção e e-mail, (incluindo telefone e e-mail) estampados. E, depois de gastar mais de cem euros, dei comigo a pensar que tinha poupado dez cêntimos! Lá dizia a Dona Antónia (Ferreirinha?) que de tostão a tostão se poupa um milhão...

Ao que sei os nossos ecologistas, incluindo aquela coisa chamada “os verdes”, pequeno mas útil satélite do PC,rejubilaram com o pagamento dos sacos de plástico. Não se percebe porque é que não se proibiram. Ou melhor: percebe-se. Os sacos de plástico, pelo menos aqueles em que se embrulha meio quilo de morangos ou quatro laranjas, o peixe e a carne não embalados, não são taxados. Só os sacos grandes para transporte do conjunto das compras!

A solução, sempre genial como todas as que proponho, seria voltar a produzir seiras e cestos de vime. Era assim que nos anos quarenta se ia às compras. Quem tinha criada (naquele tempo infame, havia criadas e não empregadas domésticas. Eram duros tempos de poupança, inclusive de palavras uma de cinco letras por duas com cinco vezes mais!) fazia-a transportar a seira cheia e pesada. Quem não tinha carregava, claro.

Assim se contribuía para salvar o artesanato nacional, animar o interior onde ele ainda subsiste. E uma seira ou um cesto duram que duram. E não poluem!

Todavia, os nossos ambientalistas são demasiado jovens, não conheceram as agruras da vida na primeira metade do século passado, nem essas utilidades boas e baratas com que íamos passando o tempo enquanto não aparecia o saco de plástico.

Agora, e sempre nesta onda mansa, discute-se o fim dos combustíveis fósseis. Em 2035, dizem, não haverá carros a gasolina ou gasóleo. Será tudo eléctrico.

É possível que já não assista a esse fenómeno que já vou numa bonita (?) idade. De todo o modo, mesmo que ainda viva, duvido que alguém de bom senso me permita conduzir.

Gostaria, no entanto, de lembrar que essa felicíssima transição vai custar caro. Há ganhos indiscutíveis e gerais mas cada um de nós pagará um preço. Um planeta mais limpo e mais saudável (se entretanto ainda houver planeta) custa dinheiro. A começar pelo carro- Um carro eléctrico poderá, a la longue, fazer-nos economizar uns euros (não muitos, mas sempre alguns) mas é bem mais caro que o seu congénere a combustíveis fósseis. Claro que no primeiro mundo (lá estou eu a dar-lhe...) a coisa poderá ser exequível para uma boa fatia da população – mas nunca toda – mas no resto (e o resto representa cinco ou dez vezes mais pessoas) a coisa não parece assim tão fácil.

Será que no actual discurso dos amorosos amigos da Terra, dos animais ,das flores campestres e da “água fria da ribeira”, há indícios disto? Será que o palavroso e veloz, velocíssimo ministro do ambiente sabe disto. E se sabe, já o disse publicamente? Eu não o ouvi mas é verdade que cada vez oiço menos ministros, secretários de Estado, directores gerais et alia. Por uma simples vontade de me despoluir sonoramente...     

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    

 

homem ao mar 99

d'oliveira, 27.07.21

Liberdade vigiada 87

Perguntas de um leitor que não é operário

mcr, 27 de Julho

 

Um leitor, e um amigo antigo, também, apanhou-me na esplanada e disse-me que eu fui injusto com Otelo. E apoiava-se em Ramalho Eanes que terá declarado que o país deve a Otelo a liberdade. 

Eu quando vejo, oiço ou leio estas declarações tão peremptórias (Eanes teve, porém, o cuidado de falar nos efeitos perversos do Otelo do projecto globl) fico entupido.

Ora vejamos. Portugal viveu um longo período de privação de liberdades fundamentais. Começou em 1926,por iniciativa de uma série de militares, muitos deles apoiantes da 1ª República (gomes da Costa ou Mendes Cabeçadas) e vários outros militares (Henrique Galvão ou Humberto Delgado) serviram fielmente e em cargos extremamente importantes o Estado Novo até se malquistarem com ele. 

Em poucas palavras, a Ditadura propriamente dita (26-33) e a ditadura disfarçada de Estado Novo foram essencialmente obra de militares e, é bom lembrar, de republicanos. (os monárquicos praticamente não tiveram qualquer papel no 28 de Maio e Salazar trouxe-os sempre de rédea curta (O mesmo sucedeu aliás à única organização de cariz fascista, os camisas azuis de Rolão Preto que foram completamente manietados e silenciados. Rolão Preto acabaria por se juntar à Oposição Democrática sem que essa aliança espúruia desse qualquer resultado.

Ao fim de quase meio século de regime ultra conservador, os capitães, melhor dizendo o MFA fez o 25 de Abril e como já no 28 de Maio de 1926, o regime caiu sem estrondo e sem luta. A única ocasião em que pareceu poder travar-se um combate, foi na zona do Terreiro do Pço entre a coluna de Salgueiro Maia e uma força de tanques comandada por um brigadeiro. Este, contudo, foi desautorizado pelos seus subordinados que se recusaram a disparar sobre a coluna de Santarém. Se o tivessem feito é provável que tivessem esmagado graças ao seu superior poder de fogo a pequena hoste de Salgueiro Maia. Agradeçamos a esses jovens oficiais e soldados que se recusaram a combater. Também lhes devemos muito. 

Ontem deixei aqui claro que o plano de operações redigido por Otelo foi excelente e contribuiu grandemente para a rápida vitória das forças insurrectas. 

Todavia, na história da luta pela liberdade nunca houve heróis solitários. Nem em qualquer outra insurreição popular, militar, de esquerda ou de direita. 

Aos quase cinquenta anos de Estado Novo corresponderam outros tantos de oposição, de luta pela liberdade, de homens e mulheres tombados pela liberdade, de centenas ou milhares de cidadãos presos, espancados, algumas vezes assassinados pelas polícias do regime (e não apenas pela PIDE).

É verdade que esse esforço contínuo e desesperado não deitou o regime abaixo, mas também ninguém duvida que criou um caldo de cultura e uma cultura de Resistência extremamente importante e que se foi fortalecendo ao longo dos anos e que, com o longo desastre das guerras africanas mais e mais se tornou vital. 

Os militares de Abril foram-se apercebendo da marcha da História (a descolonização de África; o despertar do 3ª Mundo, a tragédia do Vietnam, a conferência de Bandung, a atitude da América em relação às colónias portuguesas e até a famosa entrevista do Papa com alguns líderes africanos de expressão portuguesa). 

Mais começaram a ver a guerra perdida, devorados os seus melhores anos  (Melo Antunes, Vasco Gonçalves, Eanes o Otelo estavam bem perto dos quarenta anos). Contactavam com centenas de jovens oficiais milicianos que tinham forjado nas lutas universitárias desde o decreto lei 40900 até às crises académicas de 62 e 69, um forte sentimento de exasperada oposição ao regime. 

