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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

A Justiça aos tropeções (mais uma vez...)

José Carlos Pereira, 21.03.22

O recurso anunciado pelo Ministério Público mostra que o bom senso e a clarividência parecem não estar totalmente ausentes dos meios judiciais. Permitir que Mário Machado deixe de cumprir as apresentações periódicas obrigatórias perante as autoridades, de modo a poder combater em milícias da extrema-direita na Ucrânia, é um disparate absolutamente incompreensível. E o juiz ter invocado que Machado ia prestar "ajuda humanitária" é fantástico...

Lições do caso Selminho - Rui Moreira

José Carlos Pereira, 25.01.22

A recente absolvição do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, no caso Selminho, em que era acusado do crime de prevaricação, fez-me reflectir sobre a minha posição de sempre acerca de políticos acusados pelo Ministério Público e alvo de despacho de pronúncia de um juiz.

Sempre defendi que um político em exercício de funções deveria demitir-se ou, pelo menos suspender funções, em caso de acusação, de modo a preservar o bom nome do órgão que integra e a não contaminar essa entidade com o curso normal da respectiva defesa em Tribunal. Defendi essa tese muitas vezes, em benefício da sanidade do própria sistema político, inclusivamente perante casos conhecidos que acompanhei de perto quando fui autarca em Marco de Canaveses.

Contudo, este caso de Rui Moreira, que desde cedo me pareceu muito pouco consistente, em função do que era do domínio público, veio colocar a questão num outro patamar. Se porventura Rui Moreira tivesse suspendido funções e não se tivesse recandidatado à presidência da Câmara do Porto, pelo facto de estar a aguardar julgamento, estaria agora afastado da autarquia portuense, com o fraco consolo de se ver absolvido com o voto unânime do colectivo de juízes. O processo conduzido pelos magistrados teria produzido efeitos políticos, afastando o titular do cargo para que fora eleito, pese embora vir a resultar num flop jurídico, como foi o caso (pese embora o Ministério Público já tenha anunciado a intenção de recorrer da sentença).

Com aquilo que se conhece, concluo que Rui Moreira fez bem em não suspender funções e em manter a sua recandidatura. A partir deste caso, serei menos definitivo em reclamar o afastamento de políticos acusados. Afinal, cada caso é um caso e é preciso perceber bem os termos da acusação, a sua amplitude e o impacto causado na gestão dos processos e dos dinheiros públicos.

A (in)justiça arbitral

José Carlos Pereira, 02.11.21
A experiente jornalista Inês Serra Lopes publicou na semana passada um artigo na Revista do "Expresso" acerca das práticas dos tribunais arbitrais, do muito dinheiro que aí circula, das conexões estranhas e das fortes indemnizações a que o Estado e as diferentes entidades públicas são invariavelmente condenados.

Um dos exemplos destacados é o do processo arbitral no diferendo entre a Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a concessionária Águas do Marco, hoje controlada pela ECS Capital, processo em que intervim como testemunha.

Inês Serra Lopes deixa a nu as enormes fragilidades do edifício da justiça arbitral e a sobrecarga de custos que tal representa para o Estado, ou seja, para todos nós. A experiência que vivi no processo entre a autarquia de Marco de Canaveses e a concessionária da rede de água e saneamento faz com que corrobore plenamente as teses da jornalista.

"O que passará pela cabeça dos negacionistas?"

José Carlos Pereira, 18.09.21

O historiador Lourenço Pereira Coutinho colocou no "Expresso" as questões certas relativamente aos negacionistas lunáticos da covid-19. Mas quando se passa do fanatismo proclamatório para a agressão física ou verbal de quem quer que seja, e por maioria de razão daqueles que estão investidos em funções públicas, trate-se de Gouveia e Melo, Ferro Rodrigues ou outro, não pode haver condescendência.

Um Estado de direito dá-se ao respeito no momento em que actua de modo firme perante os que atingem os seus servidores.

Reformas que se impõem na Justiça

José Carlos Pereira, 26.07.21

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A Justiça é um pilar central do Estado de direito e tem ocupado as atenções dos portugueses de forma crescente nos últimos anos. Os casos que têm envolvido figuras públicas dos meios políticos, financeiros, judiciais e desportivos, amplificados pela comunicação social, serviram para todos nos questionarmos sobre a legislação que suporta as investigações e os julgamentos, bem como sobre os meios colocados à disposição dos agentes da Justiça e a gestão da informação veiculada para os órgãos de informação.

Para não ir muito lá atrás, os recentes casos de Joe Berardo e Luís Filipe Vieira, os processos disciplinares a juizes de tribunais superiores, a gestão e os timings de processos com grande impacto no país, todos estes casos colocam dúvidas e interpelações quanto ao modo como se administra a Justiça.

