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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

A vitória (apertada) de Jardim

José Carlos Pereira, 11.10.11

As eleições do passado Domingo na Madeira deram a vitória a Alberto João Jardim, que, pela primeira vez, teve a maioria dos mandatos sem alcançar a maioria dos votos expressos. Perdeu quase dezanove mil votos em relação a 2007 e terá agora de se preocupar com a passagem de testemunho, já que ficou evidente o final de um ciclo político ditado pelo “quero, posso e mando”. Jardim deixa, no entanto, uma pesada herança para o seu putativo sucessor, já que o caderno de encargos gerado pela monstruosa dívida será um fardo pesado para quem vier a seguir. E o processo de sucessão não será nada fácil, como sempre sucede com lideranças deste tipo.

A vitória de Jardim poderia ter sido ainda mais curta se a oposição de esquerda não tivesse “desaparecido” nestas eleições. O PS apresentou como cabeça de lista Maximiano Martins, ex-deputado na Assembleia da República e antigo gestor do Programa Operacional da Economia, e teve o pior resultado de sempre. Nada que surpreendesse quem conhecia Maximiano Martins, pese embora todas as suas qualidades pessoais. O PS nunca conseguiu encontrar ao longo dos anos um líder regional capaz de concentrar o voto daqueles que não se reviam no regime jardinista. As apostas foram-se sucedendo sem sucesso e o PS terá de se interpelar seriamente sobre o rumo a tomar. A CDU desceu a votação e viu esgotado o discurso do ex-padre Edgar Silva. O BE desapareceu do parlamento regional, desperdiçando a herança dos tempos áureos em que a UDP marcava a agenda da oposição na Madeira.

De parabéns está o CDS com o magnífico resultado alcançado, fruto de um trabalho continuado no terreno e bem supervisionado por Paulo Portas desde Lisboa. Contudo, a atitude de José Manuel Rodrigues, que preferiu manter o seu lugar na Assembleia da República em detrimento do parlamento regional, talvez venha a causar mossa no futuro. Os eleitores não costumam perdoar essas “traições”. Será que os madeirenses teriam votado da mesma forma se soubessem à partida que Rodrigues ficaria por Lisboa e não estaria na linha da frente da oposição a Jardim?

Sobra, por último, o reforço da oposição mais ou menos folclórica. José Manuel Coelho elegeu três deputados com a bandeira do Partido Trabalhista Português – metade dos do PS! – entre os quais a própria filha, pois então, mostrando que nesse aspecto não está longe da praxis dos partidos de poder. Também o PND, o Partido pelos Animais e pela Natureza e o MPT elegeram deputados na Madeira. Enfim, à falta de uma alternativa de poder verdadeiramente agregadora, valeu tudo para mostrar o descontentamento dos madeirenses com a governação de Alberto João Jardim e do PSD!

Leituras (4)

sociodialetica, 30.09.11

 

Martins, João Pedro. 2011. Suite 605. Lisboa: Associação Editorial Nexo Literário.

 

 

Do Prefácio

 

Os paraísos fiscais, comummente chamados de offshores, são aparentemente ignorados nos debates políticos, são esquecidos nas análises económicas, são, quando muito, no mundo do bem comportado científica e politicamente que nos afoga, glaciares flutuantes analisados apenas pela minúscula zona visível. É como se não existissem ou fossem socialmente irrelevantes.

No entanto é exatamente o contrário. Quando em 2004 caracterizei economicamente a globalização, fase do capitalismo iniciada nos anos oitenta do século passado, chamei a atenção que a financiarização da economia (isto é, a esmagadora importância do capital-dinheiro em relação ao capital-industrial, a sua livre circulação à escala mundial, o volume de transações nos mercados financeiros, oficiais ou não, o peso esmagador do capital fictício, desligado de qualquer atividade produtiva) e o crescimento da economia paralela (isto é, da economia não registada porque constitui uma fuga às obrigações fiscais, economia subterrânea, e porque são atividades ilegais, economia ilegal) são partes indissolúveis de um mesmo processo de reprodução da sociedade atual. Reprodução que tem conduzido a um brutal agravamento das desigualdades sociais, a uma subalternização social e ética do Homem.

Neste processo, os offshores funcionam como placa giratória entre o legal e o ilegal e, reciprocamente, entre o compromisso fiscal e a sua fuga, entre a democracia e o império obscuro do branqueamento de capitais, entre a apregoada “responsabilidade social das empresas” e o esmagamento do direito à dignidade dos povos.

É tão visível a ignomínia quando sabemos olhar para ela que os Estados e as instituições internacionais têm de usar toda a sua hipocrisia: fazer declarações de inquietude e de desagrado enquanto multiplicam as “praças financeiras” e reforçam as suas funções e o seu sigilo.

Olhar para esta realidade tétrica, mostrar a sua perversa função actual, contribuir para uma opinião pública mais esclarecida sobre o assunto tem sido uma das preocupações de João Pedro Martins. Uma revelação do seu empenhamento cívico, que todos devemos agradecer, até porque fazê-lo exige coragem e abnegação.

Incidir agora a sua análise no offshore da Madeira é de grande oportunidade política, pois grande parte dos problemas sociais com que a União Europeia se debate, a “crise da dívida pública”, é a expressão da possibilidade dos defraudadores de hoje serem os credores de amanhã.

A autoimagem que temos de nós próprios leva, por vezes, a aceitar a afirmação de que o “offshore da Madeira é diferente dos outros”. Pura fantasia política para enganar tolos. É parte do sistema mundial de desresponsabilização social, fraude e branqueamento de capitais. Algo que existe sem vantagens para a economia portuguesa, antes pelo contrário. Algo que nem impacto tem sobre o desenvolvimento regional do arquipélago.

Estou certo que depois da leitura deste livro muito do que nos rodeia surgir-nos-á mais claro.

 

Pergunta e resposta

 

Por debaixo do título do livro, acima indicado, pode-se ler esta explicação sobre o conteúdo: “História secreta de centenas de empresas que cabem numa sala de 100 m2”.

Poderão, então, perguntar: “Para que me interessa saber a história dessas empresas, muitas delas fantasma?”

A resposta é simples: “Interessa-lhe porque elucida um pouco a crise em que estamos e explica porque razão você e eu pagamos mais impostos do que seria fiscalmente justo.”