A todos eles, aos militantes anónimos das cidades, aos agitadores sindicais ou universitários, à corajosa falange de velhos democratas que nunca se rendeu, que passou vezes sem conta pelas prisões e, sobretudo, pelas perseguições mesquinhas, do Poder e da Polícia, à pequena e recente plêiade de católicos progressistas que puseram em causa o apoio da Igreja ao regime, a todos esses e muitos outros, a “Pátria deve a liberdade e a Democracia”(para usar as exactas palavras de Eanes).

O problema de Otelo nada tem a ver com o seu papel relevante – mas não único! –na conspiração militar. É depois, e durante uma boa década, que as suas sucessivas posições por vezes imprevisíveis, por vezes risíveis, quase sempre desastradas e finalmente detestáveis, que também não podemos esquecer. Não estão aqui em causa as suas candidaturas à Presidência da República! Da primeira vez obteve 16% dos votos (Pinheiro de Azevedo 14% e Octávio Pato 8%) contra 61% de Eanes. Da segunda vez, o seu score foi quase nulo. 

Ora, foi depois deste desaire que correspondia, também, à quase desaparição da extrema esquerda, que Otelo que já não compreendera outras situações entendeu avalizar uma aventura terrorista num país de democracia consolidada. E essa patética, perversa, infame e trágica tentativa  que, à semelhança do terrorismo de Direita (1975) se saldou em mortes incompreensíveis, em assaltos a bancos e destruição de bens sem conexão com qualquer plano revolucionário ou pretensamente revolucionário, tem de ir à conta final.

Tanto mais que a amnistia atabalhoada em nome da reconciliação dos portugueses, deixou por resolver algo muito simples: quem finalmente era ou não responsável. E mais, desta feita em relação a Otelo: alguém ouviu uma palavra de arrependimento, de remorso, de desculpa ou alguma justificação política, moral ou ética dessa onda de violência por ele patrocinada mesmo se haja quem legitimamente suspeite que Otelo era apenas um idiota útil, uma futura vítima a eliminar uma vez conseguidos os objectivos revolucionários? 

A dr.ª Isabel do Carmo, ontem, afirmou candidamente que, depois do 25 de novembro houve quem se sentisse “deprimido” e por isso se revoltasse, se organizasse, primeiro nos GDUP depois na FUP e (isso não disse mas presume-se) no arrevesado  “Projecto Global”)

Convenhamos que a “depressão” tem costas largas e pelos vistos, à luz das elucubrações da ex-líder das Brigadas Revolucionárias, é também ela eminentemente revolucionária. 

Conviria, mas talvez nem valha a pena o esforço, explicar que todo aquele arsenal de organizações sempre de unidade, sempre populares, por vezes arriscando o “democrático e o frentismo, eram quase que só nomes com cada vez menos militantes, participantes, apoiantes e simpatizantes. Isso também explica a queda dos 16% de 1976 par os exíguos 1,8% de 1980. 

A tentativa serôdia, a destempo, caricatural da imitação das Brigadas Vermelhas italianas, da Action Directe francesa ou até da Rote Armée Fraktion alemã (algo também absurdo e destemperado!) é uma espécie de fenómeno do Entroncamento da história “revolucionária” portuguesa. E sempre com outra agravante: nunca ultrapassou a barreira de Lisboa e arredores. Não pegou no Alentejo onde o Partido Comunista nunca lhe deu guarida, não entrou pelo Centro ou no Norte onde socialistas, sociais democratas e gente do CDS, fortemente apoiados pela esmagadora maioria da população, nunca lhe permitiram entrar.

A depressão não veio para ficar. Ou se veio, entrou na cabecinha de Isabel do Carmo, mas sentindo-se bm, não saiu de lá. 

 

Brecht escreveu um poema que intitulou “Perguntas de um operário leitor” e aí pode ler-se

“César venceu os gauleses.

Não tinha sequer um cozinheiro ao seu serviço?”

 E, mais longe, em guisa de conclusão:

“Em cada década há um grande homem.

Quem pagará as despesas?”

Deixa-se a leitura do poema que se publica em anexo à reflexão dos leitores e, se possível aos teóricos da “História com heróis solitários“ 

 

      

homem ao mar 98

d'oliveira, 26.07.21

Liberdade vigiada 86

Um mito com pés de barro

mcr, 26 de Julho

 

 

As revoluções ou os pronunciamentos militares nunca são obra de um homem só e dependem de muitos factores diversos alguns dos quais se anulam ou, acabam por modificar o fio dos acontecimentos.

É o caso do  25 de Abril. Começou como uma reivindicação corporativa, mas, ao crescer, os militares envolvidos perceberam que as coisas iriam muito mais longe do que inicialmente se previra. Aliás, à medida que a conspiração crescia e se ramificava, e enquanto a situação política de fim de época do Estado Novo se deteriorava visivelmente, os capitães assistiram ao desafio de “Portugal e o Futuro” protagonizado por Spínola (com o apoio de Costa Gomes) e a reacção de um grupo de generais ultra-conservadores. Pensar que isto não afectou aquele movimento é pura tolice. 

Depois, já o movimento ia a todo o vapor e se estruturava, o golpe das Caldas que envolvia, também ele, um grupo relativamente importante de oficiais do quadro que punham em causa a guerra colonial, tornou a situação político militar ainda mais complexa. A repressão que se seguiu ao falhanço dos “spinolistas” ajudou o “movimento das forças armadas” a ponderar objectivos. 

De todo o modo, a 25 de Abril, forças militares de diferentes pontos do país (continente) convergiram sobre Lisboa graças a um plano de que um capitão chamado Otelo Saraiva de Carvalho foi o principal artífice. 

Convém, todavia, lembrar que um plano de movimentação de tropas é indissociável de um projecto político para o qual um outro grupo de militares (desde Vasco Gonçalvs um coronel com ligações à Esquerda, ou mesmo ao Parido Comunista até Melo Antunes, um dos mais sólidos pensadores da “coisa militar” e politico-militar”. Pelo meio Vitor Alves, Vasco Lourenço, Franco Charais e tantos outros com diferentes preparações e opiniões políticas) deu o seu fortíssimo contributo. 

Deixo de lado, mesmo se importante, a contribuição de dezenas de milicianos mais jovens, mais politizados, com ligações profundas ao fortes meios contestatário académico e sindical.

Porem, uma vez vencedor o “MFA” trouxe para a ribalta o artífice da plano de operações, por um lado, e o homem  do Largo do Rato, um oficial de Cavalaria que, sem alarde mas com uma determinação notória e notável obteve (mesmo se depois Spínola veio receber o poder inexistente de Marcello Caetano) a rendição do quartel. Refiro-me a Salgueiro Maia, unanimemente considerado, hoje, o mais puro, o mais desinteressado dos revolucionários.

Isto não derruba a “estátua” de Otelo mas permite coloca-la entre outras de importância semelhante. 

Depois da vitória, depois da Junta de Generais, Otelo é nomeado para a direcção de um novo organismo militar, o COPCON. Se a memória não e falha, foi este organismo, dotado de grande poder, que corporizou a inevitável repressão que se sucede a um golpe militar. É verdade que há que procurar os polícias torturadores, os políticos que os instigaram, os elementos da sociedade civil que por diferentes vias forneceram os meios para que o Estado repressivo tivesse longa vida. 

