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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

A dança de Centeno

José Carlos Pereira, 22.06.20

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Mário Centeno deixou na semana passada o Governo, mantendo a presidência do Eurogrupo  por mais umas breves semanas, enquanto se prepara para ir ocupar o lugar de Governador do Banco de Portugal. Todos os sinais apontam nesse sentido. Parece mesmo que o ex-ministro só aceitou integrar o actual Governo até ao momento em que cessasse o mandato de Carlos Costa no Banco de Portugal. Talvez isso justifique o facto de ter sido relegado para quinto lugar na hierarquia do actual Governo.

O distanciamento de Centeno em relação a António Costa vem de trás. Foram as críticas públicas do primeiro-ministro ao acordo conduzido pelo presidente do Eurogrupo com vista à concretização do instrumento orçamental para a convergência e a competitividade da zona euro. Foi a gaffe da transferência para o Novo Banco via Fundo de Resolução. Foi a desvalorização pública do trabalho conduzido pelo consultor convidado pelo primeiro-ministro para preparar o plano de retoma da economia. Já na legislatura anterior, deixaram marcas todos os episódios relacionados com a indicação de António Domingues para a liderança da CGD.

Mário Centeno foi um bom ministro das Finanças e deu um contributo relevante para manter as contas do país no caminho certo, alcançando inclusivamente o primeiro excedente orçamental da democracia portuguesa. Isso mesmo foi reconhecido na Europa. A invulgar popularidade que foi registando em sucessivas sondagens acabou por seduzir Mário Centeno, que aqui e ali se deixou tentar pelo pecado da vaidade, mesmo se a sua acção não esteve isenta de erros

O parlamento debate por estes dias uma lei proposta com o objectivo de impedir a transição do ex-ministro para o Banco de Portugal. Uma lei feita a pensar num caso concreto nunca é positiva em democracia. A discussão sobre o período de nojo e as incompatibilidades deve ser feita, mas sem ter a pressão da aplicação prática no imediato.

Mário Centeno tem as competências óbvias para desempenhar o cargo de governador do Banco de Portugal, mas não creio que seja a opção mais adequada. Do ponto de vista pessoal, Centeno olhará para essa nomeação como o epílogo natural para a sua carreira no Banco, acertando até contas com o momento em que não foi escolhido para um lugar de direcção pelo actual governador. Contudo, do ponto de vista político, sobretudo depois das críticas que formulou ao processo de resolução do Novo Banco e das nomeações que fez para o Conselho de Fiscalização do Banco de Portugal, não creio que seja a melhor escolha.

Admito que tudo esteja acertado há muito entre António Costa e Mário Centeno e que os nomes negociados para o Conselho de Administração venham a permitir um maior consenso entre os partidos quanto à sua nomeação, mas não dou como certo que o perfil de Mário Centeno, de peito cheio com a sua performance ministerial, vá conduzir a um relacionamento fácil com o Governo de António Costa...

Mário Centeno na liderança do Eurogrupo

José Carlos Pereira, 04.12.17

eleição de Mário Centeno para a liderança do Eurogrupo é positiva para Portugal e naturalmente para o ministro português, que vê assim o seu trabalho reconhecido fora de portas. É positiva para Portugal, desde logo, porque garante que as contas públicas nacionais ficam "impedidas" de divergir das regras europeias, pois Mário Centeno terá de ser um exemplo no cumprimento das metas acordadas entre os seus pares.
Tal cumprimento, por outro lado, contém um potencial de risco na relação com os partidos à esquerda do PS que têm suportado a solução governativa. Não restará a Mário Centeno (e a António Costa) outro rumo que não seja seguir, no fio da navalha, entre o apego a Bruxelas e a satisfação possível das ambições dos parceiros parlamentares do PS. Até quando, ver-se-á.

A raparem o “POTE”

JSC, 25.10.15

Um país (e um Governo) à nora

José Carlos Pereira, 17.03.13

O país encontra-se a definhar e o Governo não sabe para onde se virar. Todas as metas estabelecidas são incumpridas, todos os objectivos ficam por alcançar. Apenas o desiderato de empobrecer o país continua de pé, com o desemprego a subir para números ainda há pouco inimagináveis. 

A sétima avaliação da troika deixou à vista de todos que as previsões do omnisciente Vítor Gaspar já não convencem sequer o triunvirato de avaliadores. Decide-se prolongar os prazos e as metas do ajustamento, mas sem se saber muito bem como os vamos cumprir. Aliás, segundo a imprensa do fim-de-semana, nem os próprios ministros acreditam na bondade dos novos objectivos. E até a insuspeita Manuela Ferreira Leite dizia ontem na SIC Notícias que o alargamento de prazos de nada adiantará se a receita seguida não for alterada.

