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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

O fim penoso de Rui Moreira

José Carlos Pereira, 15.07.25

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A menos de três meses das eleições autárquicas, são muitos os presidentes de Câmara que se despedem da função por limite de mandatos. É o caso de Rui Moreira, no Porto. 

Fernando Gomes, com o lançamento do metro e da Capital da Cultura 2001, nos anos 90, foi o último a "reinventar" a cidade, mas é justo reconhecer que Rui Moreira fez do Porto um pólo de atracção de investimento e talento, promoveu de forma ímpar a cidade e a sua marca, apostou num maior cosmopolitismo, mas também na coesão social e cultural do território. A renovação do Mercado do Bolhão e o projecto do Matadouro de Campanhã ficarão como as obras emblemáticas dos seus mandatos. Nunca lhe confiei o voto, mas não posso dizer que tenha sido um mau autarca. Sobretudo em comparação com o seu antecessor...

Rui Moreira, no entanto, não soube lidar com o fim da governação autárquica, com o caminho a seguir e, consequentemente, não acautelou a coesão da sua vereação até ao fim. Em termos pessoais, gostaria de ter sido cabeça de lista ao Parlamento Europeu ou ministro, mas o deslaçamento do executivo não aconselhava uma saída antecipada. Talvez o lugar de embaixador na OCDE seja o melhor que o Governo pode arranjar. 

Quanto à sua equipa, após as renúncias, nos últimos meses, do vereador da Economia e Finanças e do chefe do gabinete, sabe-se que o vice-presidente (entretanto, ao que parece, agredido pelo ex-chefe do gabinete!) prosseguirá com uma candidatura independente, a vereadora da Saúde, Juventude e Desporto deve integrar a coligação PSD/IL/CDS e o vereador da Educação e Coesão Social será candidato pelo PS.

Rui Moreira não soube, ou não foi capaz, de guiar o movimento que protagonizou a sua candidatura, mantendo a equipa unida e coesa, com um alinhamento e uma visão comum para a cidade, até ao fim do derradeiro mandato. Nos últimos meses, cada um tratou da sua vida e dos seus interesses, a olhar para o que futuro poderia reservar de melhor, aqui ou ali.

O próprio presidente da Câmara do Porto, depois de dizer que não interviria na campanha eleitoral das últimas legislativas e que não tomaria posição nas autárquicas, não se coibiu de dar todos os sinais de que estava ao lado de Luís Montenegro e Pedro Duarte. A romagem ao Bolhão para reunir o Conselho de Ministros foi a cereja no topo do bolo. Les jeux son faits!

Eleições de digestão difícil

José Carlos Pereira, 29.05.25

Na edição em papel do jornal A Verdadepublico hoje um artigo de opinião acerca da realidade saída das últimas eleições:

"As eleições de 18 de maio mudaram por completo o panorama político português. Mais do que a vitória da AD – Coligação PSD/CDS, foi o retumbante resultado do Chega que abanou os fundamentos do nosso sistema político.

Quando o jornal chegar à mão dos leitores, provavelmente já serão conhecidos os resultados dos círculos da emigração e deverá estar confirmado o Chega como segundo partido com mais votos e deputados. Pela primeira vez em democracia, os dois partidos mais votados não serão o PSD e o PS, que deixam também de assegurar, por si só, o consenso constitucional e os dois terços indispensáveis para certas reformas e nomeações.

Como chegámos aqui? As razões são múltiplas e merecem ser bem estudadas. Se olharmos para o mapa eleitoral saído das eleições, vemos que não há um padrão único. O Chega cresce em praticamente todo o país e ganha em 60 municípios, mas isso tanto sucede na industrial Marinha Grande como na piscatória Nazaré, em Sintra ou em Sesimbra, em Beja ou em Barrancos, em terras marcadas por turismo e imigração tão diversos como Odemira ou Loulé.

No Chega reúne-se, sem dúvida, a vontade de mudança, os receios com a imigração, o protesto pelas dificuldades da vida, pela ausência de soluções para os problemas sentidos no dia a dia, seja com as condições remuneratórias, a insuficiente resposta dos serviços públicos ou a falta de habitação a preços comportáveis. Mas o Chega também sabe tirar partido da sociedade digital em que vivemos, na qual deixou de ser prioritária a procura do conhecimento, a avaliação crítica e rigorosa, a comparação de fontes, a discussão fundamentada de propostas. Tudo isso deixou de ter espaço na torrente polarizada das redes sociais, com consequências para a forma como (não) avaliamos com discernimento, como muitas opções são determinadas por correntes e algoritmos, como só vemos aquilo que queremos ver, mesmo que seja mentira.