Quando vemos a investigação de certos casos escarrapachada nas páginas dos jornais e assistimos a práticas deploráveis no seio da própria magistratura, percebemos que não pode haver classes profissionais à margem de um escrutínio exigente e independente. Os magistrados judiciais e do Ministério Público deveriam ser os primeiros a defender uma avaliação séria e isenta, que permita separar o trigo do joio.

Por outro lado, alguns dos casos acima citados, que apostaram mais uma vez em deter suspeitos para interrogatório, obrigando-os a permanecer vários dias em estabelecimentos prisionais à espera de serem ouvidos pelo juiz de instrução, devem servir de exemplo para o que não pode suceder num Estado democrático. Quando se detém um suspeito não deve ser para tentar desgastá-lo, fragilizá-lo e humilhá-lo com uns dias passados nos calabouços. Qualquer cidadão detido deveria ser obrigatoriamente apresentado ao juiz num prazo curto, nunca superior a 24 horas.

Uma outra questão pertinente, também colocada nestes processos recentes, tem a ver com intervenção do juiz de instrução nas buscas que o próprio autoriza num determinado processo. O juiz que promove as buscas deve ser equidistante em relação a quem promove a investigação e aos próprios investigados. A sua presença nas buscas, mais do que garantir os direitos e as garantias destes, acaba por fazer do juiz cúmplice da forma como essas buscas são levadas a cabo, penalizando a sua imparcialidade nos processos em causa.

Como estes, haverá outros temas na área da Justiça merecedores da atenção dos partidos representados na Assembleia da República. A administração da Justiça é demasiado importante para que os deputados adiem por mais tempo as reformas que se impõem.

O que queremos da Justiça?

José Carlos Pereira, 16.04.21

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Quando um cidadão comum necessita de recorrer à Justiça, o que é que pretende ver assegurado? Acima de tudo, uma investigação justa e competente, a tramitação rápida dos processos e uma decisão isenta e imparcial. Tudo em tempo útil para que o tempo da Justiça se adeqúe ao tempo vivido pelos protagonistas das acções em causa.

A minha experiência nos tribunais comuns felizmente não é grande e reduz-se à condição de testemunha em processos de índole particular e profissional, a que acresce a participação como testemunha de um município num tribunal arbitral. Foi o suficiente para não criar empatia com o mundo dos tribunais, fosse pela morosidade dos processos, pelos adiamentos em cima da hora ou pelo clima desconfortável por vezes sentido.

Quando a opinião pública tem pela frente a investigação ou o julgamento de casos de elevada repercussão social, exige-se que os agentes da Justiça tenham ainda em maior conta os elementos necessários para a boa administração da Justiça. Para isso, é necessário que quem investiga tenha as leis e os meios adequados para o seu trabalho, com total respeito pelos direitos dos investigados ou arguidos. Nesse sentido, a fundamentação da acusação deve ser robusta, de modo a eliminar dúvidas relevantes e a evitar desencontros profundos entre as diferentes instâncias judiciais.

É indubitável que os magistrados judiciais e do ministério público têm uma grande responsabilidade na gestão dos processos e na forma como a opinião pública avalia os casos de maior exposição. Neles reside, em grande medida, a chave para a confiança dos cidadãos na Justiça. Exige-se aos magistrados, portanto, contenção, rigor, ponderação, bom senso. Uma maior preocupação com o resultado do seu trabalho do que com os microfones e as câmaras. Ou do que com as reivindicações quanto ao respectivo estatuto salarial.

Infelizmente, o que se vê demasiadas vezes nos processos mais mediáticos são guerras de alecrim e manjerona entre agentes que desprezam o recato das salas dos tribunais e buscam o protagonismo que tanto invejam a outros. O que invariavelmente resulta em má administração da Justiça.

Por último, a magistratura deve olhar para dentro de si própria e desenhar os instrumentos que ajudem a separar o trigo do joio. Um dos passos fundamentais passa necessariamente pela credibilização do sistema de avaliação dos magistrados, que deve ser isento, rigoroso e menos corporativo. E isto nada tem a ver com a manchete de hoje do "Expresso" que revela que os dois juizes do TCIC, Ivo Rosa e Carlos Alexandre, foram ambos avaliados com a nota máxima de "muito bom". Aliás, como a larga maioria dos magistrados...

 

José Sócrates

José Carlos Pereira, 09.04.21

Em maio de 2018, escrevia aqui o texto "O elefante no meio da sala" em que referia o seguinte:

"...Apoiei e votei em José Sócrates, que não conheço pessoalmente para além de uma breve conversa nos bastidores de um comício no Porto nas autárquicas de 2005, quando liderei, como independente, a lista do PS à Assembleia Municipal de Marco de Canaveses. Reconheço muitos méritos aos seus governos, assim como vários erros de percurso e de casting. Quero confiar no Estado de Direito e, por isso, aguardo pela lenta evolução do processo, não me deixando impressionar em demasia pelos folhetins que vão surgindo a público. Como sempre tenho defendido, um processo destes exige provas concludentes e não pode ficar apenas pelas convicções de quem investiga e julga. O que não impede que possa fazer já uma apreciação muito negativa do estilo de vida e do carácter já revelado por José Sócrates. Mas isso é do domínio da moral e não da justiça."

