Diz Vital Moreira que não se pode
negar o privilégio referido
neste post, argumentando que hoje as derramas municipais só podem incidir sobre o IRC, que por definição exclui as pessoas singulares. Reconhecendo que assim é, de facto, não deixa de salientar que é igualmente verdade que durante muito tempo, até à criação da contribuição (predial) autárquica, as derramas podiam incidir também sobre rendimentos de pessoas singulares (contribuição predial rústica e urbana). Portanto, conclui, a referida isenção não é uma invenção, tendo ela entretanto deixado de existir, não por ter sido revogada, mas sim por ter desaparecido o seu objecto. E remata dizendo que a norma ainda se mantém no Estatuto do MP (não se dê o caso de as tais derramas voltarem...).
Confesso que nunca me interessei por conhecer muito bem como funciona essa coisa das derramas, nem a razão de ser da isenção do seu pagamento (só para os magistrados?). Sei é que dela jamais beneficiei e, por isso, sinto-me à vontade para este desabafo.
Seria bom que Vital Moreira explicasse por que só agora se insurge contra esse pretenso “privilégio” (que não o é de facto e que se impõe seja removido, o mais rapidamente possível, do Estatuto do MP, para tranquilidade de algumas consciências). Desde os tempos em que o dito já constava, salvo erro, do antigo Estatuto Judiciário, até ao actual EMP, passando pela LOMP, por que não ergueu a sua voz contra a sua instauração e perpetuação? Sobretudo no período em que foi deputado à Assembleia da República ou também quando foi juiz do Tribunal Constitucional, altura em que não enjeitou, que se saiba, esse e outros “privilégios” bem mais chorudos. É que, de outro modo, fica-se com a impressão de que a sua sanha contra o Ministério Público e os magistrados em geral tem mais a ver com recentes razões conjunturais do que com verdadeiras razões de fundo.
Vital Moreira sabe melhor do que ninguém que o desempenho de certas funções e o exercício de determinados cargos implicam, em todo o mundo e desde sempre, a fruição de determinadas prerrogativas que têm a ver com a dignificação e o exercício desses cargos e funções. Os seus amigos ministros e acompanhantes que o digam.
É, por isso, estranho que Vital Moreira, que me habituei a respeitar pela coragem e lucidez intelectual demonstradas, sobretudo, na fase comunista, surja agora, ao lado de alguns invejosos frustrados que por aí pululam, como um dos mais acérrimos detractores de uma profissão que, queira ou não, tem um papel fulcral no estado de direito democrático que ele próprio ajudou a erigir e que importa dignificar. Porquê este resvalar para um facciosismo cada vez mais cego? Não haverá outros “privilégios”, bem mais actuais e significativos, de que beneficiam muitos dos seus novos “amigos”, que mereçam a sua atenção? Porquê tanto achincalhamento e rebaixamento? Ou não achará que qualquer reforma judiciária que se preze não passará pela adesão dos que trabalham no sector?
O interesse das instituições democráticas merecia melhor.