Estou convicto que se a maioria dos eleitores do Chega lesse com atenção as propostas do partido, designadamente no domínio dos direitos, liberdades e garantias, ou analisasse as promessas com impacto orçamental na despesa superior a 20 mil milhões de euros, tomaria consciência de que tinha depositado mal o seu voto. E já não falo dos atropelos e crimes praticados por muitos dos seus eleitos, coisa que aparentemente nem sequer penalizou o Chega. O que não sucederia se o mesmo tivesse ocorrido com outros partidos!

A AD cresceu de forma moderada – é evidente que o caso “Spinumviva” provocou estragos na imagem e na credibilidade de Luís Montenegro perante os portugueses – mas os resultados obtidos vão permitir-lhe governar com estabilidade durante um período razoável. O primeiro-ministro deve aproveitar para reforçar politicamente o governo nas pastas mais críticas e sabe antecipadamente que a moção de rejeição do programa do governo já anunciada pelo PCP não será aprovada. O país precisa que o próximo executivo se concentre nas tarefas que tem pela frente, num contexto internacional desafiante e com os fundos do PRR e do Portugal 2030 a exigirem foco e determinação.

O PS teve uma pesada derrota. Só Almeida Santos e Vítor Constâncio, em 1985 e 1987, tinham alcançado piores resultados. Pedro Nuno Santos avaliou mal a resposta a dar à moção de confiança apresentada pelo Governo. Teria sido mais apropriado aceitar o prazo da Comissão Parlamentar de Inquérito proposto pelo primeiro-ministro, abster-se na moção de confiança e aprofundar a investigação às várias ramificações da “Spinumviva”. Pelo contrário, o líder cessante do PS caiu no engodo das eleições, fez uma campanha centrada num núcleo reduzido de protagonistas e cedo se percebeu que não ia conseguir fazer valer as suas propostas.

Tudo indica que José Luís Carneiro será o próximo secretário-geral. É o nome mais bem colocado neste momento para relançar o PS, num momento difícil para os partidos socialistas e sociais-democratas – só em seis países europeus a direita não supera 50% dos votos!

José Luís Carneiro já anunciou que estará disponível para acolher todas as sensibilidades socialistas. Além de toda a experiência que traz consigo, tem a vantagem de ser oriundo de um meio pequeno e de conhecer as dificuldades próprias dos mais simples. Habituou-se a encontrar respostas para os que mais precisam.

Confirmando-se a sua eleição, Carneiro terá pela frente vários desafios: unir e mobilizar o PS para as próximas autárquicas, reflectir profundamente sobre as causas para o declínio socialista, captar a atenção das largas centenas de milhares de eleitores perdidos desde 2022 e lançar as bases que permitam atrair estratos demográficos e profissionais que se têm afastado do PS.

O próximo líder socialista deve também ser um factor de estabilidade e confiança para o país, disponibilizando-se para que matérias como a revisão constitucional, a política europeia, de defesa ou de segurança interna, por exemplo, possam continuar a ser alvo de consenso entre os partidos moderados do nosso sistema."

"Porque Falha o Estado"

José Carlos Pereira, 23.05.25

Sou insuspeito de simpatia por Paulo Portas, mas no podcast "Porque Falha o Estado", gravado poucos dias antes das eleições, o antigo vice-primeiro-ministro identificou boa parte das razões que nos trouxeram até aqui (ou que trouxeram o Chega à liderança da oposição): os algoritmos e as redes sociais, a "democracia digital", a polarização, as simplificações, o tribalismo, a "abreviação do conhecimento", a governação para coleccionar likes.

Miguel Poiares Maduro e os estilos de vida

José Carlos Pereira, 29.03.25

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Miguel Poiares Maduro no "Expresso":

"...ao contrário de um cidadão normal um político tem de explicar porque leva um estilo de vida acima do que a função política lhe permitiria".

Penso exactamente o mesmo que o ex-ministro do PSD e isso ainda é mais evidente quando alguém que passa mais de metade da sua vida profissional na política ostenta um património de alguns milhões de euros.

"Governar no séc. XXI"

José Carlos Pereira, 14.03.25

Estive há dias na apresentação do livro do ex-ministro António Costa Silva, "Governar no séc. XXI - Desafios, Soluções, Liderança". O autor presta contas da sua acção enquanto ministro da Economia e do Mar, o que é sempre um bom hábito democrático, mas retrata também a sua (pouco feliz) experiência com os múltiplos organismos da administração pública. Aliás, segundo referiu, se tivesse de optar privilegiaria como tarefa primordial do Estado avançar com a digitalização da administração pública, um factor que reputa como essencial para assegurar uma resposta pronta e eficaz às interacções com as empresas e os cidadãos.