Continuo a pensar exactamente o mesmo.

Loucura pouca mansa na magistratura

José Carlos Pereira, 30.03.21

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O desafio lançado pelo juiz negacionista Rui Fonseca e Castro ao director nacional da PSP é das coisas mais inacreditáveis que surgiram na esfera pública nos últimos tempos. Ao ouvirmos de viva voz o juiz, só a evidência nos faz acreditar.

E a pergunta que fica é simples: como é que alguém com este perfil consegue aceder à carreira da magistratura judicial?!

Sejamos sérios

JSC, 05.01.21

O folhetim que cruza o ar desenvolve um enredo que tem por fim a demissão da Ministra da Justiça.

A generalidade dos jornalistas, comentadores, dirigentes partidários e mesmo operadores judiciais partem da nublosa criada na comunicação social para com a sua intervenção pública adensar o problema, sem cuidar do essencial.

Todos sabem que o Procurador José Guerra não cometeu a “estupidez” de adulterar o seu Curriculum. Ou seja, todos quantos apontam para a falsidade do Curriculum, que o Procurador apresentou a concurso, estão a mentir ou a desvirtuar a verdade e até poderiam ser processados pelo interessado face aos danos provocados à sua honra e imagem pública.

Todos sabem que o que não bate certo com o Curriculum apresentado pelo Procurador José Guerra é a tal “carta” ou “nota” que, em boa verdade, não é mais do que uma síntese curricular, elaborada por um quadro dos respetivos serviços.

Assim, se todos os intervenientes neste debate público tivessem como objetivo esclarecer a verdade, em vez de insistirem na falsidade do Curriculum, deveriam estar a questionar:

Como foi possível que alguém, a partir de um Curriculum verdadeiro, sem mácula, pôde elaborar uma síntese curricular, a tal “carta”, a que acrescentou o que não constava do Curriculum apresentado a concurso e que é do domínio público.

Quem foi o autor de tal proeza? Onde foi colher aqueles dados ou quem os inventou e forneceu? Com que finalidade desvirtuou o Curriculum, pondo em causa a honorabilidade do Procurador José Guerra, a imagem dos serviços respetivos e envolvendo o Estado num processo desprestigiante.

 Quanto ao último elemento trazido a debate, que a tal “nota” ou “carta” era do conhecimento do Gabinete da Ministra e, portanto, do conhecimento das Ministra, anoto que:

Por todos os gabinetes de titulares de cargos com poder executivo - Presidente de Câmara, Ministro, Secretário de Estado ou outros - passam centenas e centenas de documentos (processos, cartas, notas, e-mails, etc.) destes só uma ínfima parte é que vai ao conhecimento do titular do cargo e destes só uma parte ainda mais reduzida é que o titular toma conhecimento mais pormenorizado.

 Assim, o facto da tal “carta” ou “nota” ter passado pelo Gabinete da Ministra não significa, necessariamente, que a mesma a tenha lido. Acresce que na eventualidade de a ter lido teria de confrontar a “nota” com o Curriculum para detetar a “estúpida” armadilha que tinha em mãos.

Alguém está a ver um Ministro ou Ministra ou Presidente de Câmara a esmiuçar um processo com tal pormenor?

Sejamos sérios Senhores Jornalistas, comentadores, dirigentes partidários e afins.

Ihor Homeniuk

José Carlos Pereira, 19.12.20

Aquando da demissão da directora do SEF, considerei que o crime hediondo que vitimou o cidadão ucraniano  Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa exigia há muito a saída da responsável máxima pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Portugal não podia continuar a conviver com aquela vergonha sem ver atribuídas responsabilidades. É claro que teria preferido que a directora fosse exonerada em vez de ser a própria a demitir-se, a pretexto de uma dita reestruturação. E gostava que o ministro tivesse sido mais lesto a actuar.

A responsabilidade, contudo, não acaba na directora do SEF ou no ministro. Vai até ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. Vai até ao Parlamento e aos partidos. E vai até cada um de nós enquanto cidadãos. Quantos, políticos e cidadãos, se indignaram ao longo destes longos meses com o caso? Nem as redes sociais fizeram grande eco...

Acompanho os desenvolvimentos do crime desde o início, principalmente no "Expresso", e a minha estupefacção foi crescendo à medida que os factos iam sendo revelados e o silêncio oficial se mantinha. Talvez nos devamos questionar todos. Fosse o assassinado de um país mais próximo, da UE, e o silêncio teria sido o mesmo? Creio bem que não.

Resta esperar que a anunciada reestruturação do SEF seja bem sucedida e que a indemnização a atribuir à família de Ihor Homeniuk, nas mãos da Provedora de Justiça, seja de montante significativo, protegendo o futuro dos filhos a quem foi subtraído o pai.