Entretanto, os indicadores revelados sobre a queda do Produto Interno Bruto e da procura interna não deixam dúvidas sobre as consequências que o processo cego de ajustamento está a trazer para o país e para os portugueses, que se vêem obrigados a correr aos bancos para levantarem as poupanças amealhadas e já começam a ter de poupar nos bens de primeira necessidade. Um país obnrigado a recuar décadas no seu modelo de desenvolvimento social e económico...

Os famigerados quatro mil milhões

José Carlos Pereira, 26.02.13

Na edição de Fevereiro da revista “Repórter do Marão", publico um artigo de opinião sobre o anunciado corte de quatro mil milhões de euros na despesa pública:

 

"O país tem estado mergulhado no debate sobre o corte de 4 mil milhões de euros na despesa pública que o Governo se comprometeu a apresentar à troika. O número nasceu sem que ninguém assuma a sua paternidade e a razão de ser do mesmo, mas a meta é por si só suficiente para deixar os portugueses apreensivos.

Defendo desde há muito que o Governo deveria ter avançado com uma profunda reforma do Estado, aliando a redução da despesa pública ao redesenho das funções a cargo da administração central e local. Essa era uma tarefa que devia ter-se iniciado logo no início do mandato, com o envolvimento dos partidos da oposição e dos parceiros sociais, mas que é impossível de realizar à pressa, em meia dúzia de meses.

Porquê, então, um corte de 4 mil milhões de euros na despesa? Por que não 3 mil milhões ou 3,5 mil milhões? Ninguém sabe responder com certeza a esta questão. Creio bem que o valor terá surgido nas conversas anteriores com a troika em resultado das derrapagens orçamentais que Vítor Gaspar não conseguiu evitar. Ao constatar que o Governo não conseguia cortar de forma efectiva na despesa, e antevendo que as metas estabelecidas para o défice nos próximos anos também não serão atingidas, a troika ditou as suas regras. Coincidência, ou talvez não, os 4 mil milhões de euros correspondem exactamente à diferença entre o défice previsto para 2013 (7,5 mil milhões) e 2015 (3,5 mil milhões de euros).

Contudo, é impossível caminhar para a consolidação orçamental com o foco centrado apenas na redução da despesa e no agravamento da carga fiscal. É necessário impulsionar o crescimento económico, sob pena de os cortes na despesa nunca serem suficientes para as metas fixadas. Além do mais, o Governo e a troika não podem esquecer o quadro económico e social que a Europa e Portugal vivem neste momento.

Nas últimas semanas ficámos a saber que a quebra do Produto Interno Bruto em 2012 foi de 3,2 %, superior portanto às previsões do executivo, e que a taxa de desemprego no final do ano transacto atingiu os 16,9%, abrangendo cerca de 923.000 portugueses. Estes números são preocupantes e acabam por ser também um reflexo da recessão que atinge a Europa, para onde se dirige mais de 70% das exportações nacionais.

Se contarmos com os activos que estão fora destas estatísticas, por já terem desistido de procurar emprego ou por não estarem disponíveis, Portugal terá cerca de 1,2 milhões de pessoas sem emprego, dos quais pouco mais de 400.000 recebem subsídio de desemprego. Com os cortes entretanto introduzidos nas prestações sociais, que já deixaram um número elevado de pessoas sem quaisquer rendimentos, está formado um quadro verdadeiramente explosivo em Portugal, que recomenda todas as prudências ao Governo no momento de desenhar a “refundação” do Estado.

Infelizmente, nos planos que têm vindo a público, não se vêem medidas estruturantes que vão para além de um ataque cerrado às funções sociais do Estado, na educação, na saúde e na segurança social.

Prestes a iniciar-se uma nova ronda de negociações com os emissários da troika, exige-se por isso que o Governo seja capaz de se bater para que o nosso país não seja condenado à miséria e à exaustão, a curto prazo. No mínimo, deve pugnar por um faseamento na implementação das medidas ao longo dos próximos anos, permitindo assim recuperar o envolvimento dos partidos da oposição e dos parceiros sociais disponíveis para o efeito.

A revelação de que será Paulo Portas o responsável pela coordenação do documento sobre a reforma do Estado parece uma tentativa de Passos Coelho para dar um cariz mais político e menos economicista a essas propostas. Mas também houve quem não visse nessa decisão mais do que a vontade de comprometer o CDS com os planos anunciados.

O que deve fazer o PS perante uma proposta séria de diálogo e concertação? Deve ir a jogo e defender a sua visão para a reforma do Estado. Não pode dar a imagem de que se furta ao debate por que não tem ideias sustentadas sobre uma reforma que é imprescindível para o nosso futuro colectivo.

Portugal tem um desafio pela frente que, por vezes, parece maior do que a capacidade daqueles que nos governam. Mas é nos momentos difíceis que se vê a massa de que são feitos os líderes. A quem está na oposição cabe demonstrar que não é movido pela política do quanto pior melhor e que tem uma perspectiva diferente quanto ao futuro do país. Os portugueses estarão atentos.”