Reposição de freguesias vs. centralismo

José Carlos Pereira, 12.03.25

Um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto traz à reflexão, de forma oportuna, a organização administrativa do território, a partir da recente reposição de três centenas de freguesias. Mais do que a questão do aumento dos custos associados a este acréscimo do número de freguesias, o estudo enfatiza o facto de Portugal continuar a ser um dos países europeus mais centralizados, com um reduzido nível de despesa local e regional no PIB e um dos rácios mais baixos de habitantes por unidade administrativa local de nível inferior (as freguesias no caso português).

Defendo há muito que uma reforma administrativa que envolva a criação de regiões administrativas, o redimensionamento de municípios e freguesias, e das respectivas atribuições, conduziria a um desenvolvimento mais integrado do país e à diminuição do centralismo que se faz sentir.

A visita de Macron e as parcerias com a França

José Carlos Pereira, 11.03.25

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Aquando da visita de Emmanuel Macron a Portugal, participei no Fórum Económico Luso-Francês, no Palácio da Bolsa do Porto, que deu realce a alguns dos sectores económicos mais relevantes na relação com a França, o nosso terceiro parceiro nas exportações e nas importações e o segundo maior responsável pelo Investimento Directo Estrangeiro em Portugal.
Tinha muita curiosidade em ouvir Emmanuel Macron, que fez uma defesa acirrada da Europa e da necessidade de reforçar a sua autonomia em todas as áreas estratégicas. A forma como Macron foi ovacionado e o entusiasmo que se via nas ruas do Porto por onde ia passar evidenciam que os portugueses se identificam muito com as suas intervenções recentes em defesa do nosso continente.

Mário Soares

José Carlos Pereira, 07.12.24

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No dia em que se assinala o centenário do nascimento de Mário Soares, recordo o texto que aqui publiquei no dia da sua morte:

"Mário Soares morreu hoje, aos 92 anos, após vários dias de internamento hospitalar. Foi uma vida longa e plena. Oposicionista ao regime do Estado Novo, destacando-se como activista das candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado, foi preso várias vezes, deportado e exilado. Fundador do Partido Socialista, regressou a Portugal logo a seguir ao 25 de Abril, foi primeiro-ministro por três vezes, Presidente da República durante dez anos, vencedor da eleição para o Parlamento Europeu aos 74 anos e recandidato presidencial aos 80 anos.

Mário Soares nunca foi uma personalidade consensual, como nunca o são as personagens marcantes da história. A ruptura com a esquerda mais extremista, que permitiu a consolidação da democracia em Portugal nos anos de brasa de 74/75, e as repercussões à direita de um doloroso processo de descolonização contribuíram muito para que Soares gerasse uma oposição forte em determinados sectores.

O país, contudo, deve-lhe muito. A implantação e consolidação do regime democrático e a adesão à Europa tiveram na sua acção um contributo determinante. Mário Soares é, sem qualquer dúvida, um dos pais fundadores da nossa ainda jovem democracia.

Soares manteve-se orgulhosamente fiel ao princípio de lutar e resistir às adversidades, mas, como bem lembrou Henrique Monteiro no “Expresso” aquando do seu 90º aniversário, o discurso inflamado desse período do ajustamento da troika e as palavras às vezes excessivas mereciam ser devidamente enquadradas e temperadas. A verdade é que todos nós gostamos de uma forma especial dos amigos e familiares que atingem tão bonitas idades.

Encontrei-me duas vezes com Mário Soares, nas campanhas eleitorais presidenciais vitoriosas, que apoiei convictamente. Na primeira campanha, integrei a pequena comitiva que o recebeu à entrada do município de Marco de Canaveses e daí seguimos para um comício bem sucedido em que também intervim. Recordo com saudade o abraço apertado e emocionado que me deu no final desse comício, quando as perspectivas de vitória eram ainda longínquas. Esta minha intervenção, quando era então um jovem militante da JSD, valeu-me, aliás, uma inconsequente ameaça de expulsão. Cinco anos depois, já livre de militâncias partidárias, voltei a conversar com Mário Soares num evento da sua campanha no Porto.

Lamentei a sua decisão de se candidatar novamente à presidência da República em 2006 e decidi, por isso, não corresponder ao convite para ser o seu mandatário concelhio em Marco de Canaveses. Já não era o tempo de Mário Soares, embora percebesse o que o fazia avançar. Não o apoiei, mas também não votei contra esta sua última investida.

Até sempre, caro Presidente Mário Soares!"