Em certas alturas, o COPCON foi longe de mais, a começar, ainda a revolução balbuciava, pela prisão em massa de elementos do MRPP. Não durou muito esta prisão mas foi um claro sinal de que nem tudo estava bem pensado e que à investigação se preferiu umaacção espectacular que, convenhamos, teve um certo cunho “terrorista” e, sobretudo, desnecessário. De todo o modo, neste duelo desigual etre um milhar de jovens quase todos estudantes e a estrutura militar, foram os primeiros que ganharam. Não que o publico condenasse aacção militar, o público por esta altura não condenava nada e a multidão, como é próprio destes momentos de exaltação e confusão, estava-se nas tintas para essa coisa comezinha a que chamam Direitos Humanos. 

A segunda fase da acção do COPCON foi mais contundente w mais devastadora. As elites financeiras e empresariais foram varridas por uma onda de prisões algumas, bastantes, das quais não tinham qualquer base legal ou sequer razão de ser. 

Os grandes grupos financeiros e industriais acabaram e nunca mais, repito, nunca mais, se restabeleceram verdadeiramente. É verdade que os ex-presos e os auto-exilados regressaram, recompraram partes do que tinham perdido mas o que daí surgiu foi uma elite exangue, ou enfraquecida. Não é culpa do COPCON mas este ajudou na desordem e porque os seus métodos expeditos deixavam muito a desejar. 

Não vou entrar no terreno minado das denúncias de tortura que foi mais obra de pessoas do que de estruturas (aliás frágeis ou inexistentes).

No meio disto tudo, aparece sempre a personagem Otelo que não só comandava o COPCON mas que por incúria, inércia, desconhecimento ou incapacidade nunca disciplinou verdadeiramente todos quantos estavam sob as suas ordens. 

Otelo não era um político, sequer alguém especialmente politisado, nunca foi um teórico menos ainda um pensador. Entusiasmava-se com o preito que lhe prestavam e deixou para a posteridade meia dúzia de frases, entre elas a burrice sobre o Campo Pequeno.. Acreditou que era um émulo de Fidel de Castro, um erro tolo e fatal. 

Perdeu no 25 de Novembro, como Vasco Lourenço hoje recorda e perdeu bem. A História não estava com ele nesse momento e cada vez mais se afastava. 

Perseguiu a miragem do “poder popular” e ainda foi candidato à Presidência da República. (eu mesmo, confesso-o com alguma mágoa, ainda lhe escrevi dois discursos de campanha, o principal dos quais escutei, parvo e contente, em Matosinhos). Demorou pouco o meu encantamento e foi absolutamente horrorizado que assisti à infâmia das FP25. Nada, repito, nada permite aceitar aquilo, aquela pseudo-conspiração sem nexo, sem ideologia clara, aquele conjunto de acções meramente criminosas. 

Para a História ficam as prisões facilitadas pelas continuas confissões de "revolucionários" de fresca data, sem nada de sólido que os defendesse do mais simples interrogatório policial. Aquela gente “borregou” escandalosamente e a polícia e o Ministério Público só tiveram que ter paciência para os ouvir e determinar responsabilidades. Em plena vida democrática aquilo não foi um escândalo mas tão somente um crime. Doze vítimas, vários “ajustes de contas” entre ex-militantes, alguns (dois, se não erro) que acabaram também em homicídios.

A amnistia que se seguiu foi outro desastre da Democracia como agora toda a gente entende. 

E Otelo, o do Projecto global ,voltou à vida civil como se nada tivesse acontecido. Não se lhe ouviu uma palavra de arrependimento, uma autocrítica, nada! 

Por outras palavras: a criatura que, depois da década de 80, do processo, do julgamento e do insólito perdão,  se passeou por aí usando o mesmo nome do “estratego” do 25 de Abril era um fantasma. Os fantasmas duram muito, os ingleses, conseguem mesmo chegar a séculos. Mashá fantasmas temíveis e outros apenas ridículos...

Quando, nesta hora, se pretende fazer um balanço, lembro-me logo, dos famosos balanços que, no século passado, sobretudo entre 1960 e 1980, se faziam de Staline. O jovem revlcionário Koba, o agitador que nunca saiu da Rússia, o homem que pacientemente foi tecendo a sua teia de poder mesmo ainda em vida de Lenin e que chega ao poder depois da morte deste, o dirigente resoluto que, face às disputas fratricidas dos restantes membros do Politburo do PCUS, os foi abatendo um a um, sistematicamente, o Secretário Geral todo poderoso que emergiu a seguir, que ordenou os Processos de Moscovo, que decapitou dramaticamente o Exército Vermelho com os terríveis resultados que se conhecem, o déspota que mandou para o GUlAG milhões de compatriotas, entre eles dezenas de milhares de membros importantes do PCUS (praticamente todos  os comités centrais anteriores), o vencedor da Grande Guerra Patriótica, mesmo desmascarado no XX Congresso (e é bom lembrar que o relatório desse congresso andou escondido durante anos) foi considerado por muitos milhões de comunistas e de simpatizantes como alguém, que ao fim e ao cabo se pode orgulhar de um balanço positivo. Claro que hoje em dia, o dito balanço positivo foi  para a fossa da História, as estátuas (dezenas de milhares delas) foram retiradas, muitas desmontadas, mais ainda fundidas que o cobre vale dinheiro... Af igura monumental que durou até quase ao fim do sec. XX, é cada vez mais desconhecida. Restam, contudo milhares de poemas panegíricos (entre eles a Ode de Neruda!, que aliás teve a sorte de raras vezes se deslocar à URSS, salvando-se assim, de alguma contrariedade sinistra, coisa que aconteceu a alguns dos mais brilhantes intelectuais soviéticos e dos países ditos “socialistas”. 

Na hora do balanço caseiro, persisto e assino por baixo. Otelo (provavelmente porque não queria, porque não podia, ou porque não percebia) não deixa uma boa recordação. Tenho por mim, que a revolução, com ou sem ele teria eclodido. A 25,  ou dias, semanas, ou meses depois. Que as operações militares cujo excelente plano ele organizou, teriam tido outros planificadores igualmente com sucesso. O regime do Estado Novo, fruto de uma rebelião militar de oficiais que eram republicanos, cairia igualmente como o da 1ª República: de podre, quase sem defensores de préstimo.

As FP25 fizeram mais vítimas do que o golpe de 25 (contando mesmo com as duas vítimas mortas perto da PIDE e a tiros desta). E igualmente sem justificação.  E isso, além de imperdoável, destrói qualquer balanço. 

homem ao mar 97

d'oliveira, 25.07.21

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Liberdade vigiada 85

Subitamente, neste Verão

mcr,25 de Julho

 

Vinte mortos, ontem, Vinte! Ou o contra-ataque do covid que pensávamos acantonado nas duas, três vítimas. E sempre os velhos a marchar, sempre! Como é que se infectam?

Sem querer ser bruxo, diria que é no círculo mais íntimo que tal ocorre. E como agora, são os mais novos que apanham o vírus, devem ser eles que se encarregam de infectar os velhos que, por qualquer razão, ainda não foram vacinados.