Minority Report

José Carlos Pereira, 11.01.13

Moedas à parte, o relatório do FMI parece reunir uma rara unanimidade: a conclusão de que os autores do relatório não conhecem a realidade económico-social do país e não percebem o alcance das consequências de um corte como o que foi proposto. Com certeza que é necessário reduzir a despesa, como já muitas vezes defendi, mas não é reunindo à volta de uma mesa uns economistas do FMI, desconhecedores do Portugal profundo, que chegaremos às medidas adequadas. Muitas das medidas propostas são impossíveis de aplicar no Portugal de hoje. Lobo Xavier, aliás, acaba de vincar na SIC Notícias que esta não pode ser a base de uma discussão séria e serena sobre o assunto. Nem mais.

Deixo aqui as palavras de Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social e antigo ministro do PSD, que resumem tudo:

"Se eu tivesse encomendado um estudo a alguma entidade que depois me apresentasse estas soluções, aconselhá-la-ia apenas a mudar de vida. As medidas propostas pelos peritos do FMI são inexequíveis e pouco sensatas, para não dizer completamente insensatas.

O relatório analisa o impacto social das medidas no país? não. Por isso, para mim, não vale nada. é um disparate. Cortar quatro mil milhões de forma cega qualquer um corta. Não é disso que Portugal precisa neste momento.

Quero acreditar em todas as declarações que vários ministros do Governo foram entretanto proferindo, dizendo que o relatório não é vinculativo e que o que lá está apresentado não será aplicado. Mas só nos resta aguardar para ver o que vai acontecer".

O país que estamos a descontruir

José Carlos Pereira, 09.12.12

A recente aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2013 passou a letra de lei uma realidade que atingirá o bolso e a vida de todos os portugueses. O aumento da carga fiscal e os pressupostos macroeconómicos que vão nortear o OE, que sofrerão permanentes ajustamentos ao longo do ano, como já estamos habituados, empurram o país para um nível muito pior do que aquele que hoje vivemos.

A recessão económica, a insolvência e falência de milhares de empresas, a quebra de rendimentos dos particulares e a retracção do consumo interno fazem o país definhar de dia para dia, sucedendo-se as marcas de uma regressão brutal do padrão de vida a que os portugueses tinham ascendido. Vemos por aí, todos os dias, notícias que nos devem interpelar: diminuem as consultas médicas programadas, mães que abandonam os filhos nas maternidades, mães que dão leite de vaca a recém-nascidos, por falta de dinheiro para comprar leite em pó, milhares de famílias sem dinheiro para pagar as contas da luz ou da água, suicídos a aumentar entre empresários insolventes, crianças a abandonarem a escola por falta de recursos dos pais.

Recuso-me a entrar no discurso fácil de que vivemos acima das possibilidades e que agora temos de nos "ajustar". Como António Costa bem disse, Portugal limitou-se a seguir as orientações da União Europeia para o seu modelo de crescimento nas últimas décadas e agora os portugueses não podem ser crucificados por isso, apenas porque a Europa preferiu "ser simplesmente uma praça financeira".

É urgente que a Europa, no seu conjunto, perceba que tem de ser mais do que a mera soma das partes. A solidariedade dentro da União Europeia é a única saída para que Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Itália e outros países em dificuldades não regridam socialmente algumas décadas. Isso seria catastrófico, inclusivamente para aqueles países que hoje se encontram numa situação confortável. O país projectado por Pacheco Pereira seria uma tragédia e, entre outras coisas básicas, ficaria desprovido de meios para comprar os bens produzidos pelo norte da Europa. Logo...

Schulz, Angola e Portugal

José Carlos Pereira, 09.02.12

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, sentiu necessidade de vir explicar as suas declarações num recente debate em Bruxelas, amplificadas nos media portugueses, segundo as quais teria criticado a excessiva colagem de Portugal ao investimento angolano e que isso representaria o declínio do nosso país. Refere agora Schulz que o que pretendeu dizer foi que os países europeus devem estar mais próximos uns dos outros e serem mais solidários. Se os países mais frágeis não tiverem os apoios de que necessitam dentro da União Europeia isso significará o fracasso europeu. Assim seja.

De todo o modo, isso fez-me reflectir sobre o protagonismo que os capitais angolanos têm actualmente em Portugal e a forma ostensiva como se apresentam. Depois do imobiliário e do comércio de luxo, os angolanos estão nas empresas dos mais diversos sectores e ocupam posições dominantes em áreas estratégicas. É demais? Não sei. O que me parece claro é que não é saudável para a relação entre os dois países que essa afirmação económica seja tão ostensiva. Tal comportamento não pode servir para reparar mágoas antigas...

O episódio da recente mudança na administração do Millennium bcp, comandada a partir de Angola à vista de todos, antes de qualquer Assembleia Geral, não me parece um exemplo feliz e uma atitude a repetir. Muito menos o corrupio no Ritz sob as luzes dos fotógrafos do "Expresso"...