liberdade vigiada 105
Liberdade vigiada 105
De que falamos quando falamos de país?
mcr, 14 de Agosto
A Europa conheceu durante séculos uma continua movimentação de povos vindos da Ásia que pouco a pouco se foram entranhando de oriente para ocidente desde o tempo do império romano. Nem sempre foram tempos de ocupação violenta de territórios mas tão simplesmente de movimentos consentidos pelo Império que, aliás, também ele tinha irradiado da centro de Itália até ao Ocidente, à fronteira anglo escocesa, à Germania e aos territórios romenos. Há pois aqui um cruzar múltiplo de povos. As “invasões bárbaras” mudaram ligeiramente as características raciais dos povos romanizados, Depois, no sul da Itália e na península ibérica houve uma segunda vaga de invasões, desta feita por gentes muçulmanas, fundamentalmente berberes do Magrebe, tropa de choque e camponeses sem terra que sob a promessa de saque e de terra para subsistir constituíram o grosso da ocupação árabe. E isto em várias vagas. No território português, a sua presença é importante no Alentejo e no Algarve, sendo mínima a norte do Mondego. Em Itália, é na Sicília especialmente e um pouco em todo o sul que a sua presença ainda hoje se verifica. Na Espanha, apesar da expulsão dos “moriscos”” ainda se notam traços da sua passagem e permanência. Outra das populações que se encontra disseminada pela europa desde os tempos do Império é a judaica expulsa à força do seu território original. A ela terá acrescido uma segunda vaga de convertidos à fé mosaica esses de origem europeia que terão durante séculos uma fortíssima presença em toda a Europa de Leste. E por lá viveram até ao século XX sendo alvos esporádicos de “pogroms” onde se distinguiam russos, polacos, lituanos e ucranianos. Bata ler “Taras Buba” de Gogol para adivinhar o conflito sempre latente em que os judeus servem de vítimas entre matanças de polacos, russos e ucranianos.
De todo o modo, a minoria judaica e a cigana estão na história da Europa quase desde sempre. E também continuamente repelidas ou meramente toleradas pelos europeus cristãos e sedentários. Os primeiros, quer em Portugl quer no resto da Europa sobretudo ocidental dsempenharam cargos importantes e tiveram forte influência graças ao facto de poderem – ao contrario dos cristãos – exercer profissões ligadas ao comércio e à incipiente banca. Há, também um rasto de artistas e intelectuais de fé ou de origem judaica que é impressionante.
Escusado é dizer que periodicamente foram alvo de perseguições violentas, de expulsões (de Portugal e de Espanha, sobretudo) ou de licença de permanência insegura desde que abjurassem.
Os ciganos foram sempre uma minoria perseguida onde quer que assentassem arraiais. Resistiram a tudo, mesmo aos nazis que os enviaram em grande número para os campos de extermínio e, mesmo hoje, são pouco mais que tolerados na Europa de Leste. E, todavia, a sua música, melhor as suas músicas são quase que o retrato de regiões inteiras desde a Andaluzia até à Hungria e países eslavos do sul.
Depois da descoberta da América, a Europa “exportou” multidões gigantescas para os novos territórios o que por sua vez fez quase desaparecer populações autóctones nesses territórios.
A partir do século XVII começam a surgir na Europa pequenas minorias de cidadãos crioulos vindos das colónias e que irão ser importantes não só no comércio colonial e post-colonial mas também noutros campos de actividade. Não são muitos mas há países onde eles se vão notando. Incluindo a França que teve no pai de Vitor Hugo um dos seus grandes generais. O filho, esse está no Panteão e é um dos ícones da literatura francesa e mundial.
Os séculos XIX e XX trouxeram para as metrópoles coloniais fortes contingentes de asiáticos, americanos e africanos que se foram miscigenando com maior ou menor felicidade nos territórios de chegada. Tirando o especial caso da Alemanha nazi que enviou para os campos de concentração algumas dezenas de milhares de oriundos da Namíbia e do Tanganika, eles mesmos muitas vezes, quase sempre, filhos de colonos alemães, a França, a Inglaterra, a Holanda e a Bélgica tem hoje populações de diferentes origens de diferentes datas de chegada das antigas colónias, estabelecidas e enraizadas nos antigos países colonizadores. Entretanto, a Alemanha conta agora com fortes minorias, religiosas, culturais e raciais que escolheram o pais para viver longe da miséria, das guerras, da corrupção endémica e doa assassínios em massa.
