Quando as redes sociais infectam a política
Na edição online do jornal A Verdade, publiquei um artigo acerca da intersecção entre a política e as redes sociais:
"O meio político vive do confronto de ideias, mas é também um espaço de concertação entre diferentes formas de ver o mundo. Quem ganha a legitimidade para governar um país ou uma comunidade deve levar por diante o seu programa político, prestando contas no final aos seus eleitores, mas há muitas ocasiões em que se aconselha – ou até se impõe – a convergência com adversários, seja para promover reformas estruturantes, implementar medidas extraordinárias, enfrentar tempos invulgarmente difíceis ou consagrar equilíbrios constitucionais.
Isto vale para Portugal e para a generalidade dos países com democracias liberais. A Alemanha é governada por uma coligação entre conservadores e social-democratas. Em alguns países do norte da Europa é comum vermos governos de coligação entre o centro-direita e o centro-esquerda. Nos EUA, a concertação entre republicanos e democratas tem sido vital década após década. Portugal também já teve o seu governo do bloco central (PS/PSD), entre 1983 e 1985, para enfrentar as consequências de um pedido de resgate ao FMI.
Estas aproximações motivam, muitas vezes, rupturas e clivagens nos partidos envolvidos, mas isso não impede que o caminho se faça caminhando. Até porque a maioria da população entende e valida as necessidades dessas convergências. Esta realidade, no entanto, está a ser fortemente contrariada hoje em dia pelo advento das redes sociais, um espaço que promove muito mais o confronto, a divergência, o ódio e o insulto do que a concertação e o diálogo. O que antes ficava pelos desabafos soltos à mesa de um café hoje propaga-se pelas redes sociais e, a partir daí, ganha uma escala por vezes incontrolável. Quanto menor for o nível de literacia, mais disposta está a sociedade para acolher um discurso confrontacional.
As recentes eleições nos EUA são o exemplo privilegiado desse clima fracturante, mas também podemos constatar o mesmo em Espanha, com as relações acirradas entre o governo de esquerda e a oposição de direita, e em Portugal, com muitos eleitores de direita indignados com o governo socialista e os seus apoios parlamentares à esquerda, radicando esse ressentimento na forma que António Costa encontrou para ascender ao poder em 2015. A anunciada escalada eleitoral do Chega também beneficia muito deste clima de nós contra os outros, os políticos, os que têm responsabilidades na gestão da coisa pública, os que acedem aos “tachos”.
Das dinâmicas que instigam campanhas de ódio até às fake news é um pequeno passo, cedendo à tentação de criar narrativas falsas que correspondam àquilo que se pretende veicular publicamente acerca de um determinado partido, dirigente ou titular de cargo público. Essa desinformação, assente em factos falsos ou na denominada pós-verdade, é ainda mais grave quando obedece a uma estratégia deliberada para influenciar resultados eleitorais ou denegrir pessoalmente certos protagonistas políticos, como já se tem visto em alguns países.
Além dos proprietários e gestores de redes como o Facebook e o Twitter, os governos são igualmente chamados a intervir num modelo de regulação que trave a ameaça para os regimes democráticos corporizada pela desinformação nas redes sociais, numa época em que estes meios chegam a muito mais leitores e utilizadores do que os órgãos de comunicação tradicionais. Não é uma tarefa fácil e a polémica surgida recentemente em Espanha com a tentativa do governo de criar normativo específico para este efeito aí está para o demonstrar.
Ainda assim, vale a pena ir à luta por uma causa estruturante para as nossas democracias, limitando campanhas que fomentem o radicalismo, o extremismo, a exclusão, rupturas sociais e políticas, antagonismos estéreis.
Aos agentes políticos, a nível nacional e internacional, exige-se persistência em impor às redes sociais mecanismos de protecção da verdade e da transparência. A cada um de nós, cidadãos, aconselha-se a ter toda a atenção e cuidado com as fontes que consultamos, a privilegiar os meios de informação tradicionais, onde é essencial a mediação do jornalista, a confrontar ideias e opiniões.
A partir de informação avalizada, da análise e debate, pode fazer-se luz para as nossas dúvidas e angústias. Isso é essencial para a vivência em democracia, para a formação de opinião e para os laços que tecem a vida em comunidade. As fake news trazem consigo mentiras, calúnias, ódios e falsidades. É fácil perceber qual a escolha que devemos fazer."