Estou a sugerir isto porquanto ainda não ouvi falar de nenhum morto já vacinado (isto é com as duas doses da vacina).

De todo o modo, reina uma clara confusão nas medidas de combate à pandemia. Isto de pensar que o vírus ataca mais em certos dias do que em outros parece um tanto ou quanto surpreendente, mesmo se se sabe que, de certo modo, o fim de semana poderia propiciar, para quem está mais desatento, reuniões familiares mais intensas...

Também assisto com alguma perplexidade à discussão sobre a vacinação dos mais novos. Parece que um numeroso grupo de especialistas é contra.

Eu não sou especialista, sequer alguém muito atento, mas, correndo o risco de me enganar, penso que  o princípio da precaução indicaria que a vacina seria adequada mesmo se os jovens acima dos 12 anos tenham eventualmente boas defesas. A menos que haja claras contra-indicações.

Mas, como disse, deixo essa discussão a quem sabe, se é que os actores da controvérsia sabem qualquer coisa, o que também não parece ser absolutamente líquido.

Uma outra questão que cá não assume particular relevância é a questão da recusa da vacina. Pelos vistos, os Direitos Humanos servem também para que um par de criaturas ache que a obrigatoriedade da vacina colide com os seus mais inadiáveis Direitos. Eu lembraria que o mesmo sucede com a obrigatoriedade de usar cartão de cidadão que, ainda por cima, contém não sei quantas informações mais sobre o portador. Há países onde, pura e simplesmente, não há bilhete de identidade. Todavia, em França, há manifestações exaltadas, violentas, cargas policiais, enfim o habitual, sobretudo em Paris.

O Governo francês, que disto já sabe bastante, contorna a barulheira indignada, criando obstáculos de toda a ordem e exigindo o certificado de vacinação  para toda uma série de actividades. Assim quem quiser ir a um bar, ao cinema, e a uma série de outras coisas precisa de “montrer pate blanche” ou seja de provar que está vacinado. Ou seja torneia-se a não obrigatoriedade requerida pelos anti vacinação e pelos que nem sequer admitem a existência de um vírus.

Neste género de situações apenas me incomoda uma coisa: as mesmíssimas criaturas que recusam seja que vacina for, quando lhes toca a vez de ficarem infectados exigem tudo do Estado e da comunidade que antes negavam, desprezavam e combatiam. É como os ateus de toda a vida que, em vendo a Parca aproximar-se, chamam o padre e pedem a Extrema Unção!

Digamos que, neste aspecto, também eles recorrem ao princípio da precaução, o tal que, pelos vistos parece espúrio no que toca aos jovens entre doze e dezassete anos.

 

PS: dado que alguns amigos e leitores me felicitaram pelo centenário (que hoje começou) de minha Mãe, entendi ilustrar  o folhetim com o bolo de anos  da agora festejada Mãe que cumpre hoje o seu primeiro dia de centenária.

O título remete para "sudendly last summer" um belo filme com a fabulosa Elisabeth Taylor, E com Katherine Hepburn e Montgmory Clift, já agora.

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homem ao mar 96

d'oliveira, 24.07.21

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Liberdade vigiada 84

A rua deserta

mcr 24 de Julho

 

Há na toponímia portuguesa várias menções a data. Em Portugal, o 24 de julho significa principalmente a entrada das tropas liberais comandadas pelo duque da Terceira em Lisboa, com isso, o breve reinado de D Miguel o usurpador praticamente terminou.

Em Moçambique, e sobretudo em Lourenço Marques (e mesmo actualmente em Maputo) o significado da data é outro. De fcto foi nesse dia que o Marechal Mac-Mahon, Presidente da República francesa decidiu(em 1875)  a favor de Portugal a posse da Baia de Lourenço Marques, dita do Espírito Santo, ou Delagoa Bay. Acabaram, assim pela arbitragem do francês, as pretensões da Grã Bretanha. Aliás, esta decisão co-envolvia todo o território a sul, ou seja praticamente todo o sul do Save.

A avenida 24 de Julho africana tem quase cinco quilómetros e era (ainda é) uma das mais importantes artérias da cidade. Tenho boas recordações dela pois vivi lá quer quando cheguei, quer quando parti de Lourenço Marques. O liceu, o único liceu, no meu tempo, que obviamente se chamava “Salazar”, e era moderníssimo e misto no terceiro ciclo, era a dois passos.

Todavia, não era a  isto que vinha, mas tão somente, ao meu desolado sábado lisboeta. De facto, hoje não houve “feira dos alfarrabistas”. Pelos vistos a Junta de Freguesia não permitiu mesmo se a dois passos, no Príncipe Real se realizasse, em pleno jardim, outra feira desta feita de velharias! Isto se é que são as freguesias quem manda nestas coisas. Se é a Câmara Municipal , tal só indiciaria uma clara má vontade à cultura, coisa, de resto comum a muitas câmaras municipais mesmo quando afirmam o contrário.

O dia continuou amargo pois, tive a confirmação que também “Le Monde” deixa de vender a edição em papel em Portugal. Agora, e sabe-se lá por quanto tempo, só temos acesso ao suplemento semanal “selection”. Depois do “El País” e provavelmente com “la República” que também não se avista há tempos, eis-nos isolados (não sei quantos jornais ingleses e alemães ainda cá chegam mas no mostruário do quiosque no Largo do Chiado nota-se que há menos imprensa diária estrangeira.

Claro que me dirão que me basta fazer a assinatura digital mas, queiram desculpar, não é a mesma coisa. Até pode ser mais barato mas comigo isto é um habito de 60 anos (no caso de “Le Monde”) e uns bons 40 no caso do El País. Do “La República2 era cliente menos assíduo. Eu, no que toca a imprensa italiana fui muito freguês do “Paese Sera” e do Expresso que aliás assinei durante cerca de doze anos.

Gosto de recortar notícias e artigos mesmo se na esmagadora maioria dos casos nunca mais recorra a eles.

Nada tenho contra a internet, aliás uso-a de varias maneiras, excepção feita das “redes sociais”, (facebook et alia). Não uso, não estou, nem tenciono estar. Por junto escrevo neste blog e lembro-me com saudade dos tempos em que tinha mais interlocutores opinar, concordar ou discordar.

Provavelmente já não acompanho tanto quanto  devia as mudanças de um mundo em mudança, se é que posso exprimir-me assim.

A neta de um amigo meu, referiu-se à nossa geração como a geração do cinema a preto e branco. Achei que não valia a penas dizer-lhe que com metade da idade dela já muitos, provavelmente mais da metade, dos filmes eram a cores, mesmo se nem todas as fórmulas fossem naturais. E que, mesmo assim, alguns dos cineastas mais modernos insistiam no preto e branco.

É uma conversa inútil pois ainda há pouco vi outros jovens interessados pedir uma cinemateca onde se vissem filmes anteriores a 1990! Se a noção de clássicos já vai assim, nem vale a pena falar em Fellini, Ford, ou Griffith.

Eu também fui assim, provavelmente. E lembro-me do meu avô Alcino, melómano impenitente me dizer que Ravel era “demasiado moderno” para ele!.

À cautela não vou citar músicos demasiado modernos para mim. Com uma excepção: John Cage.

Mas juro que sempre gostei do Emanuel Nunes, um amigo dos tempos da primeira crise académica, a de 62, ou de Pendereky.

Sei porém que, à medida em que avanço em anos, mais difícil se me torna ter uma clara compreensão de tudo o que vai sucedendo neste mundo onde vivo.

Vou fingir que a a culpa é da crise climática...

* na vinheta: a “24 de Julho” de Lourenço Marques nos anos 60.  

homem ao mar 95

d'oliveira, 23.07.21

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Liberdade vigiada  83

O Estado editor

mcr, 23 de Julho

 

Fiz uma tentativa de ir ao Museu Nacional de Arte Antiga. Chegar lá já não exactamente a coisa mais fácil do mundo mas encontrar um lugar para estacionar seja a que preço for parece uma tarefa impossível.

Deixei essa visita para mais tarde e fui pelo catálogo antes que se esgote. O problema do catálogo é outro mesmo se bem característico das edições do Estado. Existe na loja do Museu, tão inacessível como o museu ele próprio e nas livrarias nem ouviram falar dele. As respostas iam desde o “ainda não foi distribuído” até “nunca aparece cá”.

Ou seja, repete-se a  mazela antiga comum a 95% das edições do Estado: não chegam às livrarias. Ou melhor: é provável que cheguem às duas ou três livrarias da Imprensa Nacional Casa da Moeda. Na internet uma consulta à FNAC, à Bertrand e à Wook não deram resultado. No entanto parece que uma das livrarias Almedina tem o livro. Não são muitas (três ou quatro, mas é melhor que nada).

Não sei, nem tenho possibilidade de saber se nas livrarias dos Museus Nacionais há o livro.

Eu, ao fim de anos e anos, de busca de livros, já conheço os truques todos e, sobretudo já sei que o Estado tem armazéns inacessíveis onde se amontoam edições próprias que praticamente não se escoam por falta de um aparelho de distribuição ou de um contrato com distribuidores privados.

Certa vez, procurando livros editados pela Comissão Nacional  das Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, soube numa pequena mesa de venda existente na Torre do Tombo que havia pilhas enormes de livros num armazém em S João da Talha com milhares de livros não vendidos. O problema é que também não havia quem os fosse buscar a tal sítio.

Vi algo do mesmo género com produtos de outras acções do Estado no campo editorial: dessa vez tratava-se de uma operação conjunta com editoras privadas. O Estado patrocinava a edição de autores clássicos portugueses e recebi em troca uns centos de  exemplares de cada obra.

Vi as garagens do Ministério da Cultura, ainda na Avenida da República, atulhadas de gigantescas pilhas de livros. Ninguém sabia o que lhes fazer. Nem sequer enviá-los para as bibliotecas que ainda não eram muitas mas que já existiam e se debatiam com uma pobreza franciscana.

Nem vou referir, pois tenho ideia de já o ter contado, os poucos projectos em que participei. À uma ninguém se lembrava de fixar um preço de venda(!!!) de outras vezes esqueciam-se de contratar um distribuidor e por aí fora: um desastre. Em determinada ocasião, a instituição que eu dirigia entrou numa vaquinha para editar um sumptuoso álbum sobre um grande cineasta português. Quando perguntei em que que data reuniríamos para fixar um preço de venda, olharam-me como se olha um marciano. Depois, percebi que os meus parceiros achavam que o livro, um livro caro, seria para dar. Finalmente, agarrei nos exemplares que me cabiam, fixei o preço e vendi-os todos num abrir e fechar de olhos. Ou seja paguei-me completamente do dinheiro entregue. E jurei que nunca mais.  

Desta feita eu ia em busca do catálogo “Vi o reino renovar (a arte no tempo de D Manuel I)” Vou arriscar: quando regressar ao Porto, irei à livraria da INCM e  eventualmente, caso dê com o nariz na porta, à Almedina. Se nada conseguir espera-me um longo telefonema para o MNAA e uma difícil negociação para obter o livro, combinar forma de pagamento, um inferno.

Cada vez que vejo umas alminhas pueris quererem pôr o Estado a fazer coisas culturais até me arrepio. E fico com a ideia que a coisa vai ser cara, incompleta e fora do alcance físico da esmagadora maioria das pessoas.

homem ao mar 94

d'oliveira, 22.07.21

Liberdade vigiada 82 

sob um céu cinzento

mcr, 22 de Julho

 

viajar trezentos quilómetros sem saber se o sol existe, ou, melhor, sem o ver não é apenas tristonho, é cansativo para quem já não tem os olhos de antigamente.

Aliás havia um vago cacimbo, pelo menos até Aveiro. Felizmente uso umas autoestradas com trânsito reduzido que, pelo menos tem a vantagem de permitir uma condução calma.

Estas autoestradas, mormente a A17 a A8 e mesmo a CREL nunca terão tráfico que as justifique mas faziam parte d plano de Sócrates (pelo menos a A17) de mostrar obra feita. 

Não vou ao ponto de dizer que alguém se terá governado à custa desta obra mas também não serei eu quem ponha as mãos no fogo, sequer ao sol de Verão (agora em parte incerta) pela lisura dos processos e da obra.

Claro que, enquanto figueirense, saúdo o facto da cidade ter sido desencalhada de de uma rede de estradas que vinham do tempo dos afonsinos. Mas reconheço que talvez uma via rápida tivesse tido o mesmo efeito.

E por falar em Figueira, temos, outra vez, mais um regresso do dr. Santana Lopes. Em boa verdade, ele sempre disse “que ia andar por aí”. Todavia, depois de muitas aventuras e graças a uma cisão do PS local, conquistou a Câmara da Figueira da Foz para o PSD.  Depois da Figueira, conquistou Lisboa A partir daí averbou derrotas políticas (perdeu cinco vezes a na tentativa de liderar o PSD), fundou algo de efémero chamado Aliança e teve nova e estrondosa derrota aí. Desfiliou-se e, subitamente, aparece como candidato independente na Figueira. E promete fazer três mandatos! O mesmo é dizer que Lopes quer continuar na política até aos 78 anos! 

Na Figueira conseguiu mais que quadruplicar a dívida da autarquia (de 9 para quarente e tal milhões de euros) coisa que os adversários não deixarão de lhe lembrar. Promete “pôr a Figueira no mapa”, resta saber a que preço. 

Também fica por saber por quanto tempo se aguentará na cidade, caso ganhe. E se estará disposto a ser um simples vereador ou se só se candidata a presidente, coisa que está muito na moda e é transversal a vários partidos.

De todo o modo, sempre quero ver se, como independente, com um PS pacificado e com um PSD pouco disposto a aturá-lo, ele conseguirá votos que cheguem para a sua impetuosa ambição.     

homem ao mar 93

d'oliveira, 21.07.21

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Liberdade vigiada 82

A caminho de Lisboa

mcr, 21 de Julho

 

Recomeço amanhã as idas a Lisboa que, durante anos, eram mensais e sempre em finais do mês. Desta feita, trata-se de uma ocasião especial. A minha Mãe faz, aliás perfaz, 99 anos. Ou seja no próximo domingo estará a navegar pelo seu 1º centenário, o que, apesar de tudo, merece ser celebrado.

