Os ventos que chegam de Londres, Paris e Washington
Num contexto internacional que continua marcado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, pela escalada militar de Israel contra o povo palestiniano e pelo desalinhamento crescente entre o bloco ocidental e a China, os processos eleitorais deste ano em França, no Reino Unido e nos Estados Unidos da América (EUA) têm importância acrescida.
No Reino Unido, os trabalhistas obtiveram no início do mês um dos melhores resultados de sempre, elegendo 411 parlamentares num total de 650. Os cerca de 9,7 milhões de votos (33,7%) dos trabalhistas foram recompensados pelo sistema eleitoral maioritário, tal como todas as sondagens indiciavam. A viragem do Reino Unido à esquerda, pondo fim a catorze anos de governação conservadora, castigou as trapalhadas e a incompetência de Boris Johnson, que não foram ultrapassadas na opinião pública pelos seus sucessores Liz Truss e Rishi Sunak, como o demonstraram as eleições locais que foram ocorrendo. Do lado dos trabalhistas, Keir Starmer conseguiu serenar e unir o partido, que abandonou posições mais radicais e centrou o seu discurso em medidas com forte impacto na população, como os impostos, o sistema nacional de saúde e a imigração, com o fim do inacreditável envio para o Ruanda de imigrantes requerentes de asilo. Starmer tem a oportunidade de comprovar que a esquerda democrática pode governar com sucesso um dos principais países europeus.
Em França, a coligação de esquerda Nova Frente Popular ganhou as eleições com 180 mandatos e 25,8% dos votos, seguida da coligação centrista Juntos pela República, liderada pelo partido de Emmanuel Macron, que alcançou 159 deputados e 24,5% dos votos. O sistema eleitoral e a barragem "republicana" levada a cabo pelos partidos democráticos, na segunda volta, travaram a vitória que se anunciava para a coligação de extrema-direita liderada pelo Reagrupamento Nacional, que foi a mais votada (37% dos votos), mas só conseguiu eleger 142 deputados, ainda assim o seu melhor resultado de sempre. O desafio que a França tem pela frente é de tentar que a esquerda e o centro ultrapassem as maiores divergências e consigam suportar um governo que reganhe a confiança dos franceses e acabe por reconquistar para o campo democrático grande parte dos mais de 10 milhões de votantes na extrema-direita, muitos deles votantes de protesto, descontentes com a falta de respostas dos partidos que têm ocupado o poder. Macron criou o problema ao antecipar as eleições e terá agora de encontrar um caminho que contribua para evitar a vitória de Marine Le Pen nas próximas presidenciais.
Finalmente, os EUA. A mais importante eleição no mundo democrático corre o sério risco de conduzir à vitória de Donald Trump. As sondagens apontam nesse sentido e o comportamento de Joe Biden dá força a essa possibilidade. As gaffes têm-se sucedido - nas últimas horas chamou Putin a Zelensky e referiu-se à sua vice-presidente como Kamala Trump! - e os pedidos para a sua desistência têm vindo a crescer desde o debate televisivo com Trump. Assisti em directo à primeira meia-hora desse debate e foi verdadeiramente confrangedor ver as debilidades do presidente que luta pela reeleição. Não se compreende como o Partido Democrata não gerou, em tempo útil, uma alternativa forte e credível para suceder a Joe Biden. Muitos dizem que, mesmo assim, Biden ainda é o único capaz de derrotar o intempestivo Donald Trump. Não sei se tal é verdade, mas o mundo olha para os EUA e fica inquieto perante as possibilidades que se colocam, seja Trump a presidente, seja um diminuído Biden reeleito, com os cordelinhos a serem assumidos por terceiros na sombra. O Partido Democrata ainda estará a tempo de virar o jogo?