Portugal não é excepção mesmo se a colónia africana (e as brasileira e indiana) seja de instalação relativamente recente (desde os tempos da guerra de África). Todavia, existiu, desde quase o início dos Descobrimentos, um fluxo importante de escravos negros que se disseminou no Sul do país e em Lisboa. Até a toponímia desta cidade está a exemplifica-lo, desde a rua as Pretas até à do Poço do Negros. Desapareceram no seio da população metropolitana ao fim de gerações. Há alguma importante literatura sobre o assunto (por todos, J R Tinhorão, “Os negros em Portugal”)
Entre s teorias sobre a aparição do “fado”, uma há que o atribui à música de escravos do Brasil. Não tenho conhecimentos que me permitam sequer discutir a questão mas não deixa de ser curioso o facto de haver sobre a “canção nacional” uma teoria deste tipo.
Que o “negro” em Portugal tem raízes antigas na nossa literatura é um facto incontroverso. Relembra-se, a título de exemplo, o “Pranto da Maria Parda”. Alguns autores tentam falar em “mulher de baixa condição” mas o mais provável é que se trate de uma mulher negra (os autores portugueses afirmavam que os indígenas do sul de África eram “pardos” e não negros como os do golfo da Guiné)
O professor Paulo Quintela, grande divulgador do teatro vicentino através do TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra) dava indicações cénicas de escurecer o mais possível os traços da mulher em questão. De a fazer nega. Numa palavra.
Nas artes plásticas, há um célebre quadro sobre Lisboa (sec XVII) onde se vê um negro com as indignais de Santiago o que demonstra, que mesmo nessa época, já havia africanos com funções destacadas que os poderiam levar até essa dignidade.
Tudo isto, para por um lado, refrear a ideia de certos “identitários” sobre Portugal (e sobre a europa) que subitamente se insurgem conta a entrada de pessoas oriundas de outros países e outras culturas, sob o pretexto da desnacionalização descaracterização da pátria mas também para tentar reduzir à sua exacta dimensão os clamores, as queixas, as acusações, que pequenos grupos alegadamente anti racistas usam para traçar uma fotografia sinistra de um país que tem um primeiro ministro indiano, um ministro das finanças da esma cor e origem e uma ministra negra. Será pouco, até estou disposto a convir, mas a verdade é que Portugal é o país escolhido para viver incluindo pessoas que acham o país racista. Ou são tontas ou gostam de sofrer a malvadez lusitana. Masoquismo racial?
Tudo isto, para lembrar que Portugal é um país que desde os tempos da colónia brasileira enviou para os trópicos anualmente dezenas de milhares de cidadãos que viviam na miséria mais infame. Se, acaso, nos países que acolhem portugueses actualmente (França, Alemanha, Suíça, Espanha, Grã Bretanha ou Luxemburgo entre outros) vigorassem ideias identitárias e anti portuguesas que destino propõem os nossos identitários para os nossos compatriotas?
(a propósito, vale a pena recordar mais um despropósito de uma senhora deputada negra, originária da Guiné, que a respeito de uma mensagem tonta, imbecil, esdrúxula e mal grafada com erros no Padrão dos Descobrimentos arremete contra dois cavalheiros (que nada tem a ver um com o outro excepto o facto de não comungarem da mesma mistela ideológica da referida senhora) referindo que deveriam ser eles a custar a limpeza do monumento! Até ao momento, esta senhora deputada que nada ainda acrescentou de útil ao país e aos eleitores, só tem produzido “ruído” e o pequeno escândalo de, uma vez no poleiro, abandonar a formação que tontamente a levou até lá. Seguramente que passará rapidamente ao esquecimento uma vez que não se descortina partido político que a queira no seu quadro nas próximas legislativas. A única coisa de incomum na sua entrada no parlamento foi o facto de um agora ex-asessor dela, usar saia preta sobre meias verdes horrendas... Fora essa pequena bizarria pour épater le bourgeois nada de interessante se pode dizer sobre o insólito par)
* Na vinheta: portugueses em Bronzes de Benim. Ou de como se sentrou também na arte africana e logo numa das regiões artísticas mais prestigiadas.em África