Todavia, o tempo, esta incerteza constante em que vivemos desde há ano e meio, torna a efeméride um tanto ou quanto discreta. Em primeiro lugar, boa parte dos familiares sobrevivos não poderá festejar porque as regras em vigor e a prudência aconselham que as pessoas se limitem ao telefone. Depois, em volta da futura centenária são mais, muitos mais, os desaparecidos que os vivos, o que é natural. Mesmo assim, ainda se contam dois irmão e duas cunhadas viúvas, tudo gente na roda dos noventa e tal!

Eu ainda tive a sorte de conhecer uma bisavó e, se não erro, teria cerca de dez anos à morte de uma trisavó. Tudo gente da banda materna, vê-se que eram de boa cepa, tanto mais que, chegaram à extrema velhice sempre lúcidos e curiosos.

A  “old lady” continua, também ela, curiosa, interessada, com uma memória invejável que se já não é a dos primeiros anos dos noventa ainda tem muito que contar. O que não funciona são os olhos, pois a excelente senhora, deixou-se afectar pela mesma doença de que sofro, degenerescência macular, e quando, finalmente concluiu que a lupa enorme que eu lhe oferecera já era de pouco préstimo, foi ao oftalmologista que lhe propôs o tratamento que agora sigo: injecções nos olhos. A boa senhor entendeu que isso era demasiado, tanto mais qye uma amiga, um pouco mais nova, lhe disse que a coisa não funcionava. Eu suponho que essa amiga nunca entendeu que este tipo de tratamento não conduz a melhoras mas apenas tenta evitar que as coisas piorem.

De modo que uma leitora curiosa e atenta deixou totalmente de ler, não tem grande (nem pequeno!...) refúgio na televisão e agora ouve apenas o rádio, o que apesar de tudo, e pelo que ela todas as manhãs me anuncia, ainda lhe permite um contacto razoável com o mundo. É que também está surda o que torna os nossos telefonemas um tanto ou quanto erráticos. Frente a frente ainda controla bem uma conversa mas ao telefone a coisa plissa e ela finge que ouve mas nota-se que há palavras ou frases que lhe escapam.

Todavia, ainda vive sozinha, mesmo se de há anos a esta parte já tenha por precaução uma empregada para dormir lá em casa! Mas ainda não está, mesmo se já é paga como tal, instalada. Vem cedo, faz o almoço, compras, dá uma volta à casa e desanda ainda a tarde tem muito para andar. Entretanto o meu mais que excelente irmão chega, pela hora do lanche e durante um par de horas lá vão trocando impressões sobre isto e aquilo.

A mim o que me admira mais, é o facto da antepassada ainda querer fazer tudo em casa. Tudo, não exactamente, mas é ela que trata das louças do pequeno almoço e do jantar, que prepara as coisas para a sopa e por vezes é ela quem cozinha os seus pratos favoritos, cada vez mais simples. E ciranda pela casa com a vaga ideia de limpar o pó (que já não vê, de regar as flores afogando-as por vezes).Ou seja, e por outras palavras mantem uma notável independência.

Claro que já não quer sair de casa, logo ela que não hesitava em fazer uma surtida às sardinhas assadas, ao cozido à portuguesa, ao restaurante chinês, para não falar das animadas partidas de canasta com um grupo de amigas todas mais ou menos contemporâneas. Essa actividade de “bater a cartolina” no pitoresco dizer de um amigo meu, só acabou por via dos olhos, mas ela, corajosa ou resignada, ou ambas as coisas ao mesmo tempo, não se queixa. Da falta de livros e revistas, sim. Sobretudo destas. Os livros já a cansavam o que é compreensível: aqueles olhos já tinham muitos anos em cima deles, a lupa pesava-lhe.  Portanto jornais e revistas, artigos curtos que permitem pausas para descanso, muito bem e preencheram os  seus últimos anos de leitura. Quer eu quer o meu irmão inundávamos-lhe a casa de jornais, suplementos de toda a ordem, revistas e a boa senhora passava tudo a pente fino fosse o Público, o Expresso a Visão o El País ou o JL  

Agora somos nós que lhe sumariamos um que outro artigo que depois ela comenta com bom senso e humor.

Como a CG faz parte da viagem pois, também ela, tem quase toda a família em Lisboa e arredores, já estou a antever as longuíssimas conversas que seguramente terão, mesmo sendo ambas surdas!

Entretanto, aproveitarei, estes dias para visitar os meus amigos alfarrabistas que bem devem sentir a minha longa ausência (desde finais de Agosto) e a feira da rua Anchieta se é que não foi suspensa dada a situação.

E já que refiro estes salvadores de livros, aproveito para avisar que há pelo menos dois livros a sair nestes dias que talvez valham a pena. Um, de Valentim Alexandre sobre a guerra de África: “Os desastres da guerra – Portugal e as revoltas de Angola(1961: Janeiro a Abril) edição da “Temas & Debates; outro que também me despertou muita curiosidade, “Incorrigível” de Prostes da Fonseca, uma biografia de Carlos Rates, primeiro secretário geral do PC, mais tarde passado às fileiras do Estado Novo.

Como é sabido, o PC nunca foi exactamente um partido que ilumina os pontos mais obscuros da sua história. Aliás, as “Histórias” do partido são de uma confrangedora pobreza e simultaneamente pouco ultrapassam a piedosa hagiografia. Rates, mesmo desavindo e legitimamente expulso, merece que se saiba dele. O mesmo sucedeu a outros dirigentes ou militantes de relevo. sobre Pavel só há um livro de Edmundo Pedro (Um homem não se apaga) Não me recordo de nada de completo sobre Júlio Fogaça e há uma série de dirigentes imediatamente anteriores A Cunhal que também permanecem na mais absoluta obscuridade (Cansado Gonçalves, por exemplo).

Uma jornalista que conheci e que andava a fazer uma pesquisa sobre uma série de episódios da vida comunista antes de Abril queixava-se de que os velhos militantes se deixavam morrer sem escrever uma dúzia de páginas sobre a sua actividade revolucionária. E, ela, filha de militantes relembrou histórias da sua infância em que se destacavam vivos, generosos e combativos, militantes mais ou menos anónimos que tinham participado em aventuras às vezes surpreendentes. Disso, desse caudal de pequenos grandes gestos nada, ou quase, resta. Nuns casos por modéstia, noutros, a maioria por uma estratégia obsoleta de segredo e clandestinidade mal entendida.

Bem aventurado seja José Pacheco Pereira que na sua monumental biografia política de Cunhal (que também se arrasta desde 1999 e ainda terá provavelmente mais dois volumes, a acrescentar aos quatro publicados – o último volume data de 2015! O que me faz perder a esperança de ler toda a obra que presumivelmente só terminará daqui a dez anos.) vai narrando a vida do partido, da oposição e mesmo do país. Consta que no fim da sua vida, Cunhal terá declarado que JPP “sabia mais da sua vida que ele próprio”, o que prova que leu ou alguém lhe leu os volumes saídos até à data da sua morte.

Nas vinhetas: uma fotografia com uns bons setenta e sete anos e duas ou três prateleiras da estante por onde se acolhe a história recente de Portugal. distinguem-se com facilidade os livros de Pacheco Pereira; na estante superior deitados o livro sobre Pavel e outro de Francisco Miguel   Também aparecem livros sobre (e de) Francisco Martins Rodrigues, o movimento maoísta e, claro, sobre Salazar.

Os leitores desculparão o facto das fotografias estarem reproduzidas às três pancadas. Eu já não tenho conserto  mais ainda agora com os olhos em petição de miséria. 

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homem ao mar 92

d'oliveira, 20.07.21

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Liberdade vigiada 81

Orgulhosamente sós! (50 anos depois)

mcr, 20 de Julho

 

Essa lei aberrante que se traduziu na gongórica “Carta dos Direitos Humanos na Era Digital”, um nome comprido criado por um espírito curto, sofreu agora uma notável resposta no que concerne à atribuição de um selo de qualidade para quem verifica fake news- De facto 26 países consultados pela A R negam ter uma disposição semelhante e com as mesmas perversas consequências.

A notícia é avançada pelo “Público” de hoje porque graças a uma iniciativa da I Liberal a coisa volta a ser discutida no parlamento. Remeto os leitores para a notícia que ocupa toda a página 10 e tem chamada na página 1.

 

Esperemos que à falta da lei desaparecer, os artigos mais repelentes deixem de existir, que os “selos de qualidade” idem, que o sr. deputado Magalhães vá para uma mais que merecida reforma e se dedique a remoer sozinho abstrusas intrusões no mundo das notícias. As notícias falsas podem ter algum efeito algum tempo em alguns espíritos mas não conseguem atingir toda a gente e a todo o tempo.

O resto é conversa e vocação para censor.

 

O carro do sr. Ministro do Ambiente foi apanhado a 200 km à hora. O sr. Ministro afirma que não reparou deixando, pois, a responsabilidade deste excesso alucinante de velocidade para o “mexilhão”, isto é para o motorista que o conduzia.

Mais disse que, doravante está o modesto profissional seu subordinado, proibido de ultrapassar a velocidade permitida nas vias em que circular.

Tudo isto seria maravilhoso e obrigaria o cronista a dar os parabéns ao Ministro não fosse dar-se o caso de haver aqui duas pequenas contrariedades.

A primeira é esta: duzentos à hora não passam despercebidos. 130,140 ou 150 talvez mas 200 é de facto um excesso visível a olho nu. Claro que poderia dar-se o caso de o passageiro ir a dormir no fofo banco de trás. Os ministros, coitados, trabalham que nem mouros e acontece adormecerem nos intervalos das reuniões e encontros que mantem com as personalidades que visitam em trabalho.

Depois, temos que não é invulgar, é mesmo dramaticamente frequente os srs. Ministros, nas suas deslocações, tentarem meter o Rossio na Betesga, encontrar demasiada gente num tempo curto, o que normalmente, toda a gente sabe, se traduz em atrasos cada vez maiores à medida que o dia avança. Poderia dizer-se que os ministros chegam sempre tarde, inclusivamente ao primeiro encontro.

Também toda a gente sabe que um ministro d´ordens ao motorista para voar baixinho nestes casos em que o atraso se torna mais e mais visível.

E o motorista, que remédio!, lá dá ao pedal pois sabe que a culpa há de ser sempre dele.

Eu não vou acusar o dr. Matos Fernandes de ter dado expressamente a ordem para acelerar forte e feio. Mas aposto cem contra um que o motorista só i a 200 porque alguém o incumbiu disso. Os motoristas são, pasme-se!, gente como nós. Têm cu. E quem tem cu, tem medo. Portanto não serão adeptos de arriscar a vida só pelo inebriante prazer de fingir que participam no rali de Portugal.

Claro que não vou exigir (para quê? Que o dr. Fernandes assuma a responsabilidade pela excessiva velocidade. S.ª Ex.ª já afirmou que não reparou e que, além disso, deu ordens claras para o motorista respeitar o código da estrada. Se isto é assim, poderemos inferir que a culpa, como é hábito, cai em cima do imprudente condutor que, além do mais deverá pagar a multa respectiva e ficar inibido de conduzir por vários meses. Ora como a função de um motorista é conduzir o popó de S.ª Ex.ª segue-se que ao não poder fazê-lo por culpa própria terá de ser alvo de um processo disciplinar. E por aí fora...

Claro que, em algum país menos sofisticado e muito menos progressista, ao ministro poderia dar-lhe para assumir a responsabilidade. Felizmente, esse não é o caso. Por cá, a velocidade do automóvel é coisa absolutamente exterior à vontade do político. Doravante já se sabe, pé curto no acelerador e respeito pelo código mas isso é porque S.ª Ex.ª se preocupa com o ambiente e com a lei.

 

Outro a quem a velocidade também prega partidas com a cumplicidade do motorista, sempre essa classe pouco respeitosa e pouco respeitável!, é o dr. Cabrita.

Desta vez o “excelente” ministro tresleu um relatório. Onde nesse documento emanado de um departamento do seu ministério, o mesmo é dizer, um relatório suave e cândido como se deve, há umas aborrecidas verdades sobre os festejos sportinguistas por alturas da vitória no campeonato. Onde o documento aponta um trémulo dedo acusador à Câmara Municipal e ao MAI, o ministro leu que a culpa era de outrem.

Não vale a pena dar demasiada atenção a esta baralhada. Com o dr. Eduardo Cabrita, o preto é branco, o sim é não e o dia é noite.

 

Um amigo meu, acha que o dr. Cabrita é um “antípoda” queira isto dizer o que se quiser. É, pelos vistos, tudo ao contrário. Como aliás o próprio processo da revelação do relatório. Antes de ser  entregue o documento à comunicação social, foi esta convidada a ouvir o Ministro falar sobre algo que os atónitos jornalistas desconheciam.

É uma nova moda que se pegar dará resultados extraordinários: amanhã antes de rebentar um fogo, logo o ministro irá falar sobre a grandiosa actuação dele e a pequena ajuda dos bombeiros e dos meios aéreos. O público aplaudir-lhe-á verve, o talento, a constância perante a catástrofe e a coragem, claro, a coragem...

O neto Nuno Maria ao vê-lo na televisão pensará que ele é o capitão América e imitar-lhe-á o gesto largo que, no seu entender de três anos e meio e três palmos de altura, é um golpe de karaté no monstro das bolachas.

O problema do dr. Cabrita é que, na generalidade, os seus ouvintes têm umas dezenas de anos em cima e não creditam em fadas, bruxas, heróis da Marvel e assimilados. Pior, já nem se indignam com a criatura: riem-se dela!   

 

* na vinheta : modelo de carro recomendado para os senhores membros do Governo         

   

 

homem ao mar 91

d'oliveira, 19.07.21

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Liberdade vigiada 80

Comentar os comentadores?

mcr, 19 de Julho

 

Não vou escrever em defesa própria por várias razões: se é verdade que passo boa parte do meu tempo à conversa (ao menos espero-o) com um par de leitoras e leitores que fazem o favor de me aturar, não menos verdade é que os não vejo, os não conto, e só de longe em longe tenho uma resposta (ia a dizer feed back mas salvei-me a tempo demais um estrangeirismo que nada acrescenta – nem sequer sofisticação – ao português de todos os dias), uma pergunta, uma crítica.

Eu encaro isto, este folhetim, todos os folhetins, como uma conversa de bica aberta, numa mesa preguiçosa à volta de um café ou de um álcool nocturno (ai que saudades tenho das tertúlias do “snob” em Lisboa, do “club 21” no Porto, aqui ao pé de casa ou mais longe ainda das mesas descuidosas, ruidosas, conspirativas do “Mandarim” e da “Brasileira” em Coimbra ou da “Shell” e da “Caravela” na Figueira.

Muito do que vagamente sei, e o melhor do que sei, vem daí dessas reuniões tumultuosamente amigáveis, dessas infinitas discussões que se prolongavam até altas horas, noite fora, noite hospitaleira, noite de tods os sonhos, esperanças e ilusões

Onde estão o António Cunha Pinto, o João Quintela, o Pedro Sá Carneiro, o António Manso Pinheiro, o Zé Valente, o Luís Monteiro, o Zé Portocarrero? E outros, muitos outros, sobretudo os mais velhos a quem devo tanto, Marcos Viana, Jorge Delgado, Paulo Quintela, Joaquim Namorado, Carlos Mota Pinto, Luís de Albuquerque, Alfredo Fernandes Martins ou Rui Feijó? Que paciência enorme, que infinita generosidade tiveram para comigo!

Todos eles, com os meios da época, m tertúlias e jornais, nas aulas, onde quer que se propiciasse uma conversa, uma discussão amistosa, aí estavam prontos, sempre prontos para ensinar sem nada pedirem em troca senão um ouvido atento e uma mente curiosa e pronta para pensar.

Hoje mesmo, no “Público” Estrela Serrano parece insurgir-se contra uma alegada e excessiva abundância de comentadores na televisão. Eu compreendo mal esta, parece-me, má vontade como se participar numa roda de discussão, em nome próprio, dizer o que se pensa fosse algo de bizarro ou algo que deformasse a opinião pública. ES desconfia dos que vão a todas, dos que tem sempre uma palavra a dizer sobre uma infinidade de assuntos em que manifestamente não são especialistas.

Eu arreceio-me mais dos especialistas quando estes recusam dar espaço e palavra aos restantes. Faço parte daqueles cidadãos que entendem que a palavra no ágora é sempre bendita e desejável. É evidente que há quem seja capaz de dizer vinte asneiras por minuto mas isso, essa capacidade para asnear é imediatamente perceptível por qualquer criatura dotada de senso comum. Reservar a troca de opiniões ou a simples manifestação delas para um grupo restrito equivale defender que nas grandes discussões políticas, morais, éticas só alguns , um pequeno lote de iluminados tem o direito de se pronunciar. Daí até negar o simples acto de votar para todos vai um passo mínimo e que foi várias vezes dado. Por exemplo no Texas e em mais um par de Estados republicanos americanos a maioria conservadora quer dificultar o acesso à inscrição nos cadernos eleitorais (e por isso ao voto) de muitos cidadãos eventualmente provenientes de minorias raciais (negros, asiáticos, hispanos, eventualmente índios americanos) que podem desequilibrar a balança em favor dos Democratas.

Participei, nos tempos da outra senhora, em variadas campanhas para inscrição nos cadernos eleitorais que coitados eram minguados de gente. A polícia atenta lá ia aparecendo, mais ameaçadora do proibidora mas ciente que a sua sinistra sombra assustava muitos candidatos a votante e mesmo alguns dos nossos. Faço parte de uma minoria de “oposicionistas” ao Estado Novo que defendia a ida às urnas em todas e quaisquer circunstâncias. É verdade que havia “chapeladas” enormes, entradas maciças de votos, contagens aldrabadas, tudo o que quiserem. Havia, obviamente, mas eu queria, ao menos saber, quantos, depois disso tudo, éramos nós. Em Ditadura ou em regimes próximos dela, a Democracia nunca ganha. Portanto, não valia a pena estar a sonhar com a cereja em cima do bolo. Não havia bolo nem cereja nem o caroço dela. Por outro lado, o Regime era por demais conhecido cá e lá fora para se levar a sério as estrondosas vitórias de que depois se reclamava. Um simples voto contra era já um sinal, uma luz ao fundo do túnel. É que, sustentava eu, não parecia entusiasmante andar a por alguns milhares de cidadãos em polvorosa e depois, à boca das urnas, negar-lhes a dignidade do voto. É que esses cidadãos ou alguns deles tinham-se mostrado e por isso por essa coragem tinham direito a no dia das eleições fraudulentas irem com o melhor fatinho, com medo mas ousadamente, votar. Desistir na véspera parecia-me uma traição. E foi por isso que na única eleição em que se foi até ao fim (legislativas de 1969) fui voluntário para ser fiscal pela CDE na freguesia de Santo António dos Olivais. Um dos catorze processos em que figuro como principal acusado, é exactamente por isso. De certa maneira olho-o com mais carinho do que aos outros. E devo confessar uma coisa: ao apresentar-me na mesa de voto fui tratado com deferência pelos membros da mesa, todos da “Situação”. E tive acesso a tudo, participei na contagem, na acta, em tudo. Tenho a ideia de que aquela gente respeitava a audácia do rapazote que os desafiava e ao Regime que eles defendiam.

E quando, mais tarde, os polícias do costume, os esbirros do regime, me confrontavam com o facto de ter ido desafiar o Regime num acto eleitoral, eu respondia com a constituição, a deles, a de 33 e, curiosamente, a discussão ficava por ali. Sempre!

Portanto, e para regressar ao ponto de partida, não são os comentadores que estão a mais nas televisões mas sim a tentativa tosca de os limitar, de os “pôr no seu lugar”, de querer limitar o seu raio de acção.

E é também por isso que aqui estou, neste cantinho, a dizer o que penso, o que sinto, o que gostaria de ver. E é por isso que respondo aos que me interpelam, criticam, corrigem. Bem hajam quantos o fazem.

E é por isso, também, que estou ao lado dos que se     manifestam em Hong Kong ou em Cuba. Ou no Brasil ou em Budapeste Sem liberdade não há fartura que a substitua. E, como se sabe, nunca houve fartura nos regimes de partido único. Nunca houve progresso nos Direitos Humanos, nunca a felicidade das pessoas foi a primeira preocupação do Estado e do Poder.Aliás, nunca as pessoas estiveram no cento da actividade do Estado.

 

  • na vinheta: Éluard e Léger  o poema do primeiro ilustrado pelo segundo.
  • Vai esta em memória de Manuel Sousa Pereira, escultor, carpinteiro marceneiro, amigo, campeão do consumo de leite em minha casa durante anos, amador do belo sexo, conversador infatigável. Faz-me uma falta tremenda e o seu fantasma está constantemente a importunar-me. Foi levado pelo covid num dia estúpido de